Há quem ainda insista em vincular moda à futilidade e a análises engessadas do que é feio ou bonito, elegante ou cafona. Desde o último domingo, porém, o interesse pelo assunto, levado a sério e discutido com afinco, transcendeu os portais especializados. O motivo tem nome: Janja. E a repercussão não foi um acaso, visto que as escolhas da primeira-dama refletem, também, o papel de destaque que pretende desempenhar no governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
E as mensagens passadas por intermédio das produções escolhidas não se limitam ao dia da posse: estão na maior parte do repertório que Janja escolhe para aparições públicas e eventos importantes.
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Segundo a historiadora de moda Caroline Lardoza, as roupas da socióloga têm um discurso político claro, coeso e autoral, além de haver uma coerência de estilo, no qual cada detalhe é simbólico. Para a posse, a escolha foi um conjunto de alfaiataria, criado pela estilista gaúcha Helô Rocha — aqui, há a primeira ruptura de padrões, dado que, anteriormente, os looks das primeiras-damas se restringiam a vestidos e a saias.
O terno, em essência, é um modelo percebido como um traje voltado ao trabalho e são poucas as mulheres que escolhem usá-los em cerimônias ou solenidades, como explica a consultora de estilo Rafaella Nunes. "Passa uma mensagem de força, de atividade, dá muito mais liberdade de movimento, mas nem por isso deixa de ser feminina", completa.
A exaltação aos elementos nacionais não ficou de fora. Além de escolher uma estilista brasileira, o tecido tingido naturalmente com caju e ruibarbo mostra uma preocupação em relação à sustentabilidade, e a cor, dourada, parece um aceno ao movimento sufragista. A particularidade dos bordados também tem história: foram assinados pelo Atelier Bipô e produzidos com diferentes palhas, como o jungo e o capim dourado, e feitos por mãos de bordadeiras de Timbaúba, no Rio Grande do Norte; de Tocantins e de Goiás.
Os acessórios receberam menos atenção que o traje, mas também foram criados por designers brasileiras. Os brincos são da marca Flávia Madeira e os sapatos foram desenhados pela designer Juliana Bicudo. "Quer maior holofote e exaltação à nossa moda do que estar vestindo a primeira-dama dos pés à cabeça?", diz Rafaella.
Em um segundo momento, na festa da posse, Janja optou por um vestido azul da Neriage, marca criada por Rafaella Caniello e Laura Cerqueira Leite. Considerado discreto e recatado, com pouca pele à mostra, o look trouxe a modernidade com o tecido fluido, plissado e com movimento e balanço, acredita a consultora de imagem Rafaella. A cor também é um aceno ao que vemos nas passarelas, forte e com tom que lembra a Very Peri, eleita pela Pantone como a dor do ano passado.
Nos pés, Janja repetiu os saltos que usou em seu casamento com o presidente Lula e, em um deles (um par de couro vermelho), havia um detalhe especial nas solas, uma grande estrela vermelha, em um conjunto criado por oito artesãos no ateliê de Juliana Bicudo, em São Paulo. "A sandália vermelha, pra mim, foi a cereja no topo, ou nos pés, do bolo. É sério, sofisticado, moderno e mostra que é mais do que possível se adequar aos momentos e protocolos sem a necessidade de ser careta", diz Rafaella.
"Todas as escolhas são conscientes e vão ao encontro de seus propósitos pessoais. Mesmo sendo a primeira-dama, mostra que não precisa estar em segundo plano. Ela tem seu destaque, seu discurso, sua fala muito bem determinada. Sua roupa ajuda a contar a história política que sempre defendeu", completa Caroline.
Além da posse
Antes de subir a rampa do Palácio do Planalto, Janja já mostrava personalidade por meio da escolha de suas roupas. Seu vestido de noiva, por exemplo, trouxe mensagens políticas e sociais importantes. Também produzida por Helô Rocha e bordada por artesãs do Rio Grande do Norte, a peça ainda trazia, nas mangas, estrelas do PT espalhadas pelo tecido, como um detalhe extra. Ademais, ela fugiu do branco tradicional e optou pelo off white, um pouco mais moderno.
Na diplomação de Lula, a primeira-dama mais uma vez mostrou que é possível trazer a própria personalidade e escolhas modernas enquanto se mantém discreta e séria, de acordo com a solenidade da qual participa. "Sempre com algum toque de fluidez e brilho, que trazem um borogodó extra que é a cara dela. De novo, ela escolheu valorizar uma marca brasileira, a Misci, e essa exposição tem um valor imensurável pros nossos estilistas e artistas da moda", comenta Rafaella. A Misci, do designer Airon Martin, também foi escolhida na primeira entrevista exclusiva dada por Janja após a vitória de Lula nas eleições.
Durante a candidatura de Lula, a socióloga demonstrou que o dresscode de mulheres na política não precisa se restringir a ternos monocromáticos e acessórios discretos, como lembrou Melody Von Erlea, no blog de moda Repete Roupa. Com calças e tênis, viu-se a valorização das roupas confortáveis. Em entrevista à Vogue, Janja declarou: "Uso tênis com calça, saia, shorts. Outro dia, cheguei ao CCBB para uma reunião e estavam todas as secretárias de salto alto. Levantei o pé, mostrei o tênis e disse: Está instaurada a democracia do tênis".
Camisetas com mensagens políticas também chamam a atenção, evidenciando as pautas em que acredita. Muitas estampam, de forma autêntica, Lula como uma figura da cultura pop; outras imprimem causas que ela defenderá pelos próximos quatro anos, como a da campanha "faça bonito", para a proteção de crianças e adolescentes contra violência sexual. Por mais casual que seja, todo look comunica algo e, no caso de Janja, ousadia, feminismo, brasilidade e força são algumas das principais mensagens compartilhadas.
"Além de estar sempre muito elegante, bonita e bem vestida, ela usa a roupa como outdoor das próprias ideias e valores", completa Rafaella.
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