"A solidão, a tristeza, a carência e a fome incomodam, sabe?" Assim comenta a revisora de textos Jana Beraldo, quando questionada sobre histórias marcantes de resgates, recordando-se de Tupã, um cão dócil, mas que importunava, involuntariamente, pelo seu sofrimento. Vivendo em um condomínio, chegou a ser esfaqueado no rosto e, desnutrido, foi proibido pelo síndico de ser alimentado.
Como se não bastasse, desenvolveu um tumor venéreo transmissível (TVT) tão grande que já não podia ser ignorado, e uma moradora, ao buscar ajuda, chegou até Jana. Foram 37 dias de quimioterapia, cirurgia e transfusões de sangue, mas Tupã não resistiu. Apesar da dor — e mágoa — da perda, a protetora lembra que sempre vale a pena tentar, pois a tentativa em si já é uma vitória, afinal, conseguiu proporcionar ao animal uma partida digna e com o máximo de conforto que ele poderia ter. No fim das contas, o objetivo foi cumprido.
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Histórias como essa são comuns no cotidiano de protetores de animais, que colecionam desfechos nem sempre positivos, mas, muitas vezes, repletos de satisfação, principalmente quando um pet resgatado é acolhido em uma família que o recebe de braços abertos. Relatos assim também servem para conscientizar o público contra o abandono dos peludos, situação frequente nesta época do ano. Informação e responsabilidade são palavras-chave!
"A mudança depende de cada um de nós"
Jana sempre foi chegada em pets. Sua mãe conta que, certa vez, quando tinha cerca de dois anos, tirou os olhos da pequena por dez segundos, em uma padaria, e, quando se deu conta, ela estava pendurada no pescoço de um rottweiler. Hoje, aos 32, mora com quatro cães e um gato, além de tocar o Projeto Animalis (@animalis.bsb), iniciado neste ano.
A ideia, a princípio, foi criar um Instagram de divulgação de animais para adoção e perdidos/encontrados. O propósito se mantém, mas foi ampliado, contando com a ajuda de um time de voluntários que contribuem de formas diversas: oferecendo lar temporário para os cães resgatados, doando remédio ou ração, comprando rifas e peças do bazar, divulgando os posts e, claro, oferecendo descontos em tratamentos e em atendimentos, por parte das clínicas veterinárias.
Em maio, a protetora buscou dois cães — Tinga e Una (hoje Chico) — na casa de um acumulador em Brazlândia, provenientes do caso que ficou conhecido como o pior de maus-tratos do DF. Oficialmente, as atividades da Animalis tiveram início aí. Depois, foram mais 22 cães e um gato. Desses, 15 já foram adotados e dois aguardam adoção. "Todos os meus resgatados têm nomes de origem tupi-guarani, para aludir àquilo que temos de mais natural, tentar evocar nossas origens de amor e cuidado para com os animais e a natureza", explica Jana.
E não faltam perrengues, pouco reconhecidos por quem está de fora, que esquece que essas pessoas também trabalham, têm dezenas de compromissos e, ainda assim, arranjam um tempo para se dedicar ao pet em sofrimento. "Ninguém 'vive' de um projeto de resgate de animais. Nenhum de nós, protetores, recebe apoio do governo, seja financeiro, seja de qualquer outra natureza", desabafa.
Mas a motivação continua e não é por acaso. Potira que o diga, pois, resgatada aos três meses em um lixão, a pequena vira-lata passou por poucas e boas e, se não fosse o cuidado e a persistência de Jana, talvez não tivesse resistido e sido adotada. Mesmo com as sequelas da cinomose, deu a volta por cima e, hoje, aos oito meses, nem se lembra do que sofreu. São por histórias como essa — e também como a do Tupã, que se foi de forma digna — que vale a pena continuar.
Parte de uma grande família
Assim como Jana, a administradora Gabriela Abreu teve contato com os pets desde muito cedo. Amizade de longa data. Eis que surgiu a vontade de registrar as histórias e as fotos dos cachorros que já teve ao longo da vida em um perfil no Instagram, o Doguinhos Abreu. Com o tempo, porém, a página transformou-se em um canal para compartilhar os cães resgatados por ela e por outros protetores, contando, atualmente, com mais de quatro mil seguidores.
O primeiro resgate ocorreu há cerca de cinco anos, quando passou de carro por uma área rural e avistou uma cadela presa, amarrada a uma moita, em pleno sol do meio-dia. Incrédula, foi até o local para confirmar se era aquilo mesmo que havia visto. E lá estava a peluda, passando sede, fome, vulnerável, lotada de carrapatos e, claro, assustada. Gabriela a levou para casa. Desde então, foi assim com cerca de 600 outros cães.
Entre histórias marcantes, recorda-se de uma deste ano, na qual recebeu um pedido de ajuda para resgatar um casal de shitzus, cuja tutora iria se mudar de cidade e não poderia levá-los, mas lhe garantiu que estavam em boa saúde e vacinados. A (péssima) surpresa? Os pets eram como reprodutores, recebiam água e ração uma vez por semana e estavam com sérios problemas de saúde, além de serem idosos.
O desafio seria conseguir adotantes para os dois, já que, normalmente, é mais complicado obter adoção para animais idosos. Mas a vida, mais uma vez pregando peças, surpreendeu-lhe. A partir da divulgação da página, uma família se interessou pela dupla e adotou-os em conjunto, arcando com todos os tratamentos. Hoje, são amados e cuidados. É preciso dizer qual a motivação de tamanha dedicação?
"A maior dificuldade é conseguir recursos para poder cuidar de cada resgate que fazemos e para prestar ajuda a outros protetores, além de selecionarmos e termos a certeza de que escolhemos um bom e responsável adotante para aquela vida que salvamos", explica a protetora. Quem quiser contribuir com o projeto pode realizar transferências via pix (doguinhosabreu@gmail.com), fazer doações e engajar os posts do Instagram, para obter maior alcance.
Acolhimento como missão
É na região rural de Planaltina que a vigilante Andréia da Silva toca o projeto Arca de Noé, responsável por acolher animais em situação de maus-tratos e abandono. Com muita dificuldade, ela e sua família cuidam de 302 cães e 110 gatos, entre adultos, idosos, deficientes e filhotes, a partir de resgates iniciados em 2013.
Para Andréia, esse vínculo transcende o que há de comum na relação entre humanos e animais. É como uma missão, na qual sua principal motivação é colocar em prática os ensinamentos de fazer o bem sem olhar a quem. "Meu sentimento ao acolhê-los é de muita satisfação, ainda mais quando conseguimos a vitória completa, que inclui curá-los de quaisquer doenças que tenham, castrá-los, vaciná-los e conseguir um lar responsável para eles", conta.
Quando se recorda dos peludos que já passaram por seu lar, o coração aperta, especialmente, por uma perda: da pitbull Fênix. Resgatada dentro de um saco, com uma sarna gravíssima e o crânio rachado, provavelmente por um machado, a cadela por pouco não foi enterrada viva. Com muita luta, o abrigo conseguiu tratar várias das suas enfermidades. Ela até ficou bem, por um tempo. Mas, portadora de um câncer grave, não resistiu. "No pouco tempo que viveu, só nos ensinou, retribuindo com todo o amor que era possível."
Entre as maiores dificuldades da instituição, estão a falta de infraestrutura e os poucos recursos para custear os gastos necessários. As possibilidades de ajuda são várias, começando por seguir a página no Instagram (@abrigo_arcadnoe). Doação de ração, apadrinhamento de algum animal, contribuição com despesas médicas e veterinárias são também opções.
*Estagiária sob a supervisão de Sibele Negromonte
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