Propagandas de fim de ano, posts nas redes sociais e até filmes e séries acabam criando e reforçando aquele estereótipo de Natal feliz: repleto de familiares, com mesa farta e muitos sorrisos e trocas de presentes. Você pode até não querer estar em família — e está tudo bem! —, mas em algum momento foi questionado sobre a presença dela nesta data.
Isso ocorre porque, segundo a socióloga Fernanda Menezes, o núcleo familiar é muito forte e importante dentro da nossa cultura, então, desde cedo somos socializados de que devemos priorizar essas relações. A partir disso, constrói-se uma ideia, compartilhada no imaginário social, de que datas festivas devem ser comemoradas em família, especialmente o Natal.
Para os que desejam fugir dos modelos tradicionais de comemoração, fica a pressão social e os olhares desconfiados. “Cada pessoa adota diferentes significados para o Natal. Para uns, pode ser um momento compartilhado tradicionalmente entre familiares; para outros, festas mais agitadas entre amigos; e há aqueles que encaram o feriado como um período de introspecção”, reforça a socióloga.
Por isso, nesta edição de Natal, a Revista do Correio conversou com Glaydson, Renan e Ana Lara, que, por motivos diversos, decidiram passar a data de formas diferentes do padrão. Suas histórias mostram que sempre há possibilidades para celebrar e se divertir.
Samba natalino
Nascido em Samambaia, o designer Glaydson Castro conta que a família nunca teve muito apego a tradições, como passar o Natal cercado de um grande número de parentes. “Sempre fui eu, minha mãe, irmãs e poucos agregados”, relembra. E, desde a juventude, ele costumava sair após a ceia para ir à casa de amigos e demais pessoas próximas.
À medida que os anos foram passando, o Natal permaneceu marcado como a data em que ficava com a família escolhida: os amigos. Mesmo depois de se mudar para Florianópolis, em Santa Catarina, Glaydson faz questão de continuar retornando na data para curtir o final do ano.
Como é um grande fã de samba e pagode, nos anos anteriores, o designer frequentou o Samba Urgente Natalino, um especial do grupo de samba que marca presença na cena cultural brasiliense. A melhor parte, para ele, é o reencontro com amigos queridos que ainda moram na capital e, principalmente, com aqueles com quem não mantém tanto contato virtualmente.
Um dos amigos com quem ele se encontra mora em Manchester, na Inglaterra, e também volta à cidade no fim do ano. "É incrível porque, assim que acaba o samba, vamos comer algo e colocar o papo em dia, é o momento que podemos parar e contar a vida", afirma.
Para ele, também é importante fechar o ano perto de pessoas que vibrarão pelas conquistas que ele teve durante o período, sem qualquer tipo de inveja ou ressentimentos. Caso não estivesse em Brasília, conta que teria passado a data com outra família escolhida, uma rede de apoio que construiu na cidade onde mora hoje. "Todo ano eles fazem uma ceia entre amigos, que chamamos dos 'sem família', e, como geralmente não passo a data com eles, sempre colocam uma foto minha nos registros, para me representar", conta.
O carinho é tanto que ele pretende passar a virada do ano com a "família catarinense", pois não abre mão de começar o novo ano com leveza e cercado de pessoas que tornam a vida melhor. Para o ano que se aproxima, Glaydson pretende continuar trabalhando em si, com os pés no chão e crescendo ainda mais profissionalmente, principalmente após passar por seu melhor ano profissional até então.
Família que a gente escolhe
Na infância, o Natal sempre aparenta ser mais leve, com aquela magia que os comerciais de fim de ano costumam passar — brincadeiras, reencontros e, claro, presentes. Para o RH business partner Renan Paiva, 29 anos, entretanto, havia ali um outro lado, digamos, estranho, naquelas festividades em família. Como a maior parte dos parentes se encontravam apenas para tal ocasião, a pouco intimidade tornava o clima desconfortável. Sentia-se deslocado.
A partir dos 13 anos, começou, então, a organizar, entre amigos, reuniões pós-ceia em família. Aos 18, as festividades começaram a ser organizadas pelo próprio grupo, que já não comparecia às comemorações familiares. Comidas e bebidas divididas entre cada um, local escolhido, hora de celebrar!
A ideia era fazer do momento algo descontraído, com colegas que saíram da família de sangue e foram para a que puderam escolher. E assim continuam fazendo. Tal preferência se dá, pois os amigos são, para ele, o grupo que lhe acolhe, com pessoas que conhece verdadeiramente e gosta. “Se antes o significado era apenas união, hoje é, também e mais ainda, encontro”, explica.
Desde o falecimento da avó, em 2019, não passou mais nenhuma comemoração com a família — antes, até comparecia ao local da celebração, dava um abraço e partia. Foi necessário, nesse trajeto, ressignificar muitos sentimentos, dado que se sentia culpado por não estar com os parentes mais próximos em uma data tão importante.
Isso se dá pois ainda existe, para ele, muita cobrança em ter que passar o Natal com a família de sangue, principalmente por estarmos em um país bastante cristão. “Desde pequeno eu me questionava: ‘ué, por que preciso passar esse momento especial com pessoas que pouco vejo durante a maior parte do ano?’. Para ser sincero, não sinto muita falta. Em família, até havia diversão, mas eu me sentia entre estranhos”, recorda.
Para o Natal deste ano, festejou na companhia da namorada e de três amigos queridos, que são irmãos, e o convidaram para celebrar com o restante da família. Caso não fosse passar na companhia dos colegas, celebraria com a irmã ou ficaria em casa sozinho mesmo, o que para ele não é um problema nem motivo de tristeza, visto que já passou anos anteriores assim. Réveillon sempre entre amigos e com muita alegria!
Saiba Mais
Emoções à flor da pele
Dezembro dá as caras e traz aquele misto de sentimentos — cansaço e expectativa para as festividades de fim de ano. Nas redes, não são poucos os memes que brincam com as inconveniências tão comuns às ceias de Natal em família. Mas, se para alguns, são apenas momentos pontuais e pouco levados a sério; para outros, tais comemorações podem motivar conflitos ou até gatilhos mais profundos.
A psicóloga Luisa Magalhães, experiente em psicoterapia conjugal e familiar, explica que este período costuma carregar as frustrações e o esgotamento vinculados às vivências do ano que está sendo finalizado, acúmulo que pode resultar em certo nível de sofrimento psíquico. Além disso, principalmente no Natal, algumas questões referentes à dinâmica familiar podem vir à tona, tanto positivamente quanto negativamente.
“O primeiro e mais importante passo é compreender os sentimentos despertados por esses eventos. Somente por meio do autoconhecimento será possível planejar uma alternativa adequada para o contexto pessoal de quem se sentir assim. Ao planejar as comemorações de final de ano, é fundamental buscar uma situação em que seja mais agradável de se estar, considerando as dificuldades particulares enfrentadas nessas circunstâncias”, completa.
Daí a necessidade de ponderar as vontades pessoais de todos os envolvidos na comemoração, para além da pressão social de passar as festividades com o núcleo familiar. Isso porque quando se trata de famílias com histórico de violência e/ou abusos, é recomendado que não ocorra a exposição das vítimas aos agressores/abusadores.
De forma semelhante, nas circunstâncias aversivas as quais não é possível escolher outro cenário, sugere-se que, quando possível, haja a comunicação entre os familiares a respeito dos desconfortos de forma prévia, de modo a evitar situações desagradáveis durante os eventos. Caso não seja possível promover um diálogo prévio, é essencial que as pessoas afetadas negativamente por esses acontecimentos tenham outras relações seguras, inclusive terapêuticas, com quem possam contar após a exposição a esse tipo de situação.
Festividade atípica
Embora para muitos passar as datas festivas longe da família possa ser uma escolha, para outras pode ser uma situação além de seu controle. É o caso da estudante de medicina veterinária Ana Lara Ribeiro, que, com 21 anos, terá o primeiro Natal longe da família. Geralmente o que marca a data é a grande ceia, as reuniões de parentes distantes, amigo oculto e outras brincadeiras, mas, por sua mãe ter se mudado de cidade, será diferente.
Com a responsabilidade de estagiar em uma clínica veterinária, não poderá viajar até a casa da família para passar a comemoração tradicional. Por isso, foi convidada por diversas amigas para não ficar sozinha. Uma delas, a Giovanna, Ana Lara conhece desde a infância. "Nós nos conhecemos na escola e somos praticamente irmãs", conta.
Além dos amigos que a convidaram para comemorar o dia, tem um tio na cidade, com quem acredita que passará uma parte da comemoração. Apesar disso, Ana reconhece que não é o mesmo sem a família completa. Morando sozinha, não fez decoração de Natal nem grandes planos, e relata que o sentimento é um pouco ruim, pois acredita que existe uma construção social que indica que o certo seria passar exclusivamente com a família.
E, mesmo com uma celebração que foge do padrão dos anos anteriores, guarda com muito carinho as memórias de cada data que viveu. A estudante sabe que, apesar de ser o primeiro Natal sozinha, pode não ser o último, e é grata por cada oportunidade que teve ao lado de pessoas queridas.
Já no ano-novo, o cenário e o dilema mudam. Há muitos anos, Ana Lara tem o costume de passar a virada com os amigos. Para ela, é uma data que gera menos ansiedade e que, no geral, é mais tranquila. Mesmo sem grandes planos delimitados, não é uma preocupação no momento, pois acredita que surgirão opções e sabe quem são as pessoas com quem quer passar.
*Estagiárias sob a supervisão de Sibele Negromonte
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