Festas, mesas fartas, trocas de presentes, decoração iluminada, abraços com felicitações. Esse é o clima predominante nesta época do ano, em que se celebra o Natal. Grande parte adora esses rituais de comemoração, mas está longe de ser unanimidade. Se você pertence ao grupo que não gosta de nada disso, talvez tenha a “síndrome de Grinch”. Batizada com o nome do personagem de ficção que faz de tudo para fugir das festividades de fim de ano, a característica — mais comum do que se imagina — desperta emoções e sentimentos negativos ou mesmo de descaso quando o período se aproxima. Mas a notícia boa é que você não precisa se sentir culpado por isso.
A psicóloga Ana Paula Irias não considera um transtorno, mas, sim, um fenômeno. “Talvez a psicanálise a analise por outra perspectiva. Eu atuo com fenomenologia e vejo como uma disfunção sazonal que, provavelmente, está relacionada a experiências traumáticas. Mas não devemos generalizar. Há quem simplesmente não se identifique, pelo fato de o período ser um tanto caótico — devido ao congestionamento social, coisas mais caras, funcionamento reduzido de serviços básicos. Então, se a pessoa não tem uma relação com a crença ou a simbologia da data, não vai gostar. E a postura delas com relação a isso não traz sofrimento ou angústia”, diagnostica.
Modo automático
Para Armando Borges, 36 anos, coordenador de marketing, o problema das comemorações natalinas é que “tudo tem que...” “Tem que ter fome na hora certa, tem que cumprimentar na hora certa, despedir na hora certa, conversar na hora certa. Tudo muito protocolar e nada espontâneo”, reclama. Ele cita situações que pioram o cenário, como a velha discussão das passas no arroz, que sempre divide opiniões entre os convidados. “Acho que tem o mesmo grau de chatice da piada do pavê. Nenhum dos dois é engraçado mais”, comenta.
Armando conta que, na infância, “até que era mais legal”, ainda que de forma superficial. Mas, no seu caso, existia uma culpa interna por causa do irmão, que nasceu no dia 24. “Eu me sentia culpado por comemorar o nascimento de Jesus, enquanto era aniversário do meu irmão e, no fundo, ninguém nem tchum para o coitado”, lembra, hoje se divertindo. Até porque, segundo ele, com o tempo, a família foi diminuindo, e as noites natalinas se resumiram a três pessoas: ele, a mãe e um tio. “Daí, não tem pressão. A gente aproveita para sentar nos bares ao longo do dia e, à noite, acabamos preparando um jantar, que é meio tira-gosto e acaba sendo bem etílico”, relata.
Mas Armando deixa claro que não existe nada de tristeza nem ódio envolvidos. “A melhor parte é sempre a música, umas coisas saudosistas que a gente ouve quando está meio bêbado. Rolam uns Elvis Presley, uns Stones, Gal...”, enumera, ressaltando que o clima é sempre de descontração e alegria. “No dia seguinte, a gente cura a ressaca rebatendo em casa também. Esse é meio que o ritual do almoço de Natal. Muito mais sobre culinária do que aniversário de Jesus.”
O fator obrigação também afastou a professora Marina Marinho, 30 anos, do prazer de celebrar o Natal. “Fui desencantando conforme fui crescendo. Acho que entra no automático, sabe? Por ser tradição, as pessoas parecem que perdem a emoção. Tem que ser do mesmo jeito, com a mesma cara, mesmo ritmo sempre e, se brigou, tem que fazer as pazes pra hora da ceia”, lamenta.
Depois que se casou, Marina se sentiu livre para abandonar a tradição. No máximo, ela e o marido recebiam a mãe ou a sogra para jantar ou iam até a casa de uma delas, e voltavam cedo. Entretanto, depois da maternidade, retomou a comemoração no lar por causa do filho. “Aí mudamos um pouco o ritual, mas sem trazer aquele peso de celebração natalina: fazemos uma janta e abrimos os presentes no dia 25. Acabo montando a árvore também, mas só por causa dele mesmo.”
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Seria cômico, se não fosse trágico
Imaginem a cena. A família está reunida para a ceia de Natal. Uma das crianças ganha o videogame da moda e chama o primo da mesma idade para estrearem. O irmãozinho, de 2 anos, quer entrar no quarto, mas o mais velho não quer deixar e, na tentativa de impedi-lo, fecha a porta, pressionando a ponta do seu dedo. Desespero total: o pai enfia o dedo ensanguentado da criança no plástico onde o peru natalino está sendo temperado e correm todos para o Hospital de Base.
O estudante de direito Geovanni Zanani, hoje com 25 anos, diverte-se com a história. "Sem querer, eu fui o Grinch, acabando com o Natal de todo mundo", revela, aos risos. O irmão mais velho, Bruno Zanani, 35, lamenta o ocorrido, mas não carrega culpa por ter atrapalhado a ceia familiar. Após o episódio, porém, o advogado e empresário começou a desencantar com as celebrações na data. "Quando eu era criança, o Natal já não tinha aquela magia do Papai Noel e dos presentes. Era só uma obrigação de visitar pessoas que eu mal conhecia, uma coisa bem aleatória, como o médico que fez meu parto, a ex-sogra da minha tia, um amigo de não sei de onde...", relembra.
A irmã do meio, Lorena Zanani, 30, professora de espanhol, também não é fã da comemoração. Por ela, faria uma viagem na data. "Uma vez, quase fui para Madri. Saiu na internet uma promoção de passagem e eu quase comprei, mas pensei na minha mãe, que sempre fez questão de reunir a família", observa.
Neste ano, os três irmãos vão passar a data separados, pela segunda vez consecutiva. Eles reforçam que as celebrações natalinas eram mais um rito coordenado pela mãe, Maria Cristina, falecida em 2021 em decorrência da covid-19. Embora também não gostasse do Natal, ela aproveitava a ocasião para se reunir com a família, de ascendência italiana, em um jantar regado a massas.
Antes da ceia “desconstruída”, entretanto, durante 16 anos, cumpria a promessa que fez quando o filho caçula quase perdeu o dedo. Impactada com o número de crianças que estavam internadas no Hospital de Base naquela fatídica noite festiva, decidiu que, todo ano, até que Geovanni atingisse a maioridade, visitaria a ala infantil do hospital para levar presentes e um pouco de alegria aos menores internados. O rapaz se lembra com carinho e respeito do gesto da mãe. “Ainda pretendo cumprir a promessa que fiz a ela de, um dia, retomar essa tradição. Pode ser uma forma de enxergar beleza na data”, avisa.
A psicóloga Ana Paula Irias ressalta que talvez muitas pessoas não se familiarizem com o Natal devido às vulnerabilidades sociais e financeiras. “Entendendo a simbologia da data, acredito que, mesmo quem não escolhe comemorar, acaba refletindo sobre comunhão e caridade”, avalia. Para ela, não gostar e não se identificar é normal e aceitável: o que traz esse desconforto é o sentimento de não pertencimento, de não adequação. “O que eu oriento é trabalhar esse sentimento de forma individual, entender que as pessoas são diferentes, que as prioridades podem ser outras e que não é preciso pertencer a todos os grupos. A melhor opção é sempre se escolher e não se colocar em situações que podem trazer sofrimento e demanda posteriores”, conclui a especialista.
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