Então, é Natal! E o que você fez? E o que eu fiz? E o que nós fizemos? Calma, a letra da música não está errada. Em finais de ano, é natural refletir sobre os objetivos cumpridos e aqueles que ainda demandam planejamento. Coletivamente, examina-se o cenário social com desconfiança e sede de melhoras. Afinal, problemas não faltam. E, de novo, o que você fez — e o que pode fazer?
Diferentemente dos demais períodos do ano, nos quais ocorrem campanhas diversas, como doação de agasalhos, no frio, e de brinquedos, em outubro, neste mês, é esperado que as pessoas se sensibilizem mais com situações de vulnerabilidade. Isso ocorre porque, mesmo para ateus, agnósticos ou adeptos de outras tradições espirituais, o Natal é umas das festas mais importantes da cultura ocidental cristã e influencia comportamentos individuais e coletivos.
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"O nascimento de Jesus pobre numa manjedoura propicia a identificação da sagrada família com os mais carentes e necessitados, ao tempo em que comunica motivo de grande alegria e comemoração. Assim, culturalmente, espera-se que os sujeitos possam celebrar essa festa tão importante em família e que todos possam ter o mínimo para fazê-lo", explica o psiquiatra e professor da Universidade de Brasília (UnB) Gabriel Graça de Oliveira.
Pensando nisso, a Revista do Correio conversou com Isabelle, Alana e Victor, que, por conta própria, mobilizam a família e os amigos a levarem um pouco de prosperidade a quem, muitas vezes, sequer tem um teto. Apesar de atuarem em locais e com dinâmicas distintas, os voluntários têm em comum a satisfação em poder ajudar, aquela empatia que muda perspectivas sociais e pessoais.
"Fazer o bem sem olhar a quem"
O ditado popular que versa sobre caridade só fez sentido para a estudante Isabelle Ribeiro, 33 anos, quando, nas noites geladas de junho de 2017, lhe veio a preocupação: "Se com duas cobertas e debaixo de um teto, eu não estou aguentando esse frio, quem dirá aqueles que sequer têm comida. Preciso fazer algo". E fez.
No dia seguinte, compartilhou a ideia com a mãe e iniciaram a arrecadação de agasalhos entre familiares e amigos. Juntas a um pequeno grupo de uma igreja, fizeram a primeira distribuição nas ruas do Sol Nascente, onde reside. Para quem recebeu as doações, ficou o sentimento de gratidão; para Isabelle, o entusiasmo em querer ajudar mais.
Desde então, já realizou cerca de 100 ações solidárias, em diversos locais do DF, e com a participação de cinco a 15 voluntários. O público majoritário do projeto compreende crianças, famílias carentes e pessoas em situação de rua. Nesse período, também colecionou histórias marcantes. Entre elas, a ocasião em que decidiram fazer a primeira ceia de Natal solidária, visando distribuir a mesma comida que comeriam às comunidades de baixa renda.
Ao realizarem as entregas, foram convidados a se sentarem e a jantarem juntos. "Sentamos, jantamos, conversamos e rimos. Um menino chegou até mim e disse: 'tia, a janta está deliciosa, eu pedi tanto a Deus pra comer a comida de Natal hoje. Ele me ouviu e mandou vocês'. Foi de fato um Natal diferente", recorda-se, com emoção.
Este ano, receberam 91 cartinhas com pedidos especiais e pretendem atender a mais de 150 crianças do Sol Nascente. A meta é conseguir, no mínimo, 50 cestas básicas e panetones para as famílias, além de brinquedos para os pequenos. Depois, distribuir as marmitas com ceia para pessoas em situação de rua. O projeto é aberto a todos que quiserem participar ou conhecer, basta entrar em contato pelo Instagram: @projetoajudemaisum.
Questionada acerca do sentimento em poder acolher esses grupos, a estudante é enfática: "É gratificante poder ajudar o próximo, isso nos enche de alegria. As nossas ações são simples e pequenas, mas regadas de amor. Quem recebe se sente abraçado, acolhido, amado e, principalmente, percebe que não é invisível. Daí a importância do nosso trabalho", finaliza.
"A palavra convence, mas o exemplo arrasta"
Nascer em berço espírita, cuja máxima é que "fora da caridade não há salvação", foi uma das razões que motivaram a professora Alana Luz, 30 anos, a se engajar nas ações solidárias. Para ela, inclusive, a caridade não se resume à doação de itens materiais, mas também contempla a tolerância, a compaixão, a empatia, o amor e a fraternidade perante ao próximo.
Além disso, a origem humilde dos pais — especialmente do pai, que cresceu em um lar de crianças —contemplou as iniciativas sociais da família, iniciadas quando ainda era pequena. "Vejo que meu pai é muito grato por tudo o que teve neste lar, e entende que grande parte disso foi proporcionado a partir de doações. Então, até como forma de gratidão, ele se sente impelido ao trabalho e é o mais comprometido com essa ação", explica.
Dele, recebeu o ensinamento de que tais atitudes não se tratam de um trabalho voluntário, mas, sim obrigatório, afinal, "se você pode ajudar alguém, mesmo com pouco, para mim, não é uma opção e, sim, um dever", reforça. Para os três filhos, passou a mesma lição, considerada essencial para construir o caráter dos pequenos, visto que, além de sentirem o quanto é bom fazerem o bem, aprendem a valorizar os recursos que possuem, percebendo os próprios privilégios e aprendendo a dividir. "A palavra convence, mas o exemplo arrasta", lembra.
Segundo Alana, o sentimento de ajudar é mais satisfatório do que o de ser ajudado. Isso porque sentir-se útil é, para ela, curador e engrandecedor. Nas ações, comumente realizadas em Planaltina, do DF e de Goiás, além de levarem os recursos materiais, buscam escutar com sensibilidade os dramas compartilhados pelas famílias em vulnerabilidade e oferecem, muitas vezes, preces.
Entre episódios marcantes, recorda-se de escutar de uma garotinha, presenteada com uma boneca, que aquele era o melhor presente que já havia ganhado na vida. A professora ganhou um sorriso sincero. Para que mais? "Temos que lutar por políticas públicas mais igualitárias, sim, mas, mais do que isso, devemos fazer nossa parte sempre que tivermos a oportunidade, e ela está aí, batendo à nossa porta a todo o momento, só basta que tenhamos olhos para ver", diz.
As cestas e brinquedos arrecadados, entre familiares e amigos, são distribuídos em comunidades de baixa renda. Os pais, a irmã, o cunhado, o marido e os filhos sempre estão presentes, mas a ideia é divulgar e convidar quem queira e esteja disposto a ajudar, como já ocorreu com seus vizinhos. Para este ano, o objetivo é continuar as ações, entregando amor e recursos e recebendo gratidão.
"É preciso usar os privilégios para tornar o mundo melhor"
O professor e personal trainer Victor Preto, 32 anos, sempre teve o desejo de ajudar pessoas que não têm onde morar nem o que comer. Com a família natural do Rio de Janeiro, viu de perto e muito frequentemente essas situações, em especial, envolvendo crianças. "Me dói vermos, a cada ano, crianças pedindo dinheiro junto aos pais na rua, sendo que deveriam estar estudando ou brincando. Vi que algo precisava mudar e pensei 'por que não sair de mim essa iniciativa?'", relata.
As ações são realizadas há três anos e a divulgação ocorre por vídeos em suas redes sociais. Funcionam com doações de roupas, brinquedos, artigos higiênicos, como absorventes, e cestas básicas. Há a possibilidade de ajudar via transferência bancária também. E, como de praxe, cada entrega é marcante. No ano passado, por exemplo, entregou uma cesta a um guardador de carros que lhe pediu apenas uma moeda. Recebeu, em troca, lágrimas e o relato de que o trabalhador estava desde cedo contando moedas para dar o que comer à família na noite de Natal.
"É preciso usar os nossos privilégios para tentar tornar o mundo um pouco melhor. É preciso ser minimamente humano com o próximo", frisa. Para ele, é triste que muitas pessoas queiram ajudar, mas nunca nas entregas. O professor considera primordial ver o público recebendo as doações e percebendo que não são invisíveis; "há quem se importe com elas", completa.
Até o dia 22, Victor estará recolhendo mantimentos, roupas, brinquedos e dinheiro, para, até antes do Natal, tentar entregar ao maior número de pessoas possível. Como toda ajuda é sempre bem-vida, aos que desejarem contribuir, é possível contatar o professor pelo Instagram @victorpreto.
Empatia faz bem para todos
Conforme explica o professor e psiquiatra Gabriel Graça de Oliveira, sentir empatia e solidariamente ajudar o próximo evoca sentimentos de prazer, paz e conexão. O comportamento altruísta parece reforçar os vínculos interpessoais em quem ajuda e é ajudado por sentimentos de segurança afetiva."Envolver as crianças em atividades voltadas para o auxílio aos mais vulneráveis é promover a empatia e as estruturas cerebrais associadas a ela", explica. Ademais, pessoas mais empáticas tendem a ser menos ansiosas, a serem mentalmente mais saudáveis e a formar vínculos afetivos mais duradouros.
*Estagiária sob a supervisão de Sibele Negromonte
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