O reconhecimento de odores específicos exalados por pessoas que sofrem de uma determinada doença é descrito desde a época de Hipócrates na Grécia antiga. Eu mesmo tive a sorte e a honra de ter sido aluno na graduação em medicina, na UnB, do incrível sir Philip Davis Marsden e, na beira do leito, ele me pedia para cheirar os pacientes e dar minha impressão. E o sir aqui é sir mesmo: Cavaleiro de sua Majestade, honraria concedida pela rainha da Inglaterra pelo conjunto de sua obra. Condições clínicas como diabetes descompensado, insuficiência renal ou hepática não eram difíceis de serem identificados pelo cheiro, mas muitos diagnósticos, especialmente os infecciosos, só mesmo o sir Philip Marsden e, muito provavelmente, os cães. Cães?
Cães treinados para identificação de odores exalados por indivíduos nas fases precoces de doenças têm mostrado resultados positivos em alguns tipos de câncer. O exame de sangue oculto nas fezes é capaz de detectar câncer colorretal em 44% dos pacientes, mas os cães o detectam pelo cheiro da respiração do paciente em 91% dos casos. Componentes voláteis numa série de doenças têm sido isolados e, no futuro, “narizes eletrônicos” poderão fazer parte dos checapes médicos. O interessante é que esses narizes eletrônicos não chegaram perto ainda da sensibilidade do olfato canino. Enquanto a tecnologia só funciona com uma concentração mínima de componentes voláteis da ordem de 100 a 400, os cães só precisam de 0.001.
E os cães não param de marcar golaços. Recentemente, a revista Scientific Reports publicou os resultados de uma pesquisa que mostrou que cães treinados a sentir o odor de pacientes com epilepsia são capazes de identificar o cheiro de crise em outros portadores de epilepsia totalmente novos para os cães. E essa capacidade de identificação foi demostrada em nada mais, nada menos, que 100% dos cães envolvidos no estudo. Dentre os estudos de identificação de doenças por cães, esse foi o que teve resultados mais espetaculares.
A pesquisa não foi feita para demonstrar antecipação de crises, mas menores já demonstraram essa capacidade dos cães, não só em crises epilépticas como também na enxaqueca. O fato é que os resultados deixam claro que existe, sim, um odor característico associado a crises epilépticas e novos estudos serão feitos para identificar que componente é esse e se os cães são capazes de percebê-los antes das crises se instalarem.
Há poucos meses foi demonstrado que os cães são capazes de identificar o estresse vivido por voluntários ao resolver problemas aritméticos! Aqueles que relataram desconforto durante a atividade e alterações na frequência cardíaca e respiratória foram facilmente identificados pelos cães em 94% das vezes. Eles conseguiam separar com esse nível de acerto amostras de suor e da respiração após a situação de estresse e em momentos de relaxamento no mesmo indivíduo. Isso pode ter aplicação prática no treinamento de cães para o tratamento de indivíduos com ansiedade e estresse pós-traumático, por exemplo.
*Dr. Ricardo Teixeira é neurologista e diretor clínico do Instituto do Cérebro de Brasília
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