Jornal Correio Braziliense

Especial

Presente que veio do céu

O gato Chuvisco não recebeu esse nome por acaso. Como chuvas de verão, que chegam de repente, ele caiu do telhado, inesperadamente, para ganhar uma nova vida na família da auxiliar administrativa Cleidiane Silva Soares, 38 anos. A adoção do felino, ainda filhote e indefeso, foi motivo de insistência dos pequenos Rafael, 5 anos, e Clarice Silva Soares, 10.

A resistência da mãe em pegar um pet para cuidar se deu pela experiência passada, com a cadela Malu, que, há cinco anos, fugiu ao ser adotada, não deixando qualquer rastro aos tutores. Com Chuvisco seria diferente, garantiram as crianças.

Para elas, então, Cleidiane destinou funções: colocar comida e água para o peludo todos os dias, limpar sua caixa de areia e cuidar do cantinho em que dorme. O apego foi tanto que quando Rafael está com o felino no colo, Clarice sente ciúmes e vice-versa. "Apesar dos conflitos, é maravilhoso ver o carinho e cuidado da criançada com ele, que faz festa quando chegamos em casa."

No quintal, não falta diversão. Em um carro de brinquedo com uma cordinha, gostam de colocá-lo para "passear", além dos passatempos com bolas de papel e brinquedos com barulho. Para o caçula, o gato é seu "amigãozão".

Mesmo sem a intenção de adotar outro pet posteriormente, a tutora reconhece os benefícios dessa amizade, dado que tem percebido os pequenos mais responsáveis com suas respectivas obrigações. "É lindo ver o afeto que têm construído nos últimos meses, fico orgulhosa", conclui.

Respeito aos peludos

A fim de que as crianças tenham uma interação saudável com seus animais, é preciso que os pais conheçam bem a raça, o tamanho e a espécie, antes de adquiri-los, para orientarem da melhor forma. No caso de cães e gatos, os adultos devem ensinar sobre limites e responsabilidades, como evitar puxões de orelha, de cauda e de pelo; oferecer carinho quando o bichano se sentir à vontade; e ensinar que eles gostam de ter espaço e que nem todo pet gosta de colo e abraço.

Vale lembrar que existem animais que se sentem ameaçados ou estressados com os pequenos. Nestas situações, eles demonstrarão insegurança de inúmeras formas (colocar a cauda entre as pernas, desviar o olhar, abaixar a orelha, bocejar constante, procurar local para fuga, sentir tremores etc), então, esteja atento aos sinais e realize essa interação com cautela.

Bebê a caminho, o que fazer?

Os principais cuidados em relação ao contato inicial dos bebês com os bichinhos estão relacionados à higiene. Dessa forma, os pets devem estar com as vacinas em dia, vermifugados e com boa saúde para não transmitirem doenças aos pequenos.

A veterinária Bianca Lemos sugere alguns passos para estreitar esse laço, com cautela: "Primeiro, ofereça ao animal um tecido que tenha o cheiro do bebê, para que ele se familiarize com o odor. No momento da apresentação, é importante o cão estar na guia, pois em alguns casos eles podem ficar agitados e desta forma temos mais controle".

Além disso, recompense-o quando ficar tranquilo ao conhecer o irmão caçula, de forma que ele compreenda a maneira correta de se aproximar do recém-nascido. No caso dos felinos, é válido não forçar uma interação de imediato. "Deixe o gatinho se aproximar no seu tempo e no seu ritmo", completa.

De toda maneira, o indispensável é a supervisão dos adultos nesse primeiro contato, inclusive, quando o pet for o novato da casa. Isso porque não se sabe exatamente qual será sua reação — alguns podem ter ciúmes e outros não gostar do entusiasmo que as crianças demonstram seu carinho.

Papel de irmão mais novo

"Snoopy foi o melhor presente que pude ganhar dos meus pais." Assim a estudante Laura Bouéri, 19 anos, resume, com emoção, a relação com seu yorkshire, em uma parceria que já dura 13 anos. Desde que chegou em sua vida, em 2008, o cão exerce quase um papel de irmão mais novo, já que cresceram juntos.

Inteligente e animado, Snoo, como é chamado, surpreende a todos por não aparentar a idade que tem. A passagem do tempo, no entanto, foi a responsável pela percepção de suas manias por parte da tutora. O peludo responde às perguntas direcionadas a ele, sente ciúmes quando os donos se abraçam, fica para baixo quando alguém adoece e não se acanha em bater com a pata nos celulares para chamar a atenção no momento em que a fome aperta.

Na infância, vários pediatras garantiram a Laura que o cão lhe ajudou a criar imunidade a alergias e, para além da saúde física, é ele quem — literalmente — seca suas lágrimas, com lambidas, e fica ao seu lado nos dias mais difíceis. Enquanto a jovem o ensinou a pular, a jogar bola, a brincar de balão e a fazer xixi no local correto, o yorkshire lhe mostrou o valor da confidência, do amor, da fidelidade e da pureza.

"Como uma pessoa ansiosa, meu coração aperta a cada aniversário dele, mas me acalma ouvir dos veterinários que toda a experiência de vida e a saúde que o dei fará com que ele viva mais uns bons anos", conta, alegremente. Em seus estudos para o vestibular, mais uma atribuição para Snoopy: ser suporte emocional. No seu Instagram, o @ai_papelarizei, o pet é conhecido como sua grande motivação e vez ou outra aparece para "levar um pouco de fofura para os vestibulandos".

"Fico emocionada sempre que faço algo em sua homenagem, porque acredito que Snoo foi um anjo enviado para acalmar meu coração e cuidar de mim", frisa. Dessa vez, a demonstração de gratidão da tutora está marcada na pele, com uma tatuagem da patinha do peludo. "Para sempre ao meu lado", reforça.

A hora da despedida

Lidar com a perda de um animal querido é difícil até mesmo para os adultos. Por isso, há de se reconhecer que superar essa dor é algo progressivo. Para os pais, pode ser uma oportunidade de introduzir um assunto tão delicado no universo das crianças. Para os pequenos que ainda não tiveram contato com o luto, é necessário maior cautela.

"Apresentar a situação de forma muito 'crua' pode gerar traumas, então, o ideal é ser o mais lúdico possível", instrui o psicólogo Eduardo de Sousa. O que não significa esconder o acontecimento ou inventar mentiras de que o amigo fugiu, por exemplo.

"Lambeijos" para todas as crianças

Para os pequenos atípicos, o amigo de quatro patas pode tornar-se um porto seguro, uma vez que os maiores benefícios estão relacionados ao suporte emocional. Dessa forma, eles se sentem mais confortáveis em espaços novos e em atividades diferentes, além de se perceberem protegidos, por terem sempre alguém conhecido ao seu lado.

"O olhar sem julgamento dos animais é, sem dúvidas, um dos maiores ganhos para essas crianças. Mas como os primeiros contatos devem ocorrer? Lenta e pacientemente, com tentativas de estímulos sensoriais, por exemplo. Na equoterapia, é comum que haja, de início, aversão. Aos poucos, com adaptação, elas começam a levar alimentos para os cavalos, a pedir para escová-los; é gradativo", reforça o psicólogo Eduardo de Sousa.

E quanto a crianças alérgicas, é possível adaptar a convivência? A pediatra Ana Clara Borges garante que sim! Na maioria dos casos, somente cuidados ambientais, como controle de acúmulo de poeira e atenção ao pelo dos pets, já são suficientes para um bom convívio.

"Quando essa prevenção não é suficiente, podemos contar com a imunoterapia, que visa dessensibilizar o organismo, fazendo com a criança diminua de maneira mais definitiva sua alergia. Os peludos são membros da família, muitas vezes chegaram antes mesmo dos pequenos, então, simplesmente falarmos para se desfazerem dos bichinhos é uma maldade", pontua.

 

Arquivo pessoal - Rafael e Clarice com o pequeno Chuvisco, um amigo fiel
Fotos: Arquivo pessoal - A dupla de amigos hoje