Em algum momento, você certamente apegou-se a um animal, mesmo àqueles da ficção. Afinal, eles estão em todos os lugares — se não na sua casa, no lar de algum familiar ou no jardim do vizinho. Na tevê, ao menos três gerações assistiram a desenhos nos quais os bichos eram protagonistas, sem contar os inúmeros filmes da Sessão da Tarde em que eram o braço direito do personagem principal. Scooby-Doo, 101 Dálmatas, Procurando Nemo, Beethoven e Marley & Eu são apenas alguns exemplos.
Na vida real, muitos tutores vivenciam a força dessa amizade e, quando crianças, os benefícios multiplicam-se. Pensando nisso, a Revista conversou com tutores que têm histórias bastante especiais com seus amigos de quatro patas, daquelas de encher o peito de satisfação. E mais: preparamos o guia da adoção, para os pais que ainda sentem receio em juntar criançada e pets. Antes, um spoiler: esse companheirismo, apesar das boas bagunças, pode gerar bons frutos para ambos! Então, por que não tentar?
Afeto com reflexos no futuro
Os felinos, para a jovem Gabriela Matos, 27 anos, têm um ar de mistério que sempre lhe intrigou. Aliado ao fato de serem caseiros e menos enérgicos que os cães, tornaram-se seus animais preferidos, além de fonte de desejo. Em 2005, o sonho começou a se concretizar com a chegada de Pirata, um gato nascido em meio selvagem, conhecido como feral.
"Começou a se concretizar" porque a experiência não foi como o esperado. O peludo não se adaptou ao lar e, ao ser devolvido ao abrigo, fugiu. "Não tínhamos experiência alguma com gatos, na época, e eu o quis justamente por ele não ter um olho e por saber que sua adoção seria pouco considerada por outros tutores", recorda.
Apesar da decepção, não desistiu da ideia e, pouco tempo depois, adotou a persa Samara e a vira-lata Serena, suas parceiras por 17 anos, idade em que, já bastante idosas, se foram. Os aprendizados e a saudade, entretanto, são eternos. Sentimentos como responsabilidade e carinho só cresceram ao longo dos anos de convivência.
Companheiras fiéis, as felinas estavam sempre por perto, na hora de dormir, nos estudos e, claro, nas brincadeiras. Gabriela reconhece, porém, que a maior parte dos cuidados ficavam por conta da mãe, também tutora de outra gata, chamada Sabrina, ainda viva. Já adulta, porém, assumiu mais responsabilidades, dado que as peludas, adoecidas, precisavam de auxílio para quase tudo.
"Aprendi a valorizar amigos que também gostam de animais. Nos melhores e piores momentos da minha infância, elas estiveram lá comigo. E melhor, faziam sempre minha mãe sorrir… isso não tem preço. Aprendi, principalmente, que eles vivem pouco demais para deixarem de existir neste plano sem saber o que é amor", conta.
Talento rentável
Nesse contexto, desenvolveu grande interesse pela geriatria animal e, hoje, além de protetora, empreende em um hotel para gatos, o The Potatos Pet Sitter (@thepotatos_pet), ao lado do sócio e ex-marido. O local, há seis anos destinado a tal função, sempre abriga, no mínimo, 20 felinos, mais os cinco do qual é tutora: Kuriboh, Branquinho, Aurora, Pulga e Vivi.
Para ela, a escolha da profissão está totalmente vinculada a esse afeto que desenvolveu ainda criança. "Fiz daquilo que descobri ser talento algo rentável. Vivo para servir e sirvo para viver por eles", frisa. E, como em todo trabalho, nem tudo são flores, a empreendedora já presenciou situações lamentáveis, nas quais tutores se desfizeram do pet — muitas vezes doente, idoso ou prenhe — abandonando-o em sua casa para adoção, após cinco ou mesmo 10 anos de convivência.
Dentre tantas histórias, prefere lembrar-se das mais alegres, combustíveis para sua atuação. Recorda-se, por exemplo, de um episódio marcante, no qual conheceu um casal que precisava de doação de sangue, do tipo B, bastante raro, para sua gatinha Felv+. No The Potatos Pet Sitter, Gabriela tinha um possível doador. Mediação feita com a tutora do felino, a transfusão ocorreu com sucesso.
"O casal ficou tão agradecido por eu ter ajudado a salvar a vida de sua pequena que me ofereceu uma inesperada recompensa em dinheiro. Depois de tantas despesas com o tratamento, ainda agradeceram dessa forma. Fiquei muito emocionada, pois só queria ajudar. Realmente, quando há amor pelos bichos, há também dedicação e cuidado", finaliza.
Privilégios da boa amizade
A relação entre crianças e animais de estimação tem inúmeros ganhos. Responsabilidade e companheirismo são valores aprendidos mais cedo, enquanto tarefas como dar banho, colocar comida e levar para passear tornam-se parte da rotina dos pequenos, que podem ajudar nos cuidados dos peludos. É o que confirma a pediatra Ana Carla Borges, também alergista e imunologista.
Tal atribuição deve, entretanto, ser feita de forma correta, como adverte o psicólogo e equoterapeuta Eduardo de Sousa. Isso porque a responsabilidade, quando colocada como obrigatoriedade, pode gerar desinteresse e pouca ligação afetiva por parte da criança. Entre os benefícios emocionais, há, ainda, o desenvolvimento da empatia, o contato com estímulos exteriores e a redução da ansiedade.
Ademais, os animais de estimação ensinam a garotada a dividir a atenção dos pais e os brinquedos; além de respeitar limites. "Quanto à saúde, sabemos que aqueles que têm contato desde bebês com os pets possuem menos riscos de se tornarem alérgicos, já que, também, brincam mais ao ar livre, algo extremamente positivo", completa Ana Carla.
Aos bichos, as vantagens são inúmeras. Isso porque, segundo a médica veterinária Bianca Lemos, especialista em comportamento canino, animais que tenham contato com crianças da maneira correta e sejam acostumados com a sua presença desde cedo tendem a ser mais confiantes e tranquilos do que aqueles que não o têm. Por isso, a importância de cães, principalmente, serem socializados ainda jovens com diferentes espécies, barulhos e pessoas.
Qual raça é a ideal?
Mas, afinal, existem espécies ou raças que melhor se adaptam à energia da garotada? Todas têm algo a ensinar, tanto aos pais quanto aos pequenos. No entanto, na hora de escolher um animal de estimação os tutores devem avaliar qual tipo de interação procuram e qual é o estilo de vida da família.
Espécies diferentes agem de forma distinta e têm necessidades díspares. Cães e gatos precisam de maior atenção e interação, gostam de receber carinho, de brincar e de passear. Já um peixe pode estimular a observação, a criatividade, a responsabilidade e demanda menos atenção do que os peludos.
No que tange à idade do pet, é preciso considerar que crianças, normalmente, têm muita energia e gostam de uma interação maior com os animais. Logo, aqueles mais jovens são indicados. Mas atenção: bichos com mais energia, consequentemente, demandam mais passeios longos, exercícios, interação, enriquecimento ambiental etc. Assim, vale escolher com responsabilidade.
Presente que veio do céu
O gato Chuvisco não recebeu esse nome por acaso. Como chuvas de verão, que chegam de repente, ele caiu do telhado, inesperadamente, para ganhar uma nova vida na família da auxiliar administrativa Cleidiane Silva Soares, 38 anos. A adoção do felino, ainda filhote e indefeso, foi motivo de insistência dos pequenos Rafael, 5 anos, e Clarice Silva Soares, 10.
A resistência da mãe em pegar um pet para cuidar se deu pela experiência passada, com a cadela Malu, que, há cinco anos, fugiu ao ser adotada, não deixando qualquer rastro aos tutores. Com Chuvisco seria diferente, garantiram as crianças.
Para elas, então, Cleidiane destinou funções: colocar comida e água para o peludo todos os dias, limpar sua caixa de areia e cuidar do cantinho em que dorme. O apego foi tanto que quando Rafael está com o felino no colo, Clarice sente ciúmes e vice-versa. "Apesar dos conflitos, é maravilhoso ver o carinho e cuidado da criançada com ele, que faz festa quando chegamos em casa."
No quintal, não falta diversão. Em um carro de brinquedo com uma cordinha, gostam de colocá-lo para "passear", além dos passatempos com bolas de papel e brinquedos com barulho. Para o caçula, o gato é seu "amigãozão".
Mesmo sem a intenção de adotar outro pet posteriormente, a tutora reconhece os benefícios dessa amizade, dado que tem percebido os pequenos mais responsáveis com suas respectivas obrigações. "É lindo ver o afeto que têm construído nos últimos meses, fico orgulhosa", conclui.
Respeito aos peludos
A fim de que as crianças tenham uma interação saudável com seus animais, é preciso que os pais conheçam bem a raça, o tamanho e a espécie, antes de adquiri-los, para orientarem da melhor forma. No caso de cães e gatos, os adultos devem ensinar sobre limites e responsabilidades, como evitar puxões de orelha, de cauda e de pelo; oferecer carinho quando o bichano se sentir à vontade; e ensinar que eles gostam de ter espaço e que nem todo pet gosta de colo e abraço.
Vale lembrar que existem animais que se sentem ameaçados ou estressados com os pequenos. Nestas situações, eles demonstrarão insegurança de inúmeras formas (colocar a cauda entre as pernas, desviar o olhar, abaixar a orelha, bocejar constante, procurar local para fuga, sentir tremores etc), então, esteja atento aos sinais e realize essa interação com cautela.
Bebê a caminho, o que fazer?
Os principais cuidados em relação ao contato inicial dos bebês com os bichinhos estão relacionados à higiene. Dessa forma, os pets devem estar com as vacinas em dia, vermifugados e com boa saúde para não transmitirem doenças aos pequenos.
A veterinária Bianca Lemos sugere alguns passos para estreitar esse laço, com cautela: "Primeiro, ofereça ao animal um tecido que tenha o cheiro do bebê, para que ele se familiarize com o odor. No momento da apresentação, é importante o cão estar na guia, pois em alguns casos eles podem ficar agitados e desta forma temos mais controle".
Além disso, recompense-o quando ficar tranquilo ao conhecer o irmão caçula, de forma que ele compreenda a maneira correta de se aproximar do recém-nascido. No caso dos felinos, é válido não forçar uma interação de imediato. "Deixe o gatinho se aproximar no seu tempo e no seu ritmo", completa.
De toda maneira, o indispensável é a supervisão dos adultos nesse primeiro contato, inclusive, quando o pet for o novato da casa. Isso porque não se sabe exatamente qual será sua reação — alguns podem ter ciúmes e outros não gostar do entusiasmo que as crianças demonstram seu carinho.
Papel de irmão mais novo
"Snoopy foi o melhor presente que pude ganhar dos meus pais." Assim a estudante Laura Bouéri, 19 anos, resume, com emoção, a relação com seu yorkshire, em uma parceria que já dura 13 anos. Desde que chegou em sua vida, em 2008, o cão exerce quase um papel de irmão mais novo, já que cresceram juntos.
Inteligente e animado, Snoo, como é chamado, surpreende a todos por não aparentar a idade que tem. A passagem do tempo, no entanto, foi a responsável pela percepção de suas manias por parte da tutora. O peludo responde às perguntas direcionadas a ele, sente ciúmes quando os donos se abraçam, fica para baixo quando alguém adoece e não se acanha em bater com a pata nos celulares para chamar a atenção no momento em que a fome aperta.
Na infância, vários pediatras garantiram a Laura que o cão lhe ajudou a criar imunidade a alergias e, para além da saúde física, é ele quem — literalmente — seca suas lágrimas, com lambidas, e fica ao seu lado nos dias mais difíceis. Enquanto a jovem o ensinou a pular, a jogar bola, a brincar de balão e a fazer xixi no local correto, o yorkshire lhe mostrou o valor da confidência, do amor, da fidelidade e da pureza.
"Como uma pessoa ansiosa, meu coração aperta a cada aniversário dele, mas me acalma ouvir dos veterinários que toda a experiência de vida e a saúde que o dei fará com que ele viva mais uns bons anos", conta, alegremente. Em seus estudos para o vestibular, mais uma atribuição para Snoopy: ser suporte emocional. No seu Instagram, o @ai_papelarizei, o pet é conhecido como sua grande motivação e vez ou outra aparece para "levar um pouco de fofura para os vestibulandos".
"Fico emocionada sempre que faço algo em sua homenagem, porque acredito que Snoo foi um anjo enviado para acalmar meu coração e cuidar de mim", frisa. Dessa vez, a demonstração de gratidão da tutora está marcada na pele, com uma tatuagem da patinha do peludo. "Para sempre ao meu lado", reforça.
"Lambeijos" para todas as crianças
Para os pequenos atípicos, o amigo de quatro patas pode tornar-se um porto seguro, uma vez que os maiores benefícios estão relacionados ao suporte emocional. Dessa forma, eles se sentem mais confortáveis em espaços novos e em atividades diferentes, além de se perceberem protegidos, por terem sempre alguém conhecido ao seu lado.
"O olhar sem julgamento dos animais é, sem dúvidas, um dos maiores ganhos para essas crianças. Mas como os primeiros contatos devem ocorrer? Lenta e pacientemente, com tentativas de estímulos sensoriais, por exemplo. Na equoterapia, é comum que haja, de início, aversão. Aos poucos, com adaptação, elas começam a levar alimentos para os cavalos, a pedir para escová-los; é gradativo", reforça o psicólogo Eduardo de Sousa.
E quanto a crianças alérgicas, é possível adaptar a convivência? A pediatra Ana Carla Borges garante que sim! Na maioria dos casos, somente cuidados ambientais, como controle de acúmulo de poeira e atenção ao pelo dos pets, já são suficientes para um bom convívio.
"Quando essa prevenção não é suficiente, podemos contar com a imunoterapia, que visa dessensibilizar o organismo, fazendo com a criança diminua de maneira mais definitiva sua alergia. Os peludos são membros da família, muitas vezes chegaram antes mesmo dos pequenos, então, simplesmente falarmos para se desfazerem dos bichinhos é uma maldade", pontua.
A hora da despedida
Lidar com a perda de um animal querido é difícil até mesmo para os adultos. Por isso, há de se reconhecer que superar essa dor é algo progressivo. Para os pais, pode ser uma oportunidade de introduzir um assunto tão delicado no universo das crianças. Para os pequenos que ainda não tiveram contato com o luto, é necessário maior cautela.
"Apresentar a situação de forma muito 'crua' pode gerar traumas, então, o ideal é ser o mais lúdico possível", instrui o psicólogo Eduardo de Sousa. O que não significa esconder o acontecimento ou inventar mentiras de que o amigo fugiu, por exemplo.
Lar habilitado para a chegada do pet
- Não adote animais por impulso ou permita que as crianças os tratem como brinquedos. Ter pets exige responsabilidade;
- Tome cuidado com piscinas e escadas, principalmente se forem filhotes. Vale optar por grades, lonas, vegetação para bloqueio, ou elementos como cobogós e pedras. Em apartamentos, não se esqueça de colocar telas em janelas e varandas;
Reserve espaço suficiente para que os peludos possam andar e brincar pela casa. Lembre-se de que certas raças e portes exigem um ambiente mais amplo;
Destine momentos para o adestramento e valorize o enriquecimento ambiental;
Atente-se a objetos pequenos ou que possam oferecer perigo, como fios elétricos. Ademais, mantenha plantas e alimentos tóxicos distantes;
Prepare uma cama confortável, de fácil limpeza e em local seguro e tranquilo;
Por fim, tenha paciência, tanto na adaptação dos bichanos, quanto na socialização com demais pets que já possam conviver no lar.
*Estagiária sob a supervisão de Sibele Negromonte
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