Quem cresceu nos anos 1990 no Brasil tem gravada na memória a imagem de um famoso personagem criado pelo Ministério da Saúde para incentivar a vacinação contra a poliomielite. Zé Gotinha e seu sorriso simpático ajudaram milhares de pais a imunizar seus filhos contra a doença.
Depois de virar fantasia de carnaval e povoar o imaginário popular de toda uma geração brasileira, o personagem foi trazido de volta pela população durante a vacinação contra a covid-19, mesmo que o imunizante só tenha administração venosa. E, mais uma vez, é importante invocar a antiga relação dos brasileiros com a imunização infantil.
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Embora tenha sido considerada erradicada no mundo em 1994, a poliomielite pode causar novos surtos no Brasil e no mundo, devido à baixa cobertura vacinal. Segundo a Organização Pan Americana de Saúde (Opas), em 1986, o Brasil teve sua epidemia mais grave da doença.
O último caso confirmado de poliomielite causada pelo poliovírus selvagem na Região das Américas aconteceu em 1991, e o Brasil recebeu o certificado de eliminação da pólio em 1994. Mas até que a doença seja, de fato, erradicada no mundo, o risco de casos importados causarem novos surtos é alto e por isso a importância de manter a vacinação como prioridade.
A história da vacina
Em 12 de abril de 1955, o cientista norte-americano Jonas Salk anunciou a descoberta da primeira vacina contra a poliomielite, também chamada de pólio e paralisia infantil. Desde então, as organizações mundiais de saúde passaram a incentivar as campanhas de imunização ao redor do mundo, com o intuito de erradicar a doença. A primeira versão do imunizante mostrou eficácia em 80% dos casos e permitiu avanços no combate à pólio, que, em um surto, em 1952, contaminou 58 mil pessoas e causou a morte de mais de três mil pessoas nos Estados Unidos. O imunizante continuou a ser aprimorado e, em 1962, nasceu a vacina em gotinha, com administração oral e alta eficácia. Ela foi popularizada no Brasil por meio das campanhas do Ministério da Saúde e pelo personagem Zé Gotinha.
Mas afinal, o que é a poliomielite?
- A doença é causada pelo poliovírus selvagem, como é chamado o vírus encontrado no meio ambiente.
- A principal forma de contaminação pelo vírus selvagem é por meio do consumo de água ou alimentos infectados, mas segundo a Opas, o último registro desse tipo de contaminação no Brasil é de 1989.
- A infecção se multiplica no intestino e é altamente contagiosa. Os principais sintomas, segundo Ana Paula Moschione Castro, especialista em alergia e imunologia da Universidade de São Paulo (USP) e diretora da Clínica Croce, são febre discreta, dores abdominais, náuseas e vômito.
- Em menos de 1% dos casos, os pacientes podem desenvolver a forma grave da doença, que causa a paralisia. Nesses cenários, o vírus se espalha e ataca os nervos no cérebro e na medula, causando a flacidez e paralisia dos membros.
- Os nervos mais afetados costumam ser os periféricos, causando a paralisia dos membros superiores e/ou inferiores. Em casos mais graves e raros, a musculatura respiratória pode ser afetado, podendo causar a morte.
- Pelos sintomas inespecíficos, Ana Paula comenta que muitas vezes a infecção só é descoberta quando surgem as complicações e as sequelas de paralisia, mas ressalta que a doença não é vista no Brasil há muitos anos.
- A prevenção por meio da vacinação é ainda mais importante pela ausência de tratamento para o vírus. Não existem antivirais específicos contra a poliomielite, tratam-se apenas os sintomas.
- Normalmente, a paralisia começa a aparecer a partir do terceiro dia de infecção e é possível reverter alguns dos problemas com fisioterapia, mas, quando se perde o movimento dos músculos por completo, não há reversão.
- Ana Paula ressalta que a vacinação é a única maneira de diminuir a circulação do vírus selvagem e acredita que os mais jovens não entendem essa importância por nunca terem tido contato com um surto da doença. “Precisamos incentivar a educação sobre a imunização para que não seja necessário um surto da doença e tantas crianças sendo afetadas e sofrendo com a paralisia para que a população volte a entender o papel das vacinas”, diz.
- A médica acrescenta que o risco atual de um surto é altíssimo, uma vez que a doença não foi erradicada em outros países e que a atual cobertura vacinal no Brasil está muito baixa.
- Segundo dados do Sistema de Informações do Programa Nacional de Imunizações (SI-PNI), 2015 foi a última vez em que as doses previstas da vacina inativada contra a pólio atingiram a meta. A cobertura vacinal chegou a 98,29% das crianças nascidas naquele ano.
- A partir de 2016, o número caiu para 90%, chegando a 84,19% em 2019. A pandemia também impactou diversos outros ciclos vacinais e a taxa da imunização contra o poliovírus chegou a 76,15% dos bebês.
- Pela primeira vez desde a criação da vacina, o Brasil teve taxa abaixo dos 70%. Em 2021, a porcentagem de crianças vacinadas foi de 69,9%.
Fonte: com informações da Agência Brasil
Palavra do especialista
Qual a diferença entre a vacina oral e a intramuscular?
Conhecida como gotinha, a vacina oral é aquela na qual é usado o vírus atenuado. Nesses imunizantes, os vírus estão vivos, mas enfraquecidos. Em casos muito raros, eles podem desencadear a infecção, mas isso não deve ser motivo para evitar a vacinação. Na vacina intramuscular, o vírus é inativado, ou seja, eles estão mortos ou são usados apenas partes do agente. No Brasil, a gotinha foi o que ajudou a erradicar a doença, mas, desde então, nosso sistema evoluiu. Em 2012, a vacina inativada foi incluída no Plano Nacional de Imunização, com duas doses, ampliadas para três doses em 2016. Ela é feita aos 2, 4 e 6 meses de idade. Dessa forma, a criança já está imunizada quando toma o reforço com a gotinha aos 15 meses e aos 4 anos.
Por que acha que a cobertura vacinal, que já foi referência, tem caído tanto no Brasil?
Quando analisamos os gráficos e dados da Saúde, vemos que a queda começou em 2015, o que coincide com a remoção da pediatria da atenção básica. Quando deixamos de ter um pediatra orientando os pais, caiu a cobertura vacinal. Na atenção básica, o pediatra explicava a importância da vacinação e estava ali presente para lembrar os pais e tirar todas as dúvidas que pudessem surgir sobre os imunizantes, além de fornecer aquele reforço positivo. Eles já saíam da consulta e no próprio posto eram encaminhados para a sala de vacinação, onde atualizavam todo o cartão de vacinação.
Alexandre Nikolay, pediatra e coordenador da Emergência Pediátrica do Hospital Santa Lúcia
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