Outubro está chegando ao fim, mas a luta contra o câncer de mama segue firme. Além de viver a angústia do diagnóstico e as incertezas dos tratamento, muitas vezes, a mulher precisa brigar por seus direitos, principalmente, os que garantem o acesso a um atendimento de qualidade.
Nesta segunda parte da reportagem sobre a doença, contamos a história de Hosana Santos e Meigan Sack, duas pacientes que enfrentaram — e enfrentam — batalhas dentro e fora dos centros médicos. Nas próximas páginas, informamos ainda sobre as novidades no tratamento do câncer de mama e como prevenir uma doença que nem sempre tem causas conhecidas.
Na edição do último domingo, trouxemos as histórias de Joana Jeker e Tereza Braun, duas mulheres que viveram — e vivem — a doença de formas bastante distintas, com as diversas particularidades que a descoberta de um câncer traz e como ele se desenvolve. Falamos também sobre os processos de diagnósticos e a importância da identificação precoce — determinante para o curso do tratamento e do prognóstico. Leia a reportagem.
Uma nova vida para a segunda chance
A psicóloga Hosana Santos, 39 anos, recebeu o diagnóstico de um carcinoma ductal invasivo, de subtipo luminal B, aos 28 anos e, além da cirurgia de adenomastectomia, quando a glândula mamária é removida, mas a estrutura externa é mantida, precisou fazer cinco anos de hormonioterapia.
Pela idade de Hosana, tipo do câncer e característica do tumor, determinadas por meio de um exame caro não fornecido pelo Sistema Único de Saúde (SUS) ou plano de saúde, os médicos optaram por não indicar quimioterapia ou radioterapia e pela cirurgia mais conservadora.
Quatro anos após o início do tratamento, ela descobriu um nódulo na tireoide e precisou de mais uma cirurgia, além de iniciar outro protocolo de tratamento com bloqueio hormonal. Após os dois episódios, Hosana se mantinha atenta a qualquer sinal e, durante exames de rotina, em 2019, detectou que o nódulo da mama esquerda tinha voltado. Foi feita uma nova cirurgia e Hosana voltou a fazer a hormonioterapia.
A luta de Hosana contra o câncer começou de uma maneira que os médicos dizem não ser possível. Aos 28 anos, mesmo com casos de câncer na família, o rastreio do câncer de mama não fazia parte de sua rotina, até o dia em que uma dor semelhante a uma ferroada na mama foi forte o suficiente para acordá-la.
Seu primeiro sinal não é reconhecido pela medicina como um dos possíveis sintomas, mas foi o que acendeu o alerta em Hosana, que marcou uma consulta com sua ginecologista. Mesmo acreditando que a dor não indicava nenhum problema sério, a médica sugeriu que Hosana procurasse um mastologista.
A segunda profissional pediu uma biopsia e o resultado foi positivo. Mais uma vez, o diagnóstico precoce, permitido até mesmo pela facilidade de Hosana em marcar consultas e exames por meio do plano de saúde, foi fundamental.
Judialização
No entanto, a partir da indicação da cirurgia, a situação se complicou. Exames específicos e a própria autorização para a cirurgia foram alvo de reclamações da operadora de saúde, que se recusava a cobrir os custos do tratamento.
Apesar da rede privada trazer uma série de vantagens com relação ao sistema público, como a celeridade para marcar não só consultas, mas também procedimentos, ela não é livre de obstáculos quando se fala em manutenção da saúde.
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Ao mesmo tempo em que digeria o diagnóstico de câncer, Hosana precisou processar o plano de saúde para garantir seus direitos. Além de todo receio e fragilidade emocional que a doença e a necessidade de uma cirurgia trazem, Hosana precisava lidar com o estresse de saber que a autorização não viria sem uma grande briga.
"Acentuou tudo e foi muito estressante. Descobrir um câncer é algo que deixa a gente sem chão e ter essa demora, esses empecilhos que o plano cria, acentuou todo esse sofrimento do momento", lamenta.
Advogando por si e por todas
O caso de Hosana não é uma exceção. A advogada e psicóloga Meigan Sack sabe bem disso. Quando recebeu o diagnóstico de câncer de mama, em 2018, aos 39 anos, ela já atuava no direito da saúde. A própria experiência só fez com que ela intensificasse sua luta pelos direitos das pacientes, sobretudo as de baixa renda. Hoje, advoga, muitas vezes de graça, em todo o país.
O diagnóstico de Meigan, hoje com 44 anos, demorou a ser fechado. Em 2015, do nada, começou a jorrar sangue do seu seio. "Era muito sangue, algo assustador. Como era um domingo, fui a uma emergência. Quando o médico viu, ficou visivelmente em pânico e mandou eu procurar um especialista o mais rápido possível", lembra.
E assim a advogada o fez. Mas a mastologista fez todos os exames e investigações possíveis e não encontrou nenhum tumor. Ela mantinha o rastreio de rotina e, apenas três anos depois, foi detectado um carcinoma grau 2, Her-2 negativo. Começou o tratamento imediatamente, que envolveu cirurgia, quimioterapia, radioterapia e terapia hormonal.
Pelo caminho, precisou recorrer à Justiça para garantir a cobertura do tratamento pelo plano de saúde. "Nessa luta, virei minha própria advogada e advogada dos outros." Meigan conta que, hoje, processa não apenas planos de saúde — que ela classifica como um mal necessário —, mas também União, estados e municípios.
E percebe uma postura diferente da Justiça ao analisar processos contra a rede privada e contra o Estado. No primeiro caso, conta, consegue uma liminar em 45 minutos; já no segundo, demora 40, 60 dias para conseguir um medicamento que já está listado no SUS. Mais uma desigualdade que permeia toda a doença. "Mas sei que há um volume de trabalho exorbitante nas varas de Justiça. Nem sempre é fácil", pondera.
Sempre atentas
Meigan lista alguns dos direitos da paciente de câncer de mama. Um deles é a chamada Lei dos 30 dias. Em vigor desde abril de 2020, ela determina que, caso haja uma suspeita de tumor, os exames para confirmar o diagnóstico devem ser realizados em até um mês na rede pública.
A Lei dos 30 dias veio reforçar a dos 60 dias, que começou a vigorar em maio de 2013 e que garante ao paciente o direito de iniciar o tratamento no SUS em, no máximo, dois meses após o diagnóstico da doença. Caso as duas leis não sejam cumpridas, o paciente pode — e deve — acionar a Justiça.
A advogada lembra, ainda, que a reconstrução mamária após uma mastectomia deve, obrigatoriamente, ser realizada tanto na rede pública quanto autorizada pelos planos de saúde. "É um direito da mulher mastectomizada", reforça. As pacientes que perdem parte da força no braço, após o tratamento, têm um direito adicional: uma série de isenções fiscais para a compra de carro automático.
Meigan reforça que as pacientes podem resgatar o total do valor depositado no Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) — direito estendido aos trabalhadores que tiverem dependentes nessas condições (cônjuges, filhos, irmãos menores de 21 anos ou inválidos e pais), desde que os dependentes estejam registrados no Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) ou no Imposto de Renda.
Teste genético
Em tramitação desde 2020 na Câmara dos Deputados, o Projeto de Lei 265/20 obriga o SUS a oferecer gratuitamente a mulheres com histórico familiar de câncer de mama ou de ovário o exame de detecção de mutação nos genes BRCA1 e BRCA2. O projeto condiciona a realização do exame de detecção genética à comprovação de diagnóstico de câncer em pelo menos dois parentes antes dos 50 anos de idade. O texto restringe ainda os exames aos casos em que o paciente ou algum familiar até o segundo grau (irmãos, avós, netos) for diagnostico com:
– múltiplos focos primários de câncer de mama
– câncer de mama triplo negativo
– câncer de ovário
– câncer de mama em homem
– câncer de pâncreas associado a câncer de mama no mesmo indivíduo ou em pessoa da família até o segundo grau.
Fonte: Agência Câmara de Notícias
Os avanços no tratamento
Tumor de mama detectado e confirmada a malignidade por meio de biópsia, é chegada a hora de tratar a doença. O material coletado é analisado por um patologista, que é capaz de confirmar o diagnóstico. E, por meio do exame chamado imunohistoquímica, ele descreve o subtipo do câncer de mama: receptor hormonal positivo, HER-2 positivo, triplo negativo ou triplo positivo. Isso é decisivo para o tratamento da doença.
"A primeira coisa a saber, depois do diagnóstico confirmado da doença pela patologia, é a extensão do tumor", resume a oncologista Ana Carolina Salles, da Oncoclínicas Brasília. Ou seja, se ele se encontra em estágio 1, 2, 3 ou 4. Coletadas todas as informações, é hora de determinar como será o enfrentamento da doença. "Os protocolos de tratamento são baseados em estudos robustos, e é preciso lembrar que tratamos a paciente, não a doença." Diante disso, a busca pelo cuidado personalizado é muito importante.
Em casos de tumores mais avançados, que acometem os linfonodos axilares, a primeira etapa do tratamento é, geralmente, entrar com a quimioterapia (chamado tratamento neoadjuvante), para reduzir o tamanho tumoral antes da cirurgia e combater as micrometástases na corrente sanguínea. Só depois, a cirurgia é realizada. Caso o tumor seja pequeno, a retirada é o primeiro passo.
Já nos casos metastáticos, a cirurgia, em via de regra, não é recomendada. "Entramos diretamente com os medicamentos, que estão bastante avançados, para que essas mulheres tenham uma sobrevida mais longa possível e com qualidade de vida. E é o que temos visto acontecer, na prática ", explica Ana Carolina.
A maioria dos cânceres de mama tem expressão positiva aos receptores de hormônios estrogênio e progesterona. Já aproximadamente 20% das mulheres apresentam superexpressão na proteína HER2, provocando um funcionamento anormal e levando ao crescimento descontrolado das células, ou seja, à formação do câncer de mama. E um terceiro grupo de tumores não expressam receptores hormonais, nem HER2 — são os chamados triplos negativos, geralmente com maior potencial de agressividade.
"Muitas de nossas pacientes com câncer de mama têm indicação de realizar aconselhamento genético, para verificar se a doença é hereditária. Mulheres diagnosticadas com menos de 50 anos, mulheres com câncer de mama triplo negativo, independente da idade", reforça a oncologista. Nesse último caso, há um maior risco de se detectar mutações nos genes BRCA1 e BRCA2.
Caso a paciente seja detectada com mutação nos genes BRCA1 ou BRCA2, deve-se discutir o benefício da mastectomia bilateral profilática, ou seja, a retirada das mamas, como medida protetiva contra o câncer de mama.
Avanços
Uma outra particularidade diz respeito aos tumores HER2 positivos. "Até a década de 1990, esse era considerado um câncer muito agressivo. Mas, com a evolução do tratamento, as pacientes habitualmente apresentam excelentes respostas. Hoje, fico feliz quando uma paciente minha é HER2 positivo, pois temos uma gama de estratégias a oferecer", detalha a médica da Oncolínicas Brasília.
Este ano, a Anvisa aprovou o uso da imunoterapia associada à quimioterapia no tratamento dos tumores triplo negativos avançados localmente. "Um grande avanço, com aumento das chances de resposta ao tratamento." O lado triste disso é que essa terapia não está disponível na rede pública.
Ana Carolina lembra que, quando possível, sempre se prioriza as cirurgias conservadoras, ou seja, que retiram um quadrante da mama com o tumor e uma área de segurança. Nesse caso, a radioterapia, depois da operação, é obrigatória, para garantir que as células tumorais não voltem.
É interessante comentar que nem toda paciente diagnosticada com câncer de mama precisará de quimioterapia. Hoje há testes moleculares, como Oncotype e Mamaprint, indicados para algumas dessas pacientes (tumores receptores hormonais positivos, localizados) que confirmam o benefício ou não da quimioterapia.
A oncologista lembra que outra preocupação no tratamento é determinar se há comprometimento dos linfonodos. Por isso, durante a cirurgia, são retirados alguns deles, os chamados sentinelas, para se ter a certeza de que o tumor não se estendeu ao sistema linfático.
Em todas essas etapas, a celeridade do tratamento é fundamental para o seu sucesso. O acompanhamento, com mamografias e ultrassonografias, também se faz necessário. Além disso, exercício físico, boas noites de sono e alimentação saudável contribuem para uma recuperação completa.
Vamos falar de prevenção e cura?
A psicóloga Hosana Santos, 39 anos, que recebeu o diagnóstico de câncer de mama aos 28 anos e dois outros na sequência, conta que todo o processo mexeu muito com ela, que passou a repensar toda a vida e os hábitos. Para entender o aparecimento de três episódios de câncer antes dos 40 anos, Hosana fez uma busca genética para saber se tinha alterações que a deixassem mais predisposta ao aparecimento dos tumores e nada foi identificado.
“Isso me mobilizou. O que estou fazendo que pode estar desencadeando esses episódios? De alguma maneira, mesmo que isso não seja completamente possível, eu buscava uma forma de controle da minha saúde, ou ao menos de entender”, afirma.
A partir de então, a psicóloga começou a estudar sobre promoção de saúde e hábitos de vida mais saudáveis. Afastou-se da atividade profissional que exercia e era fonte de estresse constante, incorporou a atividade física em sua rotina e mudou a alimentação. Hosana conversou com a Revista por telefone, pois, atualmente, está na Índia, fazendo um curso de medicina tradicional Ayurveda.
A psicóloga acredita que o câncer de mama é muito focado em uma prevenção secundária, na qual se busca identificar a doença o mais rápido possível para poder iniciar o tratamento. Mas ela questiona o que pode ser feito com o foco de realmente prevenir a doença. “Sei que não sabemos as causas exatas do câncer, mas a promoção da saúde, esse processo interno, é um dos caminhos, e é o meu caminho, que talvez possa ajudar outras mulheres”, acredita.
Além da prática de ioga, com foco na saúde física e mental, Hosana não consome alimentos ultraprocessados, diminuiu o consumo de carne e laticínios drasticamente e tenta consumir o mínimo de agrotóxicos possível, fazendo parte de uma cooperativa de orgânicos.
Hábitos de vida
Para o oncologista clínico Cristiano Resende, do Grupo Oncoclínicas-DF, a jornada da paciente de câncer de mama segue uma trajetória antes, durante e depois da descoberta do tumor. “Eu tenho que mostrar
para a paciente que se trata de uma jornada, que não termina no remédio. Ele é uma parte do tratamento. Não adianta só dar o remédio. Para uma planta florir, a terra tem que estar boa, não adianta apenas pôr a semente”, compara.
O médico reforça que para colher bons frutos é preciso cuidar do ambiente. E, nesse caso, o ambiente é o corpo da pessoa. “Existem estudos mostrando que as mulheres que perdem peso, que praticam atividade física, que mudam o hábito de vida reduzem o risco da doença voltar. Além, claro, de proteger contra a doença.”
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