Grande parcela dos lares convive com animais. No Brasil, o ano de 2021 se encerrou com quase 150 milhões de bichinhos de estimação vivendo em casas, segundo o Instituto Pet Brasil. As famílias multiespécies existem há centenas de anos, mesmo que estivessem presentes com diferente propósito, como caçar pragas, por exemplo. Hoje, ocupam um espaço de afeto e companhia no ambiente familiar, mas alguns cuidados devem ser tomados quando diferentes espécies são combinadas.
Animais como cães e gatos costumam ter convívio fácil com seres humanos, no entanto, podem estranhar outros bichos quando colocados no mesmo espaço, principalmente se, naturalmente, não teriam uma boa convivência. No entanto, Karolina Vitorino, veterinária e bióloga da clínica Mundo Silvestre, explica que não existem restrições de convivência nem fórmula do que dá ou não certo.
O principal, de acordo com a profissional, é observar os limites e comportamentos dos animais individualmente. Além do conhecimento clínico e teórico que assegura que é possível conciliar diferentes espécies, Karolina tem a experiência pessoal a favor. "Atualmente, tenho uma cacatua, um papagaio, duas calopsitas, uma jiboia e duas gatas na mesma casa, e já tive chinchila criada com as aves e com as gatas", conta.
Embora chame atenção a união de animais que ocupariam posição de presa e predador na natureza, Karolina explica que tudo é relativo, de acordo com cada bicho. "A pessoa tem que conhecer o comportamento do seu animal, porque, mesmo estudando a espécie e as características, ainda, sim, tem comportamentos muito particulares", alerta. Para permitir a interação entre os bichos, ela sempre observava e respeitava os limites deles, como quando ficavam estressados ou apresentavam algum tipo de desconforto.
Espaços
A adaptação deve ser feita aos poucos, por isso a recomendação é de que existam espaços destinados a cada espécie, como poleiros para as aves e espaços para que os roedores relaxem e se exercitem, como aquários adaptados a suas necessidades. Não fazer o devido planejamento e a divisão dos ambientes pode gerar conflitos e acidentes.
Outro ponto importante, segundo a veterinária, é ter espaços de "zona neutra", que não pertençam a um ou outro. Principalmente os animais de tendência territorialista podem se sentir ameaçados e desafiados ao encontrar outro animal no local. Colocar as camas e os potes de alimentação em ambientes específicos e destinados é o mais indicado.
E, mesmo animais que tenham boa convivência, o contato deve ser sempre supervisionado. Karolina conta casos de acidentes que ocorreram pela falta do devido acompanhamento: "Aconteceu de o cachorro achar que o jabuti era um brinquedo e começar a roê-lo vivo; outro mastigar o jabuti e ele chegar no consultório com múltiplas fraturas e muito ferido".
Nos casos de relações presas e caçadores, pode ocorrer de um animal caçar o outro, como gatos e porquinhos-da-índia ou gatos e pássaros. Não é, claro, regra, mas existe o risco de ataque e a recomendação profissional é que não sejam deixados no mesmo local. "Então, se o tutor quer ter diferentes espécies no mesmo local, deve dar preferência para uma casa grande para conseguir determinar o espaço de cada indivíduo", conclui.
Os horários biológicos também são importantes na hora de fazer as divisões e organizar as interações. A veterinária não recomenda que os animais sejam forçados a adaptarem seus horários biológicos a outras espécies. Ela informa que eles podem ser levados a um estresse desnecessário. "O principal ponto é realmente respeitar e organizar a casa para que você tenha espaços determinados para essas espécies, desde que elas tenham hábitos diferentes", completa.
Orientação personalizada
Vários são os motivos que levam as pessoas a desejarem ter animais de diferentes espécies em casa. Para o estudante Felipe Machado Malta, conhecer de perto a natureza é uma experiência de vida. O futuro biólogo, que deseja trabalhar com educação ambiental, tem em casa um dragão barbudo, dois geckos, um teiú, um jabuti e uma serpente píton ball — todos répteis de diferentes espécies.
O jovem conta que o interesse cresceu em 2020, quando conheceu de perto um gecko, tipo de lagarto de pequeno porte, e planejou com seu pai como cuidar e preparar o ambiente para o animal. Após montar um terrário e estudar a fundo a espécie, adquiriu o animal. "A partir daí, foi questão de tempo para surgirem os outros", relembra. Com a quantidade crescendo, separaram uma parte da casa apenas para os animais exóticos com tamanhos adequados a cada espécie, tomando cuidado para nunca misturá-las.
Felipe explica que diferente de cachorros, por exemplo, os seus animais não demandam muito manejo e intervenção — o que predomina é a observação de seus hábitos e comportamentos. Todos são dóceis, mas o jovem não os força a interagirem entre si ou com convidados, nem tampouco a deixarem seu espaço, essencial para o bem-estar dos bichos.
Além disso, relembra a importância de adquirir os animais em locais certificados pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), no caso dos exóticos, pois garante que são bem tratados e dóceis e não contribui para o tráfico de animais. Por fim, afirma que a adaptação à rotina dos bichos, com diferentes horários de alimentação e atividade, acontece com o passar do tempo, mas que um extenso estudo deve ser feito antes de trazê-los para casa.
Ao conhecer a rotina e os cuidados associados a cada animal, é possível garantir segurança e qualidade de vida para a espécie, pois sua biologia está sendo respeitada, explica Matheus Krüger, veterinário e proprietário da Clínica Exotic Life, exclusiva para animais silvestres e exóticos. O especialista recomenda que, no momento que ocorrer qualquer dúvida, um veterinário deve ser consultado. Afinal, desse modo o tutor pode receber informações qualificadas.
Muitas vezes, as pessoas chegam no consultório sem qualquer noção de como conciliar os animais, e o veterinário pode, inclusive, auxiliar a administrar os espaços. No caso de animais exóticos, o veterinário especializado é necessário, pois entende as particularidades de cada espécie.
As espécies de mais comum combinação são de coelhos com cães e gatos e de aves com os mesmos animais. Isso acaba acontecendo devido a seus comportamentos, que tendem a ser dóceis e de fácil convivência. O ideal, segundo Matheus, é que esse contato seja iniciado durante o início da vida, quando todos são filhotes. Mas informa que os de mais fácil adaptação são os mamíferos e, principalmente, herbívoros, como os coelhos e porquinhos-da-índia.
"Pequenos ruminantes, como minibodes, minicabras e minivacas podem se adaptar a viver junto com outras espécies também", informa o veterinário. Outros exemplos de animais que tendem a ser tranquilos são répteis e alguns lagartos e os furões ou ferrets, que apesar de serem carnívoros, já convivem bem até mesmo com cães, gatos e outras espécies.
*Estagiária sob a supervisão de Sibele Negromonte