Saúde

Como marteladas na cabeça: o incômodo das dores de cabeça

Com inúmeras classificações, as cefaleias podem ser um obstáculo à qualidade de vida. Compreender as suas causas é o primeiro passo para buscar o tratamento adequado

Inconveniente. Assim pode ser categorizada a dor de cabeça, que surge para esmorecer qualquer um. Noites mal dormidas, compromissos desmarcados, estresse e impaciência são situações e sentimentos rotineiros a quem padece desse problema.

E são muitas pessoas, pois, tão incômoda quanto universal, a cefaleia é sentida, pelo menos uma vez na vida, por 95% dos indivíduos, segundo informações da Sociedade Brasileira de Cefaleia. Desse contingente, 70% das mulheres e 50% dos homens sofrem com o mal pelo menos uma vez ao mês.

Clinicamente, a dor de cabeça é dividida em dois grupos: primária, na qual é a própria doença, o problema “principal”; e secundária, quando é sintoma de outra enfermidade.

O neurologista Welber Sousa Oliveira, com área de atuação em dor no Centro Especializado em Hipermobilidade e Dor, explica que o diagnóstico das cefaleias primárias é essencialmente clínico. Assim, é necessário colher uma história detalhada sobre as características da dor do paciente, além de realizar um exame físico geral e neurológico completo.

Apesar de não serem fatais, as dores de cabeça tiram muito a qualidade de vida do enfermo. A enxaqueca, principalmente em mulheres, causa impacto significativo em seu cotidiano pessoal e profissional. “Durante a avaliação do paciente com cefaleias, procuramos por bandeiras vermelhas que possam sinalizar causas secundárias”, explica Oliveira.

Nesse caso, são sinais de alarme dores de cabeça que surgem associadas a febre e a perda de peso; manifestam-se em pessoas com câncer ou HIV; aparecem após os 50 anos e com início súbito; ocorrem durante atividade física ou esforço; ou mesmo que mudam seu padrão de sintomas.

Os tipos mais comuns

A Sociedade Brasileira de Cefaleia confirma que existem mais de 150 tipos de dores de cabeça. De acordo com o neurologista Welber Oliveira, os cinco mais comuns são:

1. Enxaqueca ou migrânea: primária, com causa genética e sem cura, pode ter como gatilho o estresse, a alteração do sono, a ingestão de algum alimento ou o jejum.

- Características: duração de 4 a 72 horas, localização unilateral, caráter pulsátil e intensidade de dor moderada ou forte. Pode ser agravada por atividades físicas rotineiras, assim como pode levar o indivíduo a evitá-las. Entre os sintomas estão a foto e a fonofobia, as náuseas e os vômitos.

- Tratamentos: quando não farmacológico, inclui alimentação saudável, atividade física, rotina de sono regular, meditação e dispositivos de neuromodulação. Ademais, é importante evitar longos períodos de jejum. Para os momentos de crises, é possível contar com medicamentos específicos, da classe dos triptanos, e não específicos, como analgésicos e anti-inflamatórios.

“Para os pacientes com mais de três crises no mês, manifestadas de forma incapacitante ou refratária, recomenda-se um tratamento profilático, que visa diminuir sua frequência e intensidade. A injeção subcutânea mensal ou trimestral possui boa eficácia e segurança, além de posologia confortável e de alta adesão”, acrescenta o médico.

2. Cefaleia tensional: primária, tem causa multifatorial, que pode envolver causas ambientais e genéticas.

- Características: duração de 30 minutos a 7 dias, localização bilateral, caráter de pressão ou aperto (não pulsátil), intensidade fraca ou moderada e não agravada por atividade física rotineira. No geral, apresenta como sintomas apenas a fotofobia ou a fonofobia.

- Tratamento: quando não farmacológico, inclui prática de exercícios, alimentação saudável, acupuntura, fisioterapia, agulhamento a seco, alongamentos e massagens. Não há medicamentos específicos para os momentos de crise, sendo recomendados analgésicos comuns e anti-inflamatórios. Alguns tipos de antidepressivos podem ser considerados em um tratamento preventivo, quando as medidas não farmacológicas não surtirem efeito.

3. Cefaleia em salvas: trata-se de uma doença primária e com base genética, mais comum em homens.

- Características: dor forte ou muito forte exclusivamente de um lado da cabeça — orbital, supraorbital e/ou temporal —, dura de 15 a 180 minutos e manifesta-se na sensação de inquietude ou de agitação durante a crise, que pode ocorrer até oito vezes ao dia. Entre os sintomas, estão o lacrimejamento, a coriza, o inchaço palpebral, a transpiração facial e a queda de uma das pálpebras.

-Tratamento: como as crises são de curta duração, a medicação é, normalmente, subcutânea ou nasal.

4. Cefaleia secundária a rinossinusite: causada pela infecção e inflamação do nariz ou dos seios da face.

- Características: dor na região frontal e no maxilar, onde estão localizados os seios da face. É agravada com a pressão aplicada sobre a região paranasal. A dor de cabeça melhora com a resolução da rinossinusite

- Tratamento: a dor de cabeça deve ser tratada no período da infecção, porém não se deve abrir mão do tratamento da rinossinusite.

5. Cefaleia secundária a disfunção temporomandibular: processo patológico doloroso que afeta os elementos da articulação temporomandibular, músculos da mastigação e/ou estruturas associadas em um ou ambos os lados.

- Características: dor localizada na região temporal e agravada pela movimentação e função mandibular, como a mastigação.

- Tratamento: é multidisciplinar e envolve uma equipe diversa, que pode incluir dentista, fisioterapeuta, acupunturista e fonoaudiólogo.

Saiba Mais

Palavra do especialista

Quais grupos têm predisposição a sentirem dores de cabeça frequentemente e com maior intensidade?

De acordo com o estudo Global Burden of Disease (iniciativa conjunta de vários países para avaliar a epidemiologia de diversas doenças no mundo), as dores de cabeça recorrentes estão presentes em 52% da população mundial, sendo mais comuns em mulheres, em jovens e adultos abaixo de 65 anos. No Brasil, a estimativa é de que 76% da população sofra de algum tipo de dor de cabeça, também com predominância feminina na fase adulta. A enxaqueca, por exemplo, está presente em cerca de 15% das pessoas, sendo o tipo de dor que gera mais incapacidade e pode ser agravada por fatores externos, como o uso de pílulas anticoncepcionais e o tabagismo.

Em que medida essas dores afetam a saúde emocional das pessoas? Pode ser uma via de mão dupla — indivíduos com transtornos mentais, também, tendem a sentir dores de cabeça?

É muito importante considerar o papel de fatores psicológicos nas dores de cabeça recorrentes, dado que são potenciais desencadeadores dessas crises, assim como são causas relevantes de carga emocional para as pessoas que sofrem delas. A relação entre doenças psiquiátricas e dores de cabeça é bem estabelecida: é comum a associação entre depressão, ansiedade e dor de cabeça crônica. Nas pessoas acometidas por transtorno bipolar, a prevalência de enxaqueca é maior do que na população em geral. Além disso, a presença de transtornos mentais indica uma pior evolução dessas dores nos pacientes ao longo do tempo.

Quando se preocupar com as queixas de dores de cabeça em crianças? Há algum tipo mais comum nesse grupo?

Qualquer dor de cabeça recorrente, ou seja, com frequência igual ou superior a três vezes por mês, deve ser avaliada por um médico. Mundialmente, 60% das crianças apresentam queixa de dor de cabeça significativa e comumente com repercussão no desempenho escolar. A enxaqueca e cefaleia tensional são os tipos de dor de cabeça recorrente mais comuns na faixa etária pediátrica.

Quais são os tratamentos alternativos disponíveis a quem sofre de dores de cabeça constantemente?

O tratamento para dores de cabeça recorrentes envolve tanto terapias farmacológicas (com uso de medicamentos de diversos tipos) quanto, também, não farmacológicas — estimulação elétrica periférica, laser de baixa potência e estratégias cognitivo comportamentais. Em relação à medicina complementar e integrativa, há evidências de que ioga e meditação podem ter efeito benéfico na enxaqueca e na cefaleia tensional. Não há evidências científicas suficientes para indicar a aromaterapia e a homeopatia como opções de tratamento para dores de cabeça.

Laise Valverde Vieira é neurologista, membro da Sociedade Brasileira de Cefaleia e atua na Clínica Modula Dor — Unidade Lago Sul.

*Estagiária sob a supervisão de Sibele Negromonte