Crônica

Um misto de gratidão e tristeza na celebração do Outubro Rosa!

Tive acesso ao melhor tratamento disponível, fui acompanhada por excelentes profissionais e contei com o apoio irrestrito da família e dos amigos. O que, infelizmente, não ocorre com a maioria das brasileiras

Desde 2020, o mês de outubro ganhou um significado diferente para mim. Naquele ano, logo no início da pandemia da covid-19, fui diagnosticada com câncer de mama. Como jornalista, há tempos escrevo e edito matérias sobre o tema e sempre estive sensível à luta das mulheres que enfrentam a doença. Mas tudo muda quando a dor deixa de ser a do outro passa a ser a sua.

O choque do diagnóstico, as mazelas — físicas e psicológicas — do tratamento, as incertezas sobre o futuro… Um misto de sentimentos, de repente, invade sua vida. Na minha jornada em busca da cura, uma única certeza: sou uma privilegiada. Tive acesso ao melhor tratamento disponível, fui acompanhada por excelentes profissionais e contei com o apoio irrestrito da família e dos amigos.

O que, infelizmente, não ocorre com a maioria das brasileiras. No mês passado, participei, a convite da Farmacêutica Novartis, de um encontro entre jornalistas, representantes de associações de pacientes e médicos, durante o Congresso de Câncer de Mama, em Gramado (RS). E o panorama mostrado, tanto pelos profissionais quanto pelas líderes das associações, é desanimador.

Diante de um cenário em que a rapidez do diagnóstico e do tratamento é fundamental para se falar em cura, a demora em se conseguir um atendimento na rede pública acentua, de cara, as disparidades sociais em um país continental. "O meu SUS (Sistema Único de Saúde) é diferente do seu SUS" foi uma das frases que mais ouvi nesse encontro. Sim, porque se é difícil agendar uma consulta ou um exame nas grandes cidades, no interior, isso se torna uma missão quase impossível.

E a pandemia escancarou ainda mais essa problemática. Dados do Instituto Nacional de Câncer (Inca) apontam que o número de mamografias realizadas pelo SUS no Brasil despencou durante a crise sanitária. Passou de 2.527.833 exames, em 2019, para 1.473.277, em 2020 — uma queda de aproximadamente 42%.

Hoje, sabe-se que quando um câncer de mama é encontrado em estágio 1, as chances de cura são superiores a 90%. Ou seja, quantos tumores deixam de ser detectados precocemente por pura falta de acesso das mulheres ao diagnóstico.

Um outro dado é ainda mais preocupante: a diferença do tratamento disponível e o ofertado pelo SUS. Quando uma nova droga é aprovada pela agência reguladora de saúde dos Estados Unidos, a FDA, ela recebe a liberação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), em média, um ano depois. Mas daí a ela estar disponível na rede pública lá se vai um longo processo, que pode ultrapassar seis anos. "Quantas vidas poderiam ser salvas nesse período?", questionou o oncologista Carlos Barrios, referência em câncer de mama no Brasil, durante o evento em Gramado.

Como se não bastasse, corremos o sério risco de termos cortes de verbas expressivos para o tratamento de câncer em 2023. Para manter acordos políticos, por meio dos R$ 19,4 bilhões reservados para o orçamento secreto, o governo de Jair Bolsonaro quer sacrificar 60% das verbas destinadas à saúde no próximo ano. De acordo com o Projeto de Lei Orçamentária Anual (Ploa) de 2023, enviado para o Congresso, há uma redução direta de 45% nos recursos destinados à prevenção e ao controle do câncer — passando de R$ 175 milhões, em 2022, para R$ 97 milhões, em 2023, caso o projeto seja aprovado sem mudanças.

Neste Outubro Rosa, um misto de sentimentos me invade. Se, por um lado, sou pura gratidão à ciência pelos avanços no tratamento de câncer de mama, dos quais fui diretamente beneficiada, por outro, sofro com a falta de perspectiva e o desrespeito com milhares de brasileiras.

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