Sintomas, diagnóstico, tratamento e cura. Esse costuma ser o caminho pelo qual as doenças seguem. Mas quem já conviveu com o câncer, em si ou em pessoas ao redor, sabe que a trajetória dessa enfermidade pode ser mais sinuosa e cheia de obstáculos.
Os sintomas nem sempre aparecem, e o avanço silencioso pode levar a um diagnóstico tardio, que determinará o curso do tratamento — esse pode, inclusive, ser paliativo, a depender do avanço do tumor. E onde fica a prevenção quando se trata de uma doença que não tem suas causas bem determinadas?
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Quando falamos em câncer de mama, esse processo pode ser ainda mais complexo devido às particularidades da doença, que envolve aspectos profundos da autoestima e da fertilidade das mulheres. O diagnóstico pode demorar a chegar e, mesmo com ele, o tratamento depende da identificação do tipo e subtipo do tumor, e cada dia de atraso pode mudar todo o prognóstico.
A boa notícia é que o câncer de mama é um dos tipos que podem ser identificados precocemente e, quando isso ocorre, as chances de cura chegam a 95%.
Neste Outubro Rosa, campanha criada justamente para incentivar as mulheres a fazerem uso da sua principal arma contra o câncer de mama, a mamografia, tentamos traçar esse caminho: do diagnóstico até a cura!
Divididas em dois domingos, as reportagens abordarão a importância do diagnóstico precoce e como ele pode ser determinante no tratamento e no curso da doença.
Nesta edição, Joana Jeker e Tereza Braun dividem suas histórias e como o câncer impactou suas vidas. Na edição do próximo domingo (30/10), a Revista trará mais duas histórias que mostram a importância de correr atrás dos próprios direitos e os tratamentos hoje disponíveis.
Os desafios da identificação precoce
Quando detectado no estágio 1, ou seja, na fase inicial, o câncer de mama não só é tratável como tem grande chance de cura — superior a 90%. Nos estágios 2 e 3, esse índice cai um pouco, mas a possibilidade de a paciente se livrar da doença, com o tratamento adequado e cada vez mais avançado, ainda é real. Já o prognóstico para quem descobre o tumor no estágio 4, ou seja, o câncer metastático, é desanimador. Daí a necessidade de as mulheres fazerem a mamografia regularmente, principal meio de rastreio.
"O diagnóstico precoce é fundamental para o sucesso do tratamento", sentencia o mastologista Rodrigo Pepe, médico do Hospital de Base e da Oncoclínicas Brasília. Quando a mulher já consegue apalpar o tumor, ele, provavelmente, estará com mais de 2cm e no estágio 2. Por isso, os médicos defendem a realização de mamografia anual a partir dos 40 anos.
Hoje, a indicação do Ministério da Saúde e do Instituto Nacional do Câncer (Inca) é que o exame seja feito após os 50 anos e em uma frequência de dois anos. Todas as sociedades médicas brasileiras, porém, são favoráveis a que esse rastreio comece mais cedo, até porque tem crescido o número de diagnósticos entre mulheres jovens.
No Brasil, a incidência do câncer de mama entre 40 e 49 anos é maior quando comparados a países desenvolvidos, e representam entre 30% a 40% dos casos diagnosticados. Segundo dados da Comissão Nacional de Mamografia, ao excluir essa faixa etária do rastreamento, cerca de um terço das mulheres com câncer de mama no Brasil não terão a chance de obter um diagnóstico precoce.
Sobretudo para as mulheres que ainda não chegaram aos 40, Pepe aconselha: além de fazer consultas regulares com o ginecologista, é importante se consultar com um mastologista. "Não há essa cultura no Brasil. Não é que o ginecologista não saberá fazer o exame da mama, mas o mastologista irá apalpá-la de forma diferente", justifica. "O Brasil é um dos poucos países que têm a mastologia como especialização. Temos excelentes profissionais."
Para as mulheres que têm histórico de câncer de mama na família, os cuidados devem ser ainda maiores. Para esse grupo, ele aconselha a ida ao mastologista a partir dos 20 anos. De forma personalizada, o médico poderá pedir, como forma de rastreio, uma ultrassonografia ou uma ressonância, por exemplo. Por terem a mama muito densa, a mamografia não costuma ser um instrumento eficaz de diagnóstico nessa faixa etária — dificilmente o tumor será detectado, mesmo que esteja lá. "Mas é importante lembrar que a conduta é personalizada", ressalta o mastologista.
A polêmica do autoexame
Por um tempo, o autoexame chegou a ser rechaçado por alguns médicos, por entenderem que, em nenhuma hipótese, ele deve substituir a mamografia. O oncologista Cristiano Resende, membro da Sociedade Brasileira de Oncologia, lembra que, quando as campanhas do Outubro Rosa começaram, elas eram muito focadas para o autoexame, daí a polêmica.
"Em um primeiro momento foi ótimo, porque as mulheres começaram a entender a importância do auto toque, mas muitas pararam de ir ao médico e de fazer mamografia. O autoexame por si só jamais será suficiente", explica o médico do Grupo Oncoclínicas DF.
Ele ressalta, porém, a importância do autoconhecimento do corpo. "A recomendação é que a mulher se toque, independentemente do dia do ciclo menstrual. Assim, ela vai se conhecer melhor e, se no futuro, qualquer alteração aparecer, terá uma capacidade muito maior de entender que aquilo não é o normal dela."
Rodrigo Pepe concorda e atesta sua importância, principalmente entre as mais jovens, que não têm a mamografia à disposição. "É preferível que a mulher detecte o tumor com 2cm do que em estágio avançado." Ele lembra que, antes das campanhas de conscientização, era comum os médicos receberem pacientes com tumores de 6cm, 7cm. "O autoexame tem o seu valor."
O autoexame foi justamente o que levou Joana Jeker, 45 anos, a descobrir um carcinoma ductal invasivo, de subtipo triplo negativo. Em 2007, então com 30 anos, a administradora teve um sonho que significava doença. Com histórico na família, a mãe e a tia tinham tido câncer de mama, ela tinha o hábito de se autoexaminar e, no mesmo dia, no banho, fez o toque.
"Quanto senti o nódulo, me veio um arrepio dos pés à cabeça e a intuição de que era câncer. No mesmo dia fui a uma clínica e fiz os exames. Já saí de lá com o diagnóstico de que estava com câncer", lembra.
Tratamento pelo SUS
Na época em que apalpou o tumor, Joana Jeker morava na Austrália e voltou para o Brasil para fazer o tratamento pela rede pública. Ela é taxativa ao mencionar a importância do diagnóstico precoce e do início rápido do tratamento. O tumor da administradora era tão agressivo que, ao ser descoberto, tinha o tamanho de um grão de feijão. Em pouco tempo, passou a ter as dimensões de uma cereja, quando foi removido.
Todo o tratamento foi feito no Sistema Único de Saúde (SUS) e, apesar de ter conseguido celeridade na cirurgia de mastectomia da mama direita e das quatro sessões de quimioterapia vermelha necessárias, depois dos seis meses de terapia, o tempo de espera se tornou quase interminável. A cirurgia de reconstrução mamária pode não parecer tão importante para quem está de fora, mas ela faz parte do tratamento do câncer de mama e é um dos direitos da mulher que precisam ser assegurados e garantidos.
Joana precisou esperar dois anos pela primeira cirurgia de reconstrução de mama e a segunda cirurgia, cinco meses depois, quase foi cancelada pela falta de dreno no Hospital Regional da Asa Norte (Hran), responsável por cerca de 90% das cirurgias de reconstrução da mama pelo SUS em Brasília.
A administradora foi à direção do Hran, exigiu seus direitos e conseguiu ser operada. Pouco tempo depois, ela soube que o médico responsável por sua reconstrução parou de realizar as cirurgias no hospital público pela dificuldade em ter material e pessoal disponíveis para a realização dos procedimentos.
"Pensando nas mulheres que passavam por tudo que passei e nas cirurgias que eram canceladas por falta de suturas, drenos, anestesista, instrumentador e outras coisas tão básicas, eu comecei a pensar no que eu poderia fazer", conta.
Recomeçar
Em 2010, Joana iniciou um abaixo-assinado pedindo a ampliação da oferta de cirurgias de reconstrução da mama no Hran. O esforço não teve resultados e ela organizou uma manifestação em frente ao hospital. A mobilização resultou em mutirões de cirurgia de reconstrução da mama, feitos por membros da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica (SBCP) em parceria com a Secretaria de Estado de Saúde do Distrito Federal.
Buscando mais dignidade e cuidado para as mulheres, Joana fundou a Recomeçar — Associação de Mulheres Mastectomizadas de Brasília. Por meio da organização, ela e outras mulheres lutam para garantir a reconstrução mamária pelo Sistema Único de Saúde (SUS), direito assegurado pela Lei Federal nº 9797, de 6 de maio de 1999.
Além de auxiliar no processo de reconstrução, Joana ressalta a importância de melhorar todo o processo de atendimento no Brasil. Segundo dados do Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva (inca), cerca de 40% dos casos de câncer de mama no Brasil são diagnosticados nas fases III e IV, as mais avançadas — os identificados nas fases iniciais ficaram abaixo dos 30% nos últimos 20 anos.
Joana defende que o diagnóstico precoce e rápido, além de ser o melhor cenário para as pacientes, que podem avaliar os tratamentos mais adequados e, muitas vezes, manter a mama e apresentar menos riscos de metástase, são também mais vantajosos financeiramente para o SUS.
"Quem já conviveu com o câncer sabe que não há valor que se iguale a uma vida, mas o tratamento dos casos precoces é muito menos oneroso para a rede pública. A paciente se cura mais rápido e volta a ter uma vida normal, contribuindo, e o SUS não precisa pagar por radioterapia, por exemplo."
O mapeamento genético
Todo câncer de mama é genético, mas nem todo tumor é hereditário, ou seja, herdado de mãe para filha. "Ele é genético porque vem de uma mutação do DNA, mas, na maioria das vezes, é adquirido ao longo da vida. A herança é uma exceção, em torno de 5% a 10%", explica Cristiano Resende.
Porém, o oncologista ressalta que, na paciente jovem, a probabilidade de a mutação ser hereditária é maior. "Por isso, se uma paciente chega ao meu consultório com 28 anos de idade, eu sou obrigado a pedir teste genético para ela." Ele justifica que, quando a mulher é diagnosticada antes do 45 anos, há a recomendação de se procurar um médico geneticista.
Acima dessa idade, porém, dependerá de alguns fatores, como o tipo de câncer, o histórico pessoal — se já teve outros tumores —, se há casos de câncer de mama masculino, de pâncreas, de próstata e de ovário na família. "Ou seja, se o fator familiar for importante, a paciente tem indicação de fazer o painel genético."
Cristiano lembra, ainda, que o câncer triplo negativo é o que está mais relacionado ao fator hereditário. "Então, deu triplo negativo a gente sempre testa, independentemente da idade." Isso também é importante para orientação dos descendentes.
A má notícia é que o acesso ao mapeamento nem sempre é algo fácil. No SUS, por exemplo, ele não está disponível. "No sistema público, a gente consegue, a depender do local, fazer com que um geneticista atenda a paciente para fazer um aconselhamento. Mesmo os planos de saúde só costumam cobrir o exame se a paciente estiver dentro dos critérios estabelecidos pela Anvisa."
Um ano de incerteza
O diagnóstico da professora Tereza Braun, 50 anos, demorou a chegar e, quando finalmente foi confirmado, já estava em estágio avançado. O carcinoma ductal invasivo, subtipo luminal B, quando descoberto, já havia dado metástase nos ossos de Tereza, que hoje convive com a doença e afirma viver um dia de cada vez.
Tudo começou em meados de 2018, quando a professora teve um rápido ganho de peso e os seios ficaram grandes e inchados. Tereza fez diversos exames acreditando ser um problema na tireoide, mas nada foi encontrado. A ginecologista de Tereza estranhou o inchaço e a dor nos seios e indicou que ela buscasse um mastologista. Um nódulo foi encontrado e as glândulas alteradas fizeram com que ela recebesse um diagnóstico equivocado de mastite.
Após o tratamento, os seios voltaram ao normal, mas pouco tempo depois endureceram e os mamilos começaram a se voltar para dentro. Tereza voltou ao consultório, foi encaminhada para o SUS e, no começo de 2019, após uma ecografia e uma mamografia, foi identificado um caroço, mas a biópsia foi negativa.
As dores começaram a atingir o braço direito de Tereza e ela já não conseguia trabalhar. Pensando estar com um problema na coluna, procurou um ortopedista. Aos 48 anos, ela ouviu do médico que seus ossos equivaliam aos de uma pessoa de 70 anos. Na investigação, surgiu a hipótese de uma metástase para um câncer que ela ainda não tinha conseguido identificar.
A ressonância nos seios foi que, finalmente, trouxe o diagnóstico de Tereza. Em função do estágio avançado, a remoção da mama não teria benefícios e hoje ela faz o tratamento de radio e hormonioterapia, além de ter oito pontos tumorais na coluna e na bacia.
A demora no diagnóstico e no início do tratamento, que teve atraso até mesmo pelo fato de um dos aparelhos da rede pública estar quebrado, foram determinantes na qualidade de vida que Tereza tem hoje. A hormonioterapia será um tratamento para a vida toda, ela toma injeções trimestrais e diversos medicamentos, cerca de 12 comprimidos, todos os dias. A dor nos ossos é controlada por morfina, e sessões pontuais de radioterapia nos ossos são necessárias para que ela possa continuar andando e mantendo a independência.
"Não vejo como uma questão de culpa, não é um sistema ou outro. Mas levei mais de um ano para ter um diagnóstico e, se fosse tudo no início, talvez a evolução do meu câncer fosse outra. Precisamos melhorar isso para que outras mulheres não cheguem onde cheguei, se isso puder ser evitado", afirma. Apesar de lamentar o diagnóstico tardio, Tereza ressalta a importância dos tratamentos específicos para cada quadro e garante que esse direcionamento é o que permite que ela mantenha a qualidade de vida.
O impacto da pandemia
Se a importância da mamografia é consenso, o cenário atual tem preocupado os profissionais de saúde. Dados do Instituto Nacional de Câncer (Inca) apontam que o número de exames realizados pelo Sistema Único de Saúde (SUS) no Brasil despencou durante a crise sanitária. Passou de 2.527.833 exames, em 2019, para 1.473.277, em 2020 — uma queda de aproximadamente 42%.
"No primeiro ano da pandemia, em 2020, a redução de realização de mamografias chegou a 70%", estima o oncologista Cristiano Resende, que ao lado de outros colegas do Grupo Oncoclínicas realizou um trabalho, apresentado durante o Congresso da Sociedade Norte-Americana de Oncologia Clínica (Asco) deste ano, sobre o impacto da crise sanitária nos atendimentos de pacientes brasileiras com câncer de mama. "O número de biópsias caiu 50%. Para entender a gravidade do problema, a biópsia é feita naqueles pacientes que estão sob suspeita de câncer, não é no paciente saudável."
O estudo foi realizado com base nos dados de quase 12 mil pessoas atendidas pelo grupo Oncoclínicas em todo o país, inclusive em Brasília. Os pesquisadores compararam a quantidade de pacientes de câncer de mama que buscaram as clínicas da rede entre 2018/2019 com as que procuraram ajuda médica entre 2020/2021. "O que vimos, globalmente, foi a redução, no consultório, de pacientes em estágios 1 e 2 da doença e, em contrapartida, um aumento de quase 5% dos tumores metastáticos. Fica muito claro que isso está relacionado à falta do exame de rastreamento."
Em 2021, dado mais atual do Inca, o número de mamografias realizadas pelo SUS voltou a subir e foi superior ao ano anterior à pandemia, o que pode ser resultado do grande número de exames deixados para depois. Foram feitos 3.497.439 exames em mulheres, sendo 351.509 mamografias e 3.145.930 mamografias de rastreamento. Em homens, foram realizadas 7.281 mamografias para fins diagnósticos.
Com a expertise de quem trabalha também em um hospital público, o mastologista Rodrigo Pepe lembra que o problema de demora no diagnóstico e no tratamento é recorrente, e foi escancarado durante a pandemia. "Hoje, os planos de saúde têm levado, em média, 21 dias, para autorizar uma cirurgia de câncer de mama, o que já é moroso. Multiplique, facilmente, isso por três na rede pública", compara.
Isso sem falar na dificuldade em conseguir agendar a mamografia, fazer a biópsia e receber o parecer imuno-histoquímico, que determinará o tipo de tratamento a ser adotado. Para uma doença cujo tempo é questão de vida ou morte, esse quadro, mais que preocupante, precisa ser revisto pelas autoridades de saúde.
Para impactar
Algumas das frases projetadas na ação no Congresso Nacional este ano e que são mensagens importantes para todas as mulheres
- Luta contra o câncer de mama
- Uma em cada 12 mulheres terá câncer de mama
- 66 mil mulheres diagnosticadas em 2022
- 95% de chance de cura
- Segunda causa de morte em mulheres
- Faça o diagnóstico precoce
- Cuide-se o ano todo
- É lei a reconstrução mamária
- Conheça seu subtipo molecular de câncer de mama
- 40% dos cânceres são diagnosticados avançados
- É lei o diagnóstico do câncer em até 30 dias
- É lei o início do tratamento do câncer em até 60 dias
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