Especial

Será que o reconhecimento vem?

Letícia Mouhamad*
postado em 02/10/2022 00:01
 (crédito: Arquivo pessoal)
(crédito: Arquivo pessoal)

Após a última vencedora do prêmio "Mulher Guerreira" abrir mão do seu título, com a justificativa de estar infeliz e não suportar mais tamanha desvalorização, outras mulheres passaram a compartilhar suas insatisfações — algumas, inclusive, sentiam-se envergonhadas por temerem a alcunha de fracassadas. Juntas, porém, decidiram pela paralisação de suas atividades afetivas, domésticas e profissionais, por tempo indeterminado. Maridos, filhos, pais e amigos desesperaram-se. "Quem fará a janta?", "Quem me lembrará dos meus compromissos?", "Quem cuidará da tia doente?" e "Quem resolverá as pendências da firma?" foram alguns dos questionamentos. Para os mais velhos, a atitude delas foi como uma heresia, "coisa de mulher louca", disseram. 

Entre 2012 e 2019, a psicopedagoga Patrícia Fernandes, 44 anos, passou por altos e baixos que comprometeram suas relações e sua saúde física e mental. A perda do emprego ao qual se dedicava muito, em uma multinacional que faliu, foi o estopim para as tensões seguintes — a decepção amorosa no casamento, a retirada do útero e a preocupação com a gravidez da filha adolescente —, que contribuíram para sua depressão e ansiedade.

Acostumada a ser independente e a cuidar das próprias finanças, a então administradora se viu perdida, em uma situação na qual nunca estivera. A soma de emoções resultou em insatisfação e estresse constantes, de forma que um móvel ou objeto fora do lugar se tornasse motivo de conflitos com a família. Entre os momentos bons, recorda-se do nascimento do neto, em 2016, e da conquista de um novo emprego, de recepcionista, meses depois, em uma clínica próxima a sua casa.

Apesar do salário bastante reduzido, se comparado ao ofício anterior, foi nesse ambiente que Patrícia se engajou em novas possibilidades profissionais, ingressando em um curso de psicopedagogia e ganhando destaque dentro da empresa. Mesmo com as novidades, os estudos tornaram-se mais uma demanda para dar conta, além da casa, da família e do trabalho. A depressão e a exaustão continuaram, então, de mãos dadas com ela.

Como se já não bastassem tantas responsabilidades, a estudante e o marido iniciaram uma obra, tiveram que mudar de casa e passaram a morar de aluguel. Foi a vez da dificuldade financeira bater à porta e o esgotamento físico dar as caras, aliado ao cansaço mental. Com o estresse intensificado, ela sentia que já não conseguia sequer reconhecer e agradecer o apoio que recebia da família. "Eu chorava muito, gritava e brigava por qualquer coisa que estivesse fora do lugar. Já não controlava as minhas emoções", recorda-se.

Dando a volta por cima

Com o curso de psicopedagogia concluído, veio a boa notícia: Patrícia foi convidada a atuar na clínica em que já trabalhava, agora na nova função. O reconhecimento profissional e a motivação para crescer estavam evoluindo juntos. Assim, ingressou em outros cursos e aprimorou seus atendimentos. "Hoje, acredito mais no meu potencial e tenho investido nisso. Eu me encontrei em uma área que jamais havia imaginado atuar", revela. Os estudos nas áreas da psicanálise e na teoria do comportamento, por exemplo, complementam sua formação e comprovam seu engajamento.

Os resultados positivos do seu trabalho lhe motivaram a cuidar, também, de si. Decidiu, então, aos poucos, realizar antigos desejos que, devido às demais preocupações, havia deixado de lado, como alguns procedimentos estéticos e o acompanhamento psicológico que, logo nas primeiras sessões, já a ajudou a ressignificar e entender certas dores — inclusive físicas, visto que havia somatizado no corpo seu sofrimento emocional. "Quando eu comentava sobre as dores nos braços, minha psicóloga questionava o que tanto eu queria pegar e buscar." Percebeu que sempre desejou ser perfeita, a melhor, e quando não conseguia, frustrava-se.

Para ela, houve, durante todo esse tempo, a falsa sensação de que estava cuidando dos outros, quando, na verdade, não estava sequer zelando por si. Mas a página virou. Sua autoestima e confiança foram melhorando e passou a priorizar as suas vontades, tornando-se mais assertiva. Ademais, passou a deixar os outros cuidarem mais das próprias vidas, se envolvendo menos nas decisões dos familiares. "Eu me sobrecarregava cuidando da vida do outro, enquanto a minha ficava para trás", conta.

Hoje, sua autonomia transparece na forma como age e se relaciona. "Eu me sinto mais bonita e alegre, e as pessoas percebem isso." Com o emocional fortalecido, consequentemente, as dores de cabeça do passado reduziram significativamente. O olhar sobre os acontecimentos negativos mudou e, mesmo nas situações difíceis, procura enxergar um lado bom. "Se as coisas não saírem como o esperado, tudo bem, afinal, ninguém é perfeito".

 

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