Quem nunca teve a mania de roer as unhas ou de morder a tampa da caneta, em situações de estresse ou ansiedade? Certamente, se não teve, conheceu alguém que passou por isso. Poucos sabem, porém, que hábitos assim podem ser uma das causas de um problema que atinge, ainda, dentes e ouvido: a Disfunção Temporomandibular (DTM). Trata-se de um conjunto de distúrbios que afetam os músculos mastigatórios, a articulação temporomandibular (ATM) e as estruturas associadas, provocando inúmeras dores.
A ATM, região que costuma ser a mais impactada pelo distúrbio, é responsável pelos movimentos da mandíbula — abrir e fechar a boca, falar, bocejar, beijar, gritar, chupar, cantar, deglutir, mastigar — e está localizada à frente do ouvido, daí a multiplicidade de sintomas na face. Pode-se classificar a DTM em três grupos: muscular, quando há envolvimento dos músculos mastigatórios; articular, quando há comprometimento das estruturas que estão dentro do compartimento articular; e mista, que engloba ambas.
Simone Carrara, especialista em DTM e dor orofacial e presidente da câmara técnica de DTM e dor orofacial do Conselho Regional de Odontologia, alerta que o diagnóstico da disfunção deve ser definido o quanto antes, dado que tempo transcorrido entre a presença dos sinais e o controle da patologia influencia decisivamente no grau de sofrimento e também nas sequelas que a doença pode trazer.
Ademais, quando a condição permanece sem tratamento, o paciente corre o risco de sofrer consequências do uso excessivo de medicamentos para controle da dor, além de poder ter o agravamento de transtornos afetivos, como a depressão. "A mastigação ineficaz pode resultar em distúrbios alimentares ou mesmo contribuir com outras dores crônicas, que apresentam relação bidirecional com a DTM, como a fibromialgia”, detalha.
E atenção: o desconforto do transtorno pode, ainda, ser indicativo para outros problemas de saúde, como adverte Rodrigo Wendel, dentista especialista e mestre em DTM e dor orofacial. Isso porque muitas patologias podem causar dor na face, como tumores na região craniana, que podem apresentar limitação de abertura bucal e/ou dores na região da cabeça, e doenças reumáticas, que podem afetar a ATM. Assim, a avaliação com um profissional especializado, em busca de um diagnóstico preciso e detalhado, é essencial.
Causas
A DTM é uma doença multifatorial, ou seja, apresenta várias causas, sendo possível elencar: hábitos parafuncionais que tensionam a musculatura mastigatória, como apertar e ranger os dentes (bruxismo), mascar chicletes, roer unhas, mordiscar lápis ou tampa de caneta; traumas na região bucal; transtornos emocionais, como ansiedade e depressão; fatores sistêmicos, locais e genéticos; e distúrbios do sono.
Segundo Simone Carrara, especialista em DTM e dor orofacial, acreditava-se que a forma como os dentes maxilares e mandibulares se relacionam seria a principal causa da DTM. Entretanto, pesquisas recentes não amparam essa teoria. Tal compreensão é muito importante para a definição do protocolo de tratamento.
Sintomas
As alterações na articulação temporomandibular podem ser inflamatórias, não inflamatórias, estruturais, por fratura ou degenerativas, podendo provocar sintomas como: dores de cabeça frequentes; dor no ouvido, no fundo do olho, na face, nos dentes, na nuca e nos ombros; ruídos nos movimentos da boca; coceira no ouvido; zumbido; vertigem; dificuldade para mastigar, falar, deglutir ou bocejar; irritabilidade crônica; além de desvio e limitações dos movimentos mandibulares.
Diagnóstico
O encaminhamento ao especialista de DTM é responsabilidade de todos os profissionais da área da saúde. Esse especialista construirá o diagnóstico por meio da história clínica do paciente e do exame físico. Exames complementares não costumam ser necessários.
Tratamento
O objetivo do tratamento é controlar a dor, recuperar a função do aparelho mastigatório, reeducar o paciente e amenizar cargas adversas que perpetuam o problema. Por ter uma etiologia indefinida, um caráter autolimitante e a altíssima eficacia dos resultados, recomenda-se, inicialmente, terapias não invasivas e reversivéis.
Ademais, educação do paciente, automanejo, intervenção comportamental, utilização de fármacos, placas interoclusais, terapias físicas, treinamento postural e exercícios compõem a lista de opções aplicáveis a quase todos os casos de DTM.
“Essa abordagem preservadora consegue controlar os sinais e sintomas em mais de 90% dos casos”, tranquiliza Carrara. A necessidade de cirurgia é rara e suas indicações típicas são para situações em que há tumores e anquilose articular (fusão das estruturas articulares). Em alguns casos, utiliza-se infiltrações guiadas com ultrassom, técnica segura, pouco invasiva, de custo moderado e com resultados consideráveis.
Rodrigo Wendel, dentista especialista e mestre em DTM e dor orofacial, em concordância, complementa: “Hoje, vemos muitos pacientes sendo operados de forma desnecessária. Por isso, é muito importante deixar claro que todos os pacientes de DTM devem ser submetidos, inicialmente, a tratamentos conservadores e reversíveis antes de qualquer tratamento cirúrgico”.
Palavra do especialista
Em qual nível a disfunção pode comprometer a qualidade de vida da pessoa afetada?
A DTM, quando está em uma fase aguda, pode ser resolvida com tratamentos isolados e, muitas vezes, realizados pelo próprio paciente, sob orientação de um profissional especializado. Porém, em casos crônicos, necessita-se de procedimentos mais complexos e multidisciplinares, com especialistas de outras áreas. Nessas situações, geralmente há comorbidades consideráveis, como dores de cabeça e no pescoço, ansiedade generalizada, depressão, entre outras. Em vista do sofrimento, esses pacientes podem ter a qualidade de vida bastante prejudicada, demandando um tratamento individualizado e bem conduzido.
A disfunção é mais recorrente em grupos específicos, no que tange à idade, ao sexo ou até mesmo a fatores sociais? Se sim, por quê?
A disfunção pode acontecer em todas as idades, gêneros e faixas sociais, no entanto é mais comum em mulheres jovens, devido, em grande parte, ao acúmulo de funções e à carga de cuidado que elas ainda têm em nossa sociedade. Além disso, esse grupo é o que mais procura por tratamentos, visto que se preocupam mais com a saúde, por serem, geralmente, responsáveis por outras pessoas da família. As alterações hormonais também são outro fator que contribui para a suspeita de que as mulheres são mais suscetíveis à dor, porém estudos mais detalhados precisam ser realizados para afirmarmos isso com certeza.
A DTM tem cura?
Por ser multifatorial, é difícil conseguirmos eliminar todos os possíveis fatores que causam a DTM. Assim, não devemos falar em cura, mas sim em controle, ou seja, os pacientes entendem seu problema, aprendem a identificar os sinais e são orientados a fazer o autocontrole, tendo grandes chances de viver bem, saudável e livre das dores faciais.
Rodrigo Wendel é dentista formado pela Unesp, especialista e mestre em DTM e dor orofacial pela Unifesp. Coordena cursos de pós-graduação na área, atua no Instituto Aria e realiza atendimentos na Clínica Rodrigo Wendel — soluções em DTM
*Estagiária sob a supervisão de Sibele Negromonte