"Na língua portuguesa não existe palavra mais bonita que saudade", disse o professor Tavares, depois da terceira dose. Ninguém havia perguntado nada a ninguém, mas mesa de bar tem essas espontaneidades mesmo; de repente, alguém saca um assunto. Às vezes, cola. "Prefiro Adeus", alguém disse, abrindo a discórdia.
Ambas são palavras que encerram algo de triste. Talvez estivessem eles mais envolvidos com o significado das palavras do que com o som, o sentido onomatopaico do termo, independentemente do significado. A nostalgia certamente influenciou o professor, assim como a segunda sugestão foi afetada pela primeira.
A palavra saudade é tida como uma singularidade da língua portuguesa, mas não é bem verdade. A inspiração inicial vem do latim solitatem, que virou saudade em Portugal e soledad na Espanha, embora ambas carreguem diferenças na tradução. Mas os lusos deram um sentido mais elástico ao termo, unificando dor e prazer em uma ausência.
Eu não saberia dizer qual é a minha palavra favorita, mas, sem dúvida, o som seria o condutor, independentemente do significado. Como epifania. Originalmente uma festa que comemora o batismo de Cristo, a palavra passou a significar qualquer inspiração repentina. O que importa é que a sonoridade da palavra não leva a outro lugar que não seja uma... epifania.
Diferente de funâmbulo, ou burlantim, sinônimos que literalmente denominam o equilibrista que anda na corda bamba; por analogia, denominam também o vira-casacas. O fato é que o som do vocábulo é imponente, ainda mais se esticada a sílaba tônica, acentuada com circunflexo. É quase um nome próprio.
O som das palavras muitas vezes tem muito mais força do que o significado ou a etimologia. Ou o contrário. Gratidão, apesar do aumentativo, não indica toda a extensão do reconhecimento; mesmo caso de liberdade, que não tem a mesma amplitude do significado — nesse caso, os anglófilos estão melhor servidos com freedom, que permite uma pronuncia mais esticada e, portanto, livre.
Claro que isso é apenas um exercício, mas palavras pouco usadas também podem se destacar, caso de inefável, que traduz algo que não se pode descrever com... palavras. É um vocábulo musical, como acontece com grande parte dos adjetivos formados a partir de verbos, com o sufixo vel. A sonoridade é delicada, casamento perfeito entre a etimologia e a sonoridade.
Há palavras que só podem ser usadas por poetas. E mesmo assim poetas muito bons, que consigam extrair música de um verbo como rorar, que é o mesmo que rorejar, ou molhar com gotas, embora seja diferente de umedecer. Está na mesma classificação de eflúvio, que é a exalação de um fluido, um miasma, mas não necessariamente com cheiro ruim.
Outras palavras dispensam tradução. Caso de efêmero. O que mais pode significar além de algo que não dura muito tempo? O som airado do efe ajuda na definição instantânea, reduz a chance de alguém entender algo diferente. Mas tudo isso é uma bobagem. De que adiantam tantas palavras bonitas se hoje as pessoas raramente usam mais que um emoji para se expressar?