Saúde

Porta de entrada de bactérias, a boca precisa de higienização constante

O acúmulo de sujeira na região da gengiva é uma das causas de periodontite, doença que, se não tratada, pode levar até a óbito

Luna Veloso*
postado em 18/09/2022 00:01 / atualizado em 23/09/2022 15:45
 (crédito: Valdo Virgo/CB/D.A.Press)
(crédito: Valdo Virgo/CB/D.A.Press)

Causadas pelo acúmulo de bactérias na região da gengiva, as doenças periodontais podem acarretar sérios problemas de saúde que até ultrapassam a área bucal. A condição pode ser dividida em dois estágios. No inicial, quando a inflamação ainda não chegou a afetar os tecidos de sustentação do dente, ocorre uma gengivite. Posteriormente, quando as camadas mais profundas entre o ligamento periodontal e o osso vão sendo destruídas pelas bactérias, ela passa a ser conhecida como periodontite.

Com a formação da bolsa periodontal — espaço entre a gengiva e o dente resultante da periodontite —, a higienização fica muito limitada e a proliferação das bactérias torna-se ainda mais fácil. Protegidas e com uma grande área de contato, ainda maior com os vasos sanguíneos, essas bactérias, começam a se espalhar pelo organismo. "Quando a doença se torna aguda, ela pode evoluir para abscessos, celulite (inflamação grave), angina e, em casos mais severos, levar o paciente a óbito", alerta o mestre em periodontia Sérgio Braga.

A infecção pode chegar ao pulmão por aspiração, por exemplo, como foi o caso do surfista Junior Enomoto, mais conhecido como Japa. Em 7 de setembro, ele entrou em coma por uma infecção pulmonar que teve origem em uma bactéria no dente. No momento, o surfista está na UTI de um hospital em Bali, na Indonésia. "Acredita-se que mais de 60% da população adulta tenha periodontite em algum nível, sendo uma das principais causas de perda dentária em adultos e idosos no Brasil", acrescenta o especialista.

Mesmo que seja uma doença quase universal, muitas vezes a pessoa não consegue diagnosticar nas fases iniciais. As professoras de odontologia Cristiene Miron e Maria do Carmo Machado explicam que isso se dá pela doença, geralmente, ser assintomática, evoluir lentamente, de forma silenciosa, e, quando descoberta, já estar em estágio muito avançado, precisando de um tratamento mais invasivo.

Causa

Tanto a gengivite quanto a periodontite têm a mesma causa, como explica a professora de odontologia da Universidade de Brasília (UnB) Cristine Miron. O acúmulo de biofilme dental (resto de alimentos e bactérias) acarreta uma inflamação no local.

Diagnóstico

O diagnóstico é dado por meio da sondagem periodontal. O mestre em periodontia Sergio Braga explica que uma sonda é colocada no pequeno espaço livre entre o dente e a gengiva, chamado sulco gengival. "A grosso modo, quando a sonda não penetra além de 2mm, em média, nesse espaço, e ocorre apenas sangramento, temos um quadro de gengivite."

Mesmo que não seja frequentemente realizado, o procedimento é bem simples e não causa dor alguma. Nem sempre a periodontite apresenta tártaro, sangramento ou retração da gengiva, o exame é a única forma de detectar precisamente a condição.

Tratamento

Para o tratamento, apenas a remoção do agressor já é suficiente. A professora de odontologia Maria do Carmo Guimarães explica que o próprio organismo se encarrega de solucionar o desequilíbrio e a inflamação. Mesmo que sejam doenças bacterianas, raramente é necessário o uso de antibióticos, e, sem a raspagem, não tem eficácia alguma. A reeducação também é uma forma de tratamento importante, introduzindo o fio dental e a escovação correta para os pacientes ajudarem a cuidar e prevenir infecções de reincidência.

Mas, infelizmente, a doença não tem cura. Uma vez que a pessoa começa a ter periodontite, ela sempre terá que fazer manutenções para evitar a perda dos dentes. Caso ela ocorra, implantes são a melhor solução funcional e estética.

Sintomas

Os principais sintomas são sangramento, alterações de cor, volume e textura da gengiva. Mas a doença pode estar presente mesmo sem eles.

Consequências

Se não for adequadamente tratada, há um comprometimento funcional e estético dos dentes, da fala e da mastigação. Além de aumentar a propensão a outras doenças, como doenças cardíacas (IAM), vasculares (AVC), pulmonares, Alzheimer, parto prematuro, entre outros. "É a história de que o sangue que passa pela gengiva é o mesmo que percorre todo o corpo", detalha Sergio Braga.

Prevenção

Para prevenir as doenças periodontais, o ideal é manter uma rotina de higiene bucal, com uso do fio dental ou escova interdental, escovação adequada e individualizada, além de atividade física e alimentação saudável, para evitar ou controlar diabetes e obesidade. Evitar o tabagismo e fazer avaliação odontológica com intervalos de no máximo um ano também é fundamental.

Palavra do especialista

Existem fatores que aumentam a propensão a essas infecções?

Diabetes não controlada e tabagismo são as principais condições que podem predispor ou agravar uma doença periodontal. O tabagismo aumenta em até 10 vezes o risco de alguém ter periodontite. E pacientes que fumam cigarros ou vaporizadores, narguilés com nicotina, podem ter um dos principais sinais, que é o sangramento gengival reduzido. A doença fica, dessa forma, mascarada e, por vezes, só se percebe que há algo errado quando o dente começa a apresentar mobilidade. Depressão, obesidade e estresse crônico também têm sido relatados como fatores predisponentes, pois prejudicam a imunidade.

Como evitar a proliferação dessas bactérias e a infecção, tanto na boca quanto em outros órgãos?

A cavidade bucal já é colonizada por essas bactérias que causam a doença periodontal. Porém, o descuido com a falta ou o mal uso do fio dental, principalmente, e com a escovação, podem levar a um desequilíbrio, no qual bactérias mais patogênicas (mais capazes de produzirem a doença) podem aumentar de proporção em relação às bactérias mais benéficas. O uso contínuo e bem realizado do fio dental e da escovação ajudam a evitar que esse desequilíbrio ocorra, juntamente com o crescimento exagerado do biofilme dental. Como a gengivite e periodontite, na maioria das vezes, não causam dor, é importante que as pessoas façam exames com intervalos de seis meses a até um ano. Em hospitais, é necessária a atuação de cirurgiões-dentistas em pacientes internados.

Por que alguns estudos falam que não se deve fazer limpeza dentária no tratamento de pacientes com periodontite?

Se o paciente que possui periodontite realizar apenas a limpeza de consultório e não a raspagem e a descontaminação das raízes de forma adequada, pode ocorrer a agudização em poucas semanas ou meses. Isso é bem descrito na literatura. Em casos de bolsas periodontais profundas, a limpeza pode fechar a bolsa, caso o procedimento de descontaminação das raízes não seja realizado em seguida, o que leva a abscessos graves. Não é, porém, que o paciente não deva fazer a limpeza. Pelo contrário, precisa realizar. Mas, se for diagnosticado periodontite, o dentista deve estar atento, avisar o paciente de sua condição e sempre controlar infecções antes de dar continuidade a qualquer outro procedimento.

Sérgio Braga é mestre em periodontia pela Universidade Guarulhos (UnG/SP), doutor em microbiologia e imunologia pela Unicamp/SP e Université Laval, no Canadá, cirurgião-dentista em consultório particular e professor no Instituto Ifar/DF

*Estagiária sob a supervisão de Sibele Negromonte

 

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