Você já deve ter ouvido falar que exercícios físicos são importantes no combate a doenças mentais, como ansiedade e depressão. Mas entender, na prática, como essa influência funciona nem sempre é tão fácil. Para tornar efetivo o hábito de se exercitar durante o tratamento é importante entender, antes de qualquer coisa, que durante uma crise aguda não será fácil ter motivação para realizar essas atividades.
A médica psiquiatra Gianna Guiotti explica que, antes do incentivo às atividades físicas, é necessário, muitas vezes, uma remissão inicial dos sintomas para que não haja, posteriormente, um sentimento de falha ou fracasso por não dar continuidade à rotina de malhação. Tudo é uma questão de equilíbrio. Quando inserida aos poucos, essas atividades, naturalmente, vão se tornando um hábito efetivo, com inúmeros benefícios para a saúde do paciente.
A Organização Mundial da Saúde recomenda, em média, 150 minutos de exercícios por semana — logo, 20 minutos por dia já seriam suficientes para o equilíbrio da saúde mental. Nesse caso, o movimento é a prioridade, não é a quantidade de pesos ou o número de repetições que vão determinar a produção dos hormônios e o bem-estar do paciente. O corpo precisa apenas ser estimulado com constância para um bom funcionamento de todas as suas partes.
A endorfina é um dos hormônios liberados na prática de exercício físico. Conhecida como um dos hormônios da felicidade, ajuda diretamente no controle emocional, inibindo sensações de irritação, reduzindo a dor e aumentando o prazer. A constância das atividades melhora, ainda, a cognição, produz novas células cerebrais, aumenta a capacidade de memória em até dois anos, rejuvenesce o cérebro, reduz o estresse, melhora a qualidade do sono.
Para além da esfera fisiológica, os exercícios físicos, quando impactam o físico e o social, funcionam, também, como forma de tratamento para transtornos psicológicos. A professora de educação física do Ceub Hetty Lobo explica que o ambiente reservado para essas atividades promove trocas muito importantes. Seja entre os próprios alunos — quando feitas em grupo —, seja com os professores — quando executadas individualmente —, o esporte vai promovendo a interação, aprimorando os relacionamentos sociais e, consequentemente, tirando o indivíduo do isolamento.
Outra esfera que atinge diretamente as questões do psicológico e precisa ser levada em conta são as mudanças físicas resultantes dessas atividades — ou da falta delas. Mesmo que as transformações corporais não devam ser colocadas como prioridade, a melhora da autoestima relacionada aos exercícios é um fator importante para a saúde mental.
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Profissionalização
Isadora Ferreira, 19 anos, desde criança sempre foi uma amante do universo dos esportes, passando pelo judô, balé, parkour, funcional, spinning, e a lista só aumentava com o passar dos anos. Mas, com a chegada da pandemia, precisou se afastar das práticas. A consequência da falta de movimento afetou diretamente o físico da estudante, que, meses depois, não estava mais satisfeita consigo mesma. Com a cabeça cheia, a ansiedade só ia aumentando e, junto com ela, essa pressão com o próprio corpo — os quilos ganhos já não eram mais o foco, ela não se sentia internamente bem.
Mesmo leiga no assunto, Isadora resolveu começar a estudar um pouco sobre nutrição e musculação. Seguindo profissionais da área nas redes sociais, vendo vídeos, lendo artigos, foi se apaixonando pela área, e, ainda em casa — por conta da quarentena —, resolveu voltar a se exercitar para ocupar a cabeça.
Quando os resultado estéticos foram chegando, ela já tinha se entregado para os novos hábitos por inteiro, o que deu apenas mais motivação para continuar na rotina saudável. Quando os números de mortes por covid foram diminuindo, a estudante logo voltou para a academia para poder focar mais ainda na musculação e nos exercícios aeróbicos. Muito mais do que pela estética, mesmo que ela tenha sido um fator chave para dar início aos hábitos, Isadora já está há um ano e meio se exercitando com frequência e, após tanto envolvimento, resolveu cursar nutrição na faculdade para aprender ainda mais sobre o assunto.
O exercício tem que ser prazeroso
Existem inúmeras opções para se exercitar — natação, funcional, spinning, calistenia, crossfit, musculação, futebol… Na hora de escolher a modalidade, opte por um exercício com o qual você tenha afinidade. Esse momento, antes de tudo, precisa ser prazeroso para poder ser durável. A persistência é muito importante para a eficácia do tratamento.
A educadora física acrescenta que as conquistas, muitas vezes, servem de estímulo para a disciplina. "O ideal é experimentar várias modalidades até que encontre uma que lhe dê prazer, sem que haja um sentimento de culpa ao faltar aos treinos. Não procure atingir metas que estão fora do seu nível de habilidade e prazer", aconselha Hetty Lobo.
Quando a prioridade vai além do físico, a escolha do horário, do ambiente, da distribuição do treino vira mero detalhe. É sempre aconselhável optar pelo ambiente que se encaixe melhor na rotina e que cause um menor nível de desconforto ao ser realizado. Preparar os itens necessários para a realização no dia anterior, trabalhar em uma alimentação balanceada e prescrita por um profissional, escolher boas músicas, convidar os amigos são algumas formas de tornar esse esforço ainda mais simples.
Luiza Borges, 21 anos, mesmo sem gostar muito do ambiente da academia, sempre reconheceu a necessidade dos esportes na sua vida. Após uma lesão na dança, precisou, ainda com 15 anos, começar a musculação, mas não se adaptou. Alguns anos depois, com uma rotina de exercícios já estabelecida no pilates, resolveu dar uma nova chance ao mundo dos ferros e pesos.
A estudante de nutrição reconhecia a importância daquele hábito angular, que trazia benefícios para todas as esferas de sua vida. Antes de se acostumar com o novo ambiente, precisou lidar com o luto. A perda de seu pai ressignificou aquele lugar, que antes trazia tanto estresse. A musculação ia se transformando em terapia, e as horas na academia eram o único momento do dia de despejo dos próprios problemas.
Diante do processo de luto, Luiza não conseguia se dedicar à faculdade e, muitas vezes, levantava da cama apenas para se exercitar. Com o passar dos meses, foi reconhecendo o tamanho do benefício que as atividades tinham para a sua vida e sentindo diretamente a recompensa que o movimento trazia para a sua saúde.
A causa e a cura
Allan Luiz Nogueira da Cruz, 41 anos, sempre foi apaixonado pelo mundo dos esportes, mas por conta das condições financeiras só conseguiu se dedicar às práticas após o término da faculdade. Muito rápido aquele sonho de criança virou essencial para sua sobrevivência, tanto física quanto mental.
Depois de uma série de lesões, Allan precisou ir, aos poucos, abandonando algumas das modalidades que gostava de praticar, como o esporte motor. Sem conseguir ficar parado, durante fisioterapias de recuperação, foi se envolvendo com os esportes aquáticos. Em pouco tempo, a natação virou triathlon e o vício em competição voltou a ser uma realidade.
A ansiedade movia a busca por novos desafios, mas também consumia o atleta. Novos amigos, novas experiências, novas frustrações, aquilo que nutria a alma, muitas vezes, era o que estava o destruindo. Allan precisou ressignificar sua jornada no esporte após um mal súbito em uma competição preparatória para o Iron maiden.
"Acordei no hospital entubado, com soro, oxigênio, confusão mental, taxas alteradas, cheio de eletrodos e num quadro de superaquecimento, desidratação e hipoglicemia severas", recorda-se. Sem lembrar de nada, com muitas dores, sem controle do corpo, pensou que aquele era seu último dia. O esporte, que era o salvador, naquele momento, estava o destruindo.
Ele recebeu alta com diagnóstico de um AVC isquêmico na região occipital direita que comprometeu 2/3 da região. Sem sequelas e com uma recuperação rápida, o esporte voltou para a sua rotina. Com um pouco mais de cautela, os treinos foram sendo inseridos de novo nos seus dias — além do prazer e do alívio do estresse, eram recomendações médicas para prevenção de novas doenças.
*Estagiária sob a supervisão de Sibele Negromonte
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