Nas últimas semanas, a estética brasileira ou "brazilcore" se tornou alvo de discussões nas redes sociais, principalmente no aplicativo de vídeos curtos TikTok, onde diversos usuários afirmavam que as cores e as roupas da seleção de futebol se tornaram tendências mundiais. Isso ocorre em um momento em que as cores da bandeira nacional, principalmente o verde e o amarelo, que nos últimos anos têm sido associadas a figuras do campo político de direita, sofre forte rejeição por parte da população. A poucos dias das eleições e da Copa do Mundo, marcas e influenciadores tentam resgatar esse espírito de brasilidade.
Para Mateus Gamba Torres, professor adjunto do Departamento de História da Universidade de Brasília (UnB), os símbolos e as cores têm importância desde a formação dos Estados, pois contribuem para a construção da nação como coletividade e identidade do seu povo. O docente lembra que, ao longo da história, ocorreram diversos momentos em que fatores visuais foram apropriados em prol de algum objetivo político. E ressalta que o que explica o contexto atual foram as movimentações que ocorreram, principalmente, após 2014.
Desde então, um discurso de "nós contra eles", que colocava os que usavam camisas da Seleção Brasileira e carregavam bandeiras do país eram os verdadeiros nacionalistas. E quem vestia ou escolhia outras cores era contra o progresso ou inimigo. Tal conjuntura foi apropriada pelo governo vigente e seus apoiadores e é reverberada até o momento.
"Cores são de todo o povo brasileiro, não pertencem a somente um grupo. Partidos que não usam verde e amarelo não são menos patriotas", afirma Mateus. Nesse contexto, existem figuras públicas se manifestando e tentando retomar os símbolos nacionais, em sinal de resistência.
Em abril, o rapper Djonga sinalizou nessa direção ao vestir uma camisa amarela da seleção no Breve Festival e afirmar: "Os cara acha que tudo é deles né, eles se apropria do tema família, eles se apropria dos nosso símbolos, os cara se apropria de tudo. Mas é o seguinte: é tudo nosso e nada deles." (sic). A cantora Anitta, crítica ao atual governo, também vestiu o verde e amarelo em apresentação no festival Coachella nos Estados Unidos. Internacionalmente, a modelo trans Alex Consani, que tem brilhado nas passarelas das maiores grifes mundiais, apareceu com uma camiseta do Brasil.
Mesmo com progresso nesse campo, o professor acredita que pode demorar para a população dissociar as cores nacionais da política. Ele acredita, porém, que, com o tempo, isso pode ocorrer. Principalmente porque neste ano a Copa do Mundo não ocorrerá ao mesmo tempo que as eleições presidenciais, o que tende a deixar os ânimos menos acirrados.
Azul como alternativa
Outros fatores podem evidenciar o movimento cauteloso da volta do uso de vestes do time nacional. A nova blusa azul da Seleção Brasileira esgotou em menos de uma hora após seu lançamento, e muito se deve ao fato de que ela não foi tão apropriada por campanhas políticas quanto a blusa amarela.
Amanda Cravo, proprietária do Brechó do Cerrado, viu em seu pequeno negócio essa tendência. Ao garimpar e colocar à venda uma blusa azul antiga da Seleção, a peça foi muito requisitada e vendida em apenas 15 minutos. “Acredito que, apesar de as pessoas ainda associarem bastante a um grupo político, essa relação deve parar de acontecer”, afirma a empreendedora.
Mirelly Cruz, designer de moda e produtora de conteúdo, acredita que a tendência do verde e amarelo seja fabricada pela força das redes. “Por que é tendência só quando tem estrangeiros usando?”, questiona. “Foram poucos os casos de pessoas utilizando cores e camisas do Brasil lá fora e, depois, o que vimos foram os próprios brasileiros tentando criar conteúdo para falar que, sim, é uma tendência.”
Para Mirelly, a situação evidencia o elitismo, já que blusas do tipo já são utilizadas há muito tempo nas periferias, e a síndrome de vira-lata, que só passou a valorizar a estética após ser utilizada por pessoas que não fazem parte da nação.
No estilo e no conforto esportivo
Polêmicas sobre o uso de verde e amarelo à parte, o que foi, sim, observado como preferência crescente nos últimos anos é a moda voltada para o conforto e o esportivo. Para a designer Mirelly Cruz, a tendência sportwear e o crescimento do segmento foi influenciada pela crise sanitária da covid-19 e pelo retorno da moda do início do século. “Desde 2010, vemos esse movimento do uso de tênis e, pouco antes do início da pandemia, vimos os shorts bikers e as jaquetas puffers retornando. O conforto que a pandemia nos fez querer só acelerou ainda mais esse movimento que já existia no mercado”, esclarece.
Para apostar no estilo, Mirelly afirma que não existe segredo, mas que quem se interessa pode começar com itens que todo mundo ama, como tênis, bermuda biker e corta vento. A especialista aconselha a busca por inspirações para encaixar a tendência com mais facilidade no seu estilo próprio, tanto na escolha por estética quanto pelos locais em que serão usada, como ambiente de trabalho ou lazer. “A única ressalva é o bom senso. É importante sempre se perguntar se aquilo condiz com a ocasião”, ensina.
*Estagiária sob a supervisão de Sibele Negromonte
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