MODA

Bolsa ‘saco de lixo’, brincos de cadarço… A moda foi longe demais?

Muitas criações carregam mensagens que transcendem as passarelas, mas há quem pense que a moda está indo longe demais

Assistir a um desfile costuma ser algo intrigante para muitas pessoas. Ultimamente, roupas, calçados e acessórios controversos vêm chamando a atenção e rendendo vários memes na internet. Em teoria, os desfiles comerciais apresentam o ready-to-wear (pronto para usar, na tradução para o português), com tendências emergentes de alto potencial de reprodução e viralização. Os de alta-costura, por sua vez, lançam mão da exclusividade, deixando a funcionalidade em segundo lugar, o que leva uma parte do público — principalmente a que não é tão envolvida com moda — a questionar quem realmente usaria essas vestimentas.

Natália Vargas, especialista na WGSN, empresa líder em tendências de comportamento e consumo, explica que as novidades são resultado da plena transformação de fatores socioeconômicos, políticos e culturais. Acontecimentos em ascensão influenciam como as pessoas vão se apresentar para o mundo e quais cores, tecidos e modelagens serão relevantes em uma próxima temporada.

"Na base da pirâmide de disseminação de uma tendência, há um grupo que equivale a 2,5% da população, os considerados inovadores, como artistas e designers, responsáveis por captar sinais e traduzi-los em produto", detalha. Quando essas formas de expressão chegam aos shows mais conceituais, grandes etiquetas usam seus conhecimentos e técnicas para mostrar peças com impacto artístico.

Mais recentemente, chegou às lojas físicas da Balenciaga a Trash Pouch, uma bolsa inspirada em um saco de lixo, custando R$ 9.421. Em resposta à discussão polarizada que causou, Demna Gvasalia, atual diretor da grife espanhola, disse que "não poderia perder a oportunidade de fazer o saco de lixo mais caro do mundo, porque quem não gosta de um escândalo de moda?". Segundo Natália, os modelos mais polêmicos servem para isso mesmo, causar impacto. "Esse impacto, muitas vezes, gera engajamento nas redes e a venda de outros produtos da marca", completa.

O desfile em questão acontece no meio de uma tempestade de neve. Tal conceito foi inspirado na guerra da Ucrânia e a bolsa saco de lixo, na maneira como os refugiados fugiram de suas casas, carregando pertences em sacos durante uma tempestade. "Poucas pessoas conseguiram entender. Ideias assim não são de 'fácil digestão' e causam incômodo, porque, aqui, a arte assumiu um olhar crítico", analisa Lina de Albuquerque, professora de design de moda do Centro Universitário Iesb.

Reprodução / Balenciaga - Apesar de ter chegado só agora às lojas, a bolsa foi anunciada no desfile de inverno da Balenciaga, em março deste ano
Divulgação - Após o lançamento dos Paris Sneakers, a Balenciaga ficou nos top trends das redes sociais, em especial, no Twitter
Divulgação/Balenciaga - Bolsa com "tecido de toalha", da italiana Bottega Veneta, custa R$ 20 mil
Divulgação/Balenciaga - Toalha embrulhada? Bolsa virou meme
Reprodução/Instagram - A inspiração para esta plataforma nada basiquinha da marca Tania Marcela foi cerâmica, pedras e vibes de fantasia
Divulgação/Marine Serre - Aqui, as maxi argolas bebem das tendências Y2K dos anos 2000, mas chamam a atenção pelo tamanho exagerado
Divulgação/LOEWE - A espanhola Loewe propôs bota com formato de sacola

Neste ano, a marca trouxe o Paris Sneakers, que aparentam estar sujos, rasgados e destruídos, com direito a furos. Uma das justificativas é que os tênis seriam feitos para serem usados por uma vida inteira.

A professora reforça que, comercial ou conceitual, um desfile é como se fosse uma expressão em movimento, cujo objetivo é apresentar criações, mesmo que algumas peças não sejam comercializadas — o que acontece quando não há produção em série do item e ele acaba vendido com a exclusividade de uma obra de arte.

Democratização da moda

Nem tudo é feito para ser vestido, como vimos, mas muitas tendências polêmicas vêm, sim, dando as caras fora das passarelas. Essa ideia ganha força com a democratização da moda, antes usada pelas pessoas mais ricas para anunciar o que era "bom e belo", e por causa da forte ligação com o streetstyle, que vem da rua, como o próprio nome diz.

Assim, não se fala mais tanto em um manual do que se deve vestir. "Hoje, é possível transitar entre o fantástico e o casual conservador. E é importante que cada um de nós tenha conhecimento suficiente sobre o que gosta para não virarmos vítimas da moda." Uma dica para tornar as peças menos convencionais "usáveis", é misturar itens conceituais com básicos. "Uma blusa com max ombreiras e calça jeans; regata branca com saia de volumes; ou regata branca e jeans com tênis super colorido", exemplifica Lina.

Há, ainda, uma explicação para o porquê nos acostumamos com tendências que pareciam tão estranhas de início. Natália volta a explicar que uma das etapas da disseminação de uma tendência é a readequação, quando um grupo (early adopters) adapta o estilo da passarela para um visual que pode ser compreendido com maior facilidade pelo público. "Essa reinterpretação e repetição em diversos lugares faz com que as pessoas se acostumem com o que antes era impensável e intangível. Com as redes e mídias sociais, esse processo se tornou ainda mais veloz e de maior alcance", justifica.

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