Com a globalização, a cultura e as sabedorias tradicionais de outros países têm se popularizado mesmo a longas distâncias. É o caso da medicina chinesa — conjunto de técnicas e práticas integradas que visam trabalhar o ser humano de forma integral. Institucionalizada no Sistema Único de Saúde (SUS) desde 2006, está presente em quase 80% dos municípios brasileiros e em todas as capitais, segundo os dados mais recentes divulgados pelo Ministério da Saúde.
Priscila Almeida Andrade, professora vinculada ao curso de Saúde Coletiva da Universidade de Brasília - campus Ceilândia (FCE/UnB), explica que a prática da medicina tradicional chinesa (MTC) visa a promoção de saúde, prevenção de doenças e tratamentos. Foca na busca de restabelecer a vitalidade e o equilíbrio físico e mental na condição e fase de vida da pessoa. O foco não se concentra em partes do corpo nem na doença. “Quem busca o cuidado das terapias integrativas é ativo no processo. O vínculo terapêutico é um grande diferencial. As PICs são, também, um caminho para a autotransformação. Promove mais vida nas vidas”, pontua.
Isso ocorre porque a técnica entende que muitas enfermidades têm raízes profundas no estilo de vidadimensões emocionais e transgeracionais de uma família, que se expressam no corpo. Priscila esclarece que a MTC agrega de modo complementar às abordagens biomédicas e farmacológicas do cuidado à saúde. “As Práticas Integradas Complementares de Saúde (PICS) realizam um cuidado integral de modo multiprofissional, que pode ser oferecido desde atenção primária até a hospitalar para os diferentes ciclos de vida (do nascer ao morrer). Há abordagens individuais e outras coletivas", afirma.
Estabilidade
Além do tratamento de forma integral, um dos objetivos é fortalecer o organismo. "Esse processo de manter-se saudável se dá por meio dos canais energéticos que circundam todo o corpo humano e que são os responsáveis pelo transporte das energias, dos fluidos corpóreos e do sangue", afirma a terapeuta em medicina chinesa Rogéria Alves. Isso explica o porquê de, segundo a prática, tudo estar conectado e de que não existe problema isolado.
A MTC tem outra questão de destaque: de toda emoção estar conectada com um órgão ou parte do corpo. "A teoria chinesa defende a ideia de que a inteligência reside em cada célula, tecido e órgão, e que os diferentes sentimentos estão alojados em diferentes órgãos. Assim, de maneira superficial, pode-se dizer que, segundo a teoria, o sentimento de tristeza reside no pulmão; o de alegria, no coração; o de medo, nos rins; o de raiva, no fígado; e no estômago são abrigados os pensamentos e o estado de ficar pensativo", detalha Rogéria.
As práticas mais conhecidas são a acupuntura, a moxabustão e a auriculoterapia. Os três seguem o mesmo princípio: de que existem pontos no corpo humano por onde a energia circula e que, quando em desequilíbrio, geram os mais diversos problemas, como inflamações, dores e infecções. A acupuntura é o procedimento com agulhas; a moxabustão com queima de ervas, produzindo calor perto da pele, e a auriculoterapia um procedimento em que são colocadas pequenas agulhas ou sementes fazendo pressão em pontos da orelha que representam outras partes do corpo.
Saiba Mais
Além dessas práticas, existem outras, que podem complementar ou ser as principais, explica Ana Carolina Ferreira, fisioterapeuta e acupunturista do Lian Huá Espaço Terapêutico. Segundo a profissional, são exemplos a fitoterapia e as fórmulas magistrais chinesas, que consistem em terapias medicamentosas com substâncias de origem vegetal e/ou mineral; a dietoterapia, que visa adaptar a alimentação para as necessidades específicas do enfermo; a ventosaterapia, tratamento com ventosas para facilitar a circulação sanguínea; as massagens corporais e formas de medicação com objetivo terapêutico.
"Esse conjunto de métodos torna a medicina tradicional chinesa uma proposta terapêutica muito rica, que abrange o cuidado integral para o equilíbrio da saúde de todos", completa Ana Carolina. Isso significa que os tratamentos podem ser adaptados não somente para o tipo de doença que acomete a pessoa, mas também para diferentes momentos da vida e realidades.
Movimento
Além dos tratamentos individualizados, existem práticas que podem ser realizadas em grupo, como é o caso do Lian Gong. A atividade física tem o objetivo principal de tratar e prevenir dores no corpo, desequilíbrios nas articulações, tendões e disfunções dos órgãos internos, segundo a facilitadora do exercício Elayne Pereira. Criada em 1974 pelo ortopedista chinês Zhuang Yuan Ming, tem como base as artes corporais milenares incorporadas a conhecimentos da medicina ocidental.
"O Lian Gong em 18 terapias, é composto de três partes, com exercícios simples e de fácil execução, acessíveis a todos", assegura Elayne. Com diversos benefícios para o corpo, é ofertado para toda a população há nove anos no Parque Bosque Sudoeste, às segundas, quartas e sábados às 8h30. Nos demais dias, Elayne e o marido, Alexandre Wagner, conduzem aulas on-line, via Instagram (@elayneapereira), costume que surgiu durante a pandemia e nunca mais parou, pois, dessa forma, conseguem levar a prática para ainda mais pessoas.
As atividades, além de proporcionarem equilíbrio e bem-estar, geram integração entre os moradores da região, que praticam juntos e trocam experiências. Nas práticas, tem participado, com frequência, entre 30 e 40 pessoas, de acordo com Elayne. Mas ela ressalta que o grupo é formado por mais de 100 participantes, que, inclusive, se reúnem para realizar outras atividades, como artesanato, horta comunitária, crochê, entre outras.
Desse modo, a prática tem uma grande importância: é capaz de trazer conforto, trabalhar diversos hábitos de vida e criar um vínculo terapêutico. "É um dos primeiros registros sobre o tratamento dos desequilíbrios em saúde observado na humanidade", complementa a acupunturista Ana Carolina. Pode ser uma porta para a possibilidade de viver uma vida mais leve, observando os hábitos, as emoções e o autocuidado, além de ser um incentivador para o autoconhecimento e maior qualidade de vida.
*Estagiária sob a supervisão de Sibele Negromonte