Durante a introdução alimentar, a criança recebe inúmeros estímulos das mais diversas esferas da vida, mas o papel da família nesse processo tem um peso diferente e perpassa todas as fases do desenvolvimento desse ser em formação. Muito mais que o alimento em si, a nutricionista comportamental Larissa Cerqueira explica que a introdução de hábitos é uma das primeiras maneiras de a criança se reconhecer, individualizar e buscar o pertencimento.
Como o primeiro contato fica restrito à mãe, no aleitamento, a presença paterna nos próximos passos tem uma importância ainda maior. E não existe melhor forma de exercer essa influência do que com o exemplo, ainda mais quando se trata desse ser humano que ainda está em processo de construção de senso crítico e opinião.
A nutricionista cita o pensador Albert Schweitzer para reforçar a ideia: "Dar o exemplo não é a melhor maneira de influenciar os outros. É a única". Da primeira fruta oferecida à criança até um jantar comemorativo em que ela é convidada para acompanhar a família, todos os movimentos dos pais são observados e, pouco a pouco, reproduzidos pelos pequenos. Os hábitos dos pais são, portanto, fatores determinantes na saúde do filho.
Muitas vezes, é necessária uma reeducação antes da chegada de um filho. A motivação precisa ser mais do que a paternidade para ser efetiva. Apenas fatores externos não serão suficientes. "A motivação em se propor uma reeducação alimentar pode até ser a preocupação com a saúde dos filhos, mas, dificilmente, só isso será suficiente para que a mesma seja sustentável", completa Larissa Cerqueira.
Na prática
A mudança de hábitos precisa ser uma escolha genuína dos pais para, assim, conseguir dar esse exemplo para as próximas gerações. Um dos conselhos do nutricionista Kleber Almeida é transformar esse momento em uma cerimônia com foco na nutrição. Colocar o alimento como a prioridade desse momento, evitando as distrações externas, será essencial para melhorar a relação com a comida.
Sentar à mesa durante as refeições, sem estímulos, como televisão, música alta e celulares, e compartilhar sempre que possível esse momento com a família, vai facilitar as questões alimentares, além de estreitar laços e criar boas memórias. "A oferta de carinho e afeto associada ao momento da alimentação é saudável, inspira e gera significado benéfico quando o alimento é apresentado num contexto de troca, conexão, com conversas e oferta de tempo de qualidade", acrescenta Larissa.
Saiba Mais
A preocupação com a qualidade, variedade e procedência dos alimentos também deve ser levada em consideração. Fazer uma lista de compras pensando nas reais necessidades da casa, pesquisar diferentes formas de preparar esses alimentos, se aventurar nas combinações e receitas, buscar por mercados com opções menos industrializadas, são algumas formas de tentar trazer para dentro de casa pratos mais coloridos e ricos em valores nutricionais.
Existem alguns métodos para transformar essa relação com a comida em uma atividade leve e prazerosa para o pai e ajudar na hora de influenciar positivamente os filhos. Incluir os pequenos em algumas etapas da preparação é um deles. Descascar, lavar, mexer, atividades simples que não tragam risco às crianças são ótimas para incluí-las nesse momento e fazer da alimentação saudável um prazer para ambos.
Ainda pensando em aproximar esses três — pai, filho e alimento — e melhorar a convivência deles, Kleber sugere uma técnica de montar um prato só para toda a família. "Serve o almoço, por exemplo, em apenas um prato, e coloca talheres para todos comerem juntos. Isso transmite confiança para a criança, além de tornar o momento mais divertido"
Exemplo seguido
O comportamento alimentar é construído no dia a dia. O exemplo está nos pequenos aos mais drásticos gestos. O biólogo Joaquim Maia, por exemplo, motivado por questões ambientais e valores políticos parou de comer alimentos de origem animal ainda quando os filhos eram pequenos.
Mesmo sem impor que os filhos e a esposa seguissem o mesmo caminho, o consumo de carne dentro da casa foi gradualmente sendo reduzido por todos. Anos depois, inspirado pela mudança do pai e por já não consumir mais essa proteína dentro de casa — por não ser mais ofertada —, o estudante Tiago Maia tomou a decisão de também virar vegetariano.
O exemplo da mudança de hábitos não fica restrito exclusivamente à alimentação, mesmo que essa comece antes. A motivação para a prática de atividades físicas, por exemplo, também pode vir de berço. Sem impor uma modalidade e uma frequência específica, incentivar e participar desses primeiros contatos com os esportes proporciona uma troca muito interessante. Kleber explica que apenas dessa figura se mostrar presente e disposta a experimentar os novos estímulos com a criança ela já vai ter uma experiência completamente diferente com a prática dessas atividades.
O pai, ou quem ocupa esse lugar na vida da criança, detém de uma oportunidade única de contribuir ativamente com a saúde física, mental e autoestima dessa criança em formação. Criar uma criança que se relaciona de forma saudável com a comida e com o corpo é essencial e, para isso, antes de tudo, é necessário que o adulto trabalhe nele essas questões. Não adianta esperar de uma criança o que não foi para ela oferecido dentro de casa.
*Estagiária sob a supervisão de Sibele Negromonte