MINAS GERAIS

Casarios, queijos e vinhos locais formam Serro, município mineiro

Uma visita à cidade do Serro é como uma volta ao passado. Igrejas centenárias, casarios preservados, queijos e vinhos produzidos na região fazem do local um dos mais bonitos de Minas

Denise Rothenburg
postado em 21/08/2022 08:06 / atualizado em 22/08/2022 14:17
 (crédito:  Denise Rothenburg/CB/D.A.Press)
(crédito: Denise Rothenburg/CB/D.A.Press)

No centro da cidade do Serro, quem chega tem a sensação de voltar no tempo em que ouro e diamantes jorravam na região de Minas Gerais. Recheada de tradições e prédios imponentes cuidadosamente preservados, o local merece o nome pomposo que recebeu ainda nos tempos do Império, quando o Arraial de Lavras Velhas foi batizado como "Vila do Príncipe", em 1714.

Sentar-se à mesa do café da praça, tomar um vinho produzido a menos de 50 quilômetros dali, acompanhado de queijos premiados forjados nas fazendas próximas e simplesmente admirar os casarões antigos já vale a visita a esta pequena localidade que parece suspensa no tempo.

  • Revista - Turismo na cidade mineira do Serro Denise Rothenburg/CB/D.A.Press
  • Revista - Turismo na cidade mineira do Serro Denise Rothenburg/CB/D.A.Press
  • Nas placas, o nome atual da rua e como era conhecida Denise Rothenburg/CB/D.A.Press
  • Interior da Igreja Santa Rita, cartão postal da cidade Denise Rothenburg/CB/D.A.Press
  • Altar da Igreja Nossa Senhora do Carmo, uma das quatro da região central de Serro Denise Rothenburg/CB/D.A.Press
  • Apresentações culturais costumam movimentar as noites do município de Serro Márcio Clementino

O Serro, entretanto, vai muito além desta experiência. A pequena cidade e seus arredores guardam surpresas para todos os tipos de turistas. Do ecoturismo das cachoeiras, às igrejas erguidas nos tempos do Império, passando pela degustação de vinhos olhando os parreirais da Quinta da Matriculada e visitas a, pelo menos, dois dos cinco distritos, há programação para mais de uma semana.

Só de cachoeiras são mais de cem. Até quem é da região tem dificuldade sobre qual ir primeiro: Carijó? Moinho de Esteira, onde um moinho antigo é cenário obrigatório para uma foto? Malheiros? Cascatinha? Se tiver tempo, visite todas.

Turismo religioso

Paralelamente ao ecoturismo, o visitante pode — e deve! — reservar um tempo para visitar as igrejas. Só na região central da cidade, que tem pouco mais de 20 mil habitantes, são quatro: a icônica Santa Rita, cartão postal do Serro, de onde se avista todo o centro histórico; a Igreja de Nossa Senhora do Carmo, em frente à Prefeitura Municipal; a Igreja da Matriz; e a de Bom Jesus do Matosinhos.

E, aos mais descolados, que não perdem um show e locais alternativos, a pedida são os distritos de São Gonçalo das Pedras e Milho Verde, que, no mês de setembro, terá show de Zé Ramalho. A icônica igreja de Milho Verde já foi, inclusive, capa de um disco de Milton Nascimento, que já esteve casa na região.

O cuidado de seus moradores para com sua história rendeu ao Serro a honra de ser o primeiro município brasileiro a ter seu conjunto arquitetônico e urbanístico tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico Nacional, o Iphan, em abril de 1938, um século depois de ser elevada à categoria de cidade, em março de 1838. E, se tiver oportunidade de entrar em uma de suas casas antigas, não perca tempo.

Para quem aprecia arte sacra e história, um dia é pouco para visitar as quatro igrejas. De preferência, reserve dois. Mas, se tiver apenas um dia, comece cedo pela Igreja de Matosinhos, que está em fase final de reforma, ao lado do Museu da família Otoni, que também vale uma visita, de preferência, com uma parada demorada em seus jardins. A construção é do final do século 18, porém, não há registro sobre a data precisa do início das obras. No forro da capela mor, consta 1797, mas os historiadores acreditam que foi a data da decoração.

A próxima parada é a Igreja da Matriz de Nossa Sra. da Conceição. É a principal da cidade, e tem as torres de madeira mais imponentes das igrejas coloniais de Minas. Os documentos apontam a construção a partir de 1776. Se for fazer a visita num único dia, siga de lá para a Igreja de Nossa Sra. do Carmo, em frente à prefeitura. A construção data de 1780. Ali, guarde fôlego para a subida, antes da última parada, a Igreja de Santa Rita, o símbolo da cidade. De lá, é possível ter uma visão ímpar da cidade e ainda avistar o pico do Itambé. E não se acanhe em terminar o dia com um piquenique no gramado ao lado da igreja, com um queijo do Serro e um... "Vin" de Minas. 

Queijo com selo de qualidade internacional

Antes do almoço em família nas fazendas do Serro, nada mais comum do que abrir um vinho, uma cerveja ou degustar uma cachaça para acompanhar... um queijo. Ou vários. E aí, começa a discussão. Meia cura artesanal ou um queijo comum (de leite fervido)? Curado (maturado) ou industrial? Esse tema é tão sério quanto escolher o presidente da República em outubro.

A discussão pode durar horas. A ponto de atrasar o almoço. Afinal, diversidade de queijos por ali não falta. São 63 produtores só na cooperativa da cidade do Serro, patrimônio cultural da humanidade. De lá, saiu a primeira leva oficial de comercialização de queijo em Minas Gerais. E, apesar de tantos títulos e história, é uma região ainda pouco explorada pelos próprios brasileiros por sua produção de queijos e vinhos. Sim, vinhos, ainda desconhecidos em outros estados.

Os queijos e o gado são o carro-chefe da região há várias gerações. Porém, de uns tempos para cá, os queijos passaram na frente dos bois, no quesito orgulho dos moradores, competindo com o cuidado que eles têm de suas Igrejas e casarões antigos que fizeram do Serro patrimônio histórico e cultural. Alguns produtos já foram premiados na França. E não foi fácil chegar lá. Vários fazendeiros passaram meses, anos, décadas, jogando fora o que poderia ter sido um sucesso.

Que o diga Túlio Madureira, 35 anos, um dos produtores condecorados da região, pioneiro na produção de queijo maturado. Hoje, ele tem uma loja com degustação, parada obrigatória na cidade. Desde pequeno, Túlio acompanhava o pai, Bento José, na entrega de queijo fresco, vendido a R$ 10.

Queijos premiados de Túlio Madureira, na cidade mineira de Serro
Queijos premiados de Túlio Madureira, na cidade mineira de Serro (foto: Ana Maria Fontes)

Adolescente, foi estudar em Belo Horizonte. Aos 16 anos, voltou para o Serro, depois de sobreviver ao fogo cruzado dentro de um ônibus, entre um assaltante armado e um policial aposentado, que defendeu os passageiros. "Inicialmente, eu não queria ser fazendeiro. Mas, naquele dia, dentro do ônibus, pensei: não quero viver assim. Voltei para a minha cidade e comecei a produzir queijo. Foram 10 anos, até começar a maturar. Até então, queijo maturado era considerado estragado", diz ele.

O mofo branco era uma considerado uma praga no Serro. "Ninguém aceitava. A primeira vez em que vi aquele queijo com mofo, pensei: meu Deus! Perdi o queijo! Limpei tudo, joguei fora", conta, lembrando, inclusive, de um técnico da cidade que chegou a escrever que "aquilo era queijo para dar para porco".

Túlio não desistiu. Abriu a própria queijaria em 2013. Depois de jogar 25 quilos fora, a primeira leva, começou a estudar os fungos e ácaros do queijo que produzia. Descobriu o movimento do ácaro na Alemanha, enviou amostras para pesquisadores da Universidade Federal de Santa Catarina. "Foi a chave da virada", diz. Ao receber a visita de um casal de chefs de Santa Catarina, já com os primeiros resultados da pesquisa e a certeza de que aqueles ácaros e fungos não eram nocivos à saúde, ele colocou os queijos "para porcos" para degustação. E foram os mais apreciados.

Quatro anos depois, a insistência de Túlio ganhava o mundo e o título de primeiro queijo maturado com ácaro no Brasil a ganhar uma medalha no mundial da França. Em 2017, Túlio Madureira arrematou a medalha de prata e a de bronze com queijos maturados produzidos a partir do leite da raça Gir, em Tours, o primeiro queijo dessa variedade de leite premiado no mundo. "O que aconteceu comigo abriu caminho a outros produtores", diz ele.

Artesanal e cuidadoso

Outro produtor que se destaca é Eduardo Pires, da Fazenda Ventura. A fazenda produz queijos desde 1940, mas a maturação é recente. Ainda não está aberta à visitação, até porque seus donos são rigorosos com a limpeza da sala de maturação e fazem questão de manter a produção artesanal. Da sua fazenda, saem, no máximo, 400 queijos por mês e Eduardo quer gerir tudo com muita calma e tranquilidade.

Queijo Selo Arte da Fazenda Ventura, de Eduardo e Alice Pires, na cidade mineira Serro
Queijo Selo Arte da Fazenda Ventura, de Eduardo e Alice Pires, na cidade mineira Serro (foto: Denise Rothenburg/CB/D.A.Press)

O queijo da Fazenda Ventura, chamado de "casca florida" após a maturação, é um dos poucos com o Selo Arte, sinal de uma produção atenta aos detalhes, por exemplo, climatização da sala de maturação. Para entrar lá, os cuidados são os mesmos de um médico para ter acesso à sala de cirurgia. Eduardo e a esposa, Alice, cuidam da produção artesanal tal e qual cuidaram das duas filhas, Shayla e Sâmara, que também ajudam na comercialização e divulgação. "Jogamos muitos queijos fora até chegar no ponto", conta ele. Eduardo e Alice têm gado "girolanda", vaca Holandesa e boi Gir.

Para degustar um "vin" tipicamente mineiro

Com tantos queijos premiados e motivo de orgulho para os mineiros, alguns proprietários de terra na região entre o Serro e Diamantina, coroada por belas paisagens e cachoeiras, foram mais longe: começaram a produzir vinho. No cenário, o destaque é a Quinta da Matriculada, parada obrigatória, onde cada detalhe foi cuidadosamente projetado pelo casal Marília e Daniel Barrote, a 22 quilômetros de Diamantina e a 20 quilômetros do Serro. A reportagem do Correio foi a primeira a viver ali uma degustação que, daqui por diante, estará como uma opção de passeio, tanto a partir do Serro quanto de Diamantina.

  • Vinícola Quinta da Matriculada, de Daniel e Marília Barrote, na cidade mineira do Serro Denise Rothenburg/CB/D.A.Press
  • Na varanda da Quinta da Matriculada, de Daniel e Marília Barrote, é possível degustar uma das seis variedades de vinho disponíveis, com vista para o parreiral Denise Rothenburg/CB/D.A.Press
  • Vinícola Quinta da Matriculada, de Daniel e Marília Barrote, na cidade mineira do Serro Denise Rothenburg/CB/D.A.Press
  • Vinícola Quinta da Matriculada, de Daniel e Marília Barrote, na cidade mineira do Serro Denise Rothenburg/CB/D.A.Press

A história da produção de vinhos em Minas começa ainda no século 18. No século passado, Diamantina já era uma região produtora. Na década de 1970, tinha uma estação enológica em Minas, mas Rondon Pacheco levou tudo embora para o Sul e a estrutura foi desativada. No início dos anos 2000, o publicitário João Francisco Meira, que é de Diamantina, resolveu resgatar essa história. Foi o primeiro a plantar. Um sobrinho dele, Matheus, montou o projeto, com 20 produtores. Cada produtor recebeu 400 mudas, syrah, merlot, malbec, pinot noir, e se comprometeu a aumentar para mil metros quadrados. A maioria desistiu do projeto. Marília e Daniel seguiram em frente e hoje são donos de uma das joias da região.

"Começamos em 2011, a propriedade era parte da Fazenda Borbas e, em 2013, tivemos os primeiros vinhos. Era muito experimental", conta Daniel, lembrando que os terrenos não estavam preparados adequadamente. "Foi uma tragédia", completa Marília. Na Argentina, eles começam a produzir a partir de cinco anos, uma videira mais madura. Ali, em dois anos, obviamente, as videiras não estavam maduras. "Hoje, temos orgulho do nosso produto", diz.

Dupla poda

O segredo da produção de vinho em Minas está no processo de "dupla poda", uma técnica que consiste na realização da poda tradicional, no inverno, e uma segunda no início do verão. Assim, o amadurecimento se dá no período da seca, quando o clima lembra o do verão europeu.

As uvas produzidas nos parreirais da Quinta da Matriculada seguem para o processo de vinificação a 40 quilômetros da propriedade, pouco depois de Diamantina. Mas é de frente para as videiras que o visitante degustará uma das maravilhas da região. Deixar-se ficar na varanda da Quinta da Matriculada, degustando um "vin" é o que muitos chamam de chegar ao paraíso em vida.

São seis variedades de vinhos. O carro-chefe é o Vin de Minas (é vin mesmo, do sotaque mineiro quando convida: "Vamos tomar um vinho?"). O Vin de Minas é cem por cento syrah. O outra famoso é o Don Barrote, 70% syrah e 30% tempranillo. Outros vinhos são o Dindou Lee, rosé; Naina, sauvignon blanc e rosé, e o Tão, cem por cento tempranillo. Os nomes foram inspirados nos apelidos da família. Vitor, o filho de Marília e Daniel, desenhou os rótulos. A Naina, mora em Belo Horizonte, administradora.

Assim como o Eduardo e Alice Pires, da Fazenda Ventura, mantêm sua produção de queijos artesanal, Daniel e Marília fazem o mesmo com os vinhos. "Este ano, espero a maior produção. Ainda não conseguimos engrenar, mas estamos trabalhando nessa direção", diz Daniel.

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