Lidar com as primeiras crises convulsivas do boxer Luke, 8 anos, exigiu muito equilíbrio emocional da sua tutora, a advogada Patrice Vasconcelos. O medo de perdê-lo e a sensação de impotência a cada internação lhe assustavam. A primeira convulsão ocorreu repentinamente, quando o peludo tinha apenas 2 anos e estava voltando de um passeio, em 2016. O fato deu início à saga de investigações em busca de um diagnóstico, ainda não definitivo. "A grande suspeita é que seja epilepsia, então, nós o tratamos dessa forma, como um cão epilético."
Assim como Patrice, muitos tutores precisam enfrentar os desafios das doenças neurológicas de seus pets. Com manifestações diversas, há patologias curáveis e incuráveis, contagiosas ou intransmissíveis, passíveis de controle e degenerativas. Neste último caso, por exemplo, o propósito está em proporcionar uma boa qualidade de vida ao animal. Daí a necessidade de veterinários e responsáveis agirem em conjunto para decidirem sobre a melhor conduta a tomar nesta rotina de cuidados.
Entre as causas desses problemas, o médico veterinário Gustavo Fedosseeff, especialista em neurologia clínica e atuante na Neuroclin Pet, cita algumas: fatores genéticos, infecções, doenças vasculares, malformações ou neoplasias. Existem, também, doenças idiopáticas, isto é, de origem não aparente ou conhecida, além daquelas motivadas por traumas (quedas, atropelamentos, brigas etc.), relacionadas, por vezes, a situações de maus-tratos. Entretanto, nem todo sinal aparentemente neurológico vai identificar uma enfermidade com esse princípio. Por isso, a importância de uma investigação prévia do quadro.
Complementarmente, a médica veterinária Clarissa Rocha, mestre em saúde animal e ativa na área de neurologia, destaca que a faixa etária pode facilitar o reconhecimento da patologia. Nos pets mais jovens, doenças de origem genética e infecções são mais comuns; nos de meia idade, há maior frequência de hérnias de disco e doenças traumáticas; e naqueles mais velhos, as doenças neoplásicas ou vasculares predominam. Mas, atenção, não se pode excluir nenhuma possibilidade de diagnóstico segundo a idade do animal.
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Além disso, certas raças têm predisposição a alguns destes problemas. O dachshund, por exemplo, por conta da estrutura anatômica alongada da coluna, pode desenvolver hérnia de disco, enquanto o poodle, devido a sua longevidade, tem tendência a sofrer de disfunção cognitiva. Tal constatação não exclui, novamente, a possibilidade de as demais raças terem esses distúrbios.
De forma geral, cinomose e epilepsia são as doenças neurológicas que mais atingem os pets. A primeira é contagiosa e tem alta taxa de mortalidade; a segunda é crônica e, geralmente, congênita. Ambas não têm cura.
Prevenção e tratamento
A precaução é sempre o melhor caminho. Para isso, medidas preventivas de checapes anuais e informações sobre a genética das raças adquiridas ou dos pais dos pets são passos importantes. Ademais, as vacinas são ótimas coadjuvantes. Já nas situações em que não é possível prevenir, vale atentar-se aos primeiros sintomas como forma de antecipar quadros mais graves e evolutivos.
As opções de tratamento dependerão da patologia e do seu estágio, podendo incluir medicamentos, intervenções cirúrgicas ou mesmo terapias complementares, como fisioterapia, acupuntura e utilização de canabidiol. "O nosso objetivo é sempre dar o melhor aos animais, seja a cura, seja a estabilização do quadro. Tenho pacientes que adquiriram sequelas neurológicas, mas hoje convivem muito bem após equilibrarmos sua condição", completa Rocha.
Mudanças na rotina
Receber a notícia de que Luke precisaria de acompanhamento veterinário constante trouxe transformações no cotidiano da família de Patrice. Como os remédios são controlados, é preciso ministrá-los no horário correto, além de estar ligada a qualquer mudança de comportamento do peludo. Como as crises convulsivas podem acontecer a qualquer hora, a advogada instalou uma câmera para filmá-lo durante a noite. As imagens ficam gravadas, permitindo um maior controle da epilepsia, a quantidade de ocorrências e sua duração.
Atualmente, o boxer convive muito bem com as medicações, os momentos de instabilidade cessaram consideravelmente e já não é necessário interná-lo há dois anos. Carina Vasconcelos, irmã de Patrice e também responsável pelo pet, explica que é preciso desmistificar a ideia de que um animal que convulsiona apenas sofre. "Costumo dizer que cada dia sem crise é uma vitória! Luke vive super bem, mas sempre respeitamos seus limites e disposição, que varia bastante. Uma hora está mais animado, outra hora está mais preguiçoso. No geral, é um cão bastante tranquilo e feliz", completa.
Para a culinarista Fabiana Pereira, as sequelas da cinomose também não são uma barreira para o vira-lata Cristiano, de quatro anos, considerado brincalhão e um grande companheiro. Ele vive com mioclonia, que consiste em contrações musculares muito fortes, involuntárias e rápidas, semelhantes a um "tique". Quando tinha crises, ficava com a boca travada e a cabeça pulsando. O diagnóstico, entretanto, demorou cerca de três meses e chegou a ser confundido com epilepsia. "Foi uma época muito preocupante porque os sintomas eram de uma doença grave. Tive medo de perdê-lo", recorda.
Com inúmeros testes, foi possível chegar às medicações ideais que controlassem suas crises, ministradas três vezes por dia. Hoje, os sintomas estão bastante reduzidos e quando ocorrem, normalmente, são desencadeados por grandes emoções — sustos, medo, picos de ansiedade e até felicidade exacerbada. Mudanças na alimentação também foram necessárias, a fim de evitar que seu estômago fosse prejudicado pela quantidade de remédios, tornando sua dieta rica em comidas naturais.
Para os tutores que passam por situações semelhantes, o veterinário Gustavo Fedosseeff deixa o recado: "Acredite na força de vontade que seu bichinho tem para viver. Em todos esses anos na medicina veterinária, eu nunca vi nenhum paciente desistir de lutar até o fim; eles amam viver e, geralmente, são os humanos que desistem por eles. Acredite sempre".
Saiba como agir em casos de convulsões
A convulsão é uma atividade excessiva e sincrônica de uma área específica do cérebro, podendo se manifestar desde um sinal focal (piscar de olhos com frequência parecendo um “tic nervoso”) até movimentos generalizados (quando o animal se deita de lado, treme, estica as pernas e o pescoço, além de, em alguns casos, urinar ou fazer cocô involuntariamente).
Apesar de comuns em pets, precisam ser investigadas detalhadamente para que suas causas sejam identificadas, já que nem sempre indicam epilepsia. Problemas hereditários, presença de tumor ou infecções, doenças hepáticas, renais e cardíacas também podem ser motivadores. Veja, abaixo, algumas instruções da veterinária Clarissa Rocha para agir corretamente em casos de convulsões:
1. Mantenham a calma para dar a assistência necessária ao seu pet.
2. Apague as luzes para tornar o ambiente mais calmo e afaste os objetos para evitar que ele se lesione.
3. Posicione-o de lado e faça contenção para que o mesmo não se machuque, estabilizando principalmente a cabeça.
4. Em hipótese alguma, insira objetos na boca ou tente segurar a língua. Lembre-se que, ao fazer isso, você pode acabar sendo mordido devido aos fortes tremores do maxilar.
5. Quando a crise acabar, converse com o animal, acalmando-o.
6. Em segurança, encaminhe-o ao seu médico veterinário de confiança para iniciar a investigação diagnóstica.
7. Cronometrar o tempo médio da crise, anotar o horário e a quantidade de ocorrências (até filmar o momento, se possível) fornecem informações importantes para o profissional que cuidará do seu amigo de quatro patas.
Obs.: Em um quadro geral, a depender da origem da convulsão, esse sintoma não levará o paciente a óbito, salvo os casos em que o animal permaneça constantemente nesse quadro e que nenhuma providência seja tomada.
*Estagiária sob a supervisão de Sibele Negromonte
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