Especial

Em busca do equilíbrio

Há cerca de quatro meses, os relatórios do tempo de uso do celular incomodaram o estudante Wander Marçal Dias, 26 anos. Usando o telefone para algumas funções do estágio e passando muito tempo no WhatsApp e no Instagram, ele não gostou de perceber quantas horas por dia estava perdendo encarando a tela.

"Sempre fui um usuário mais contido, não tenho jogos ou coisas assim, mas a pandemia me fez usar mais as redes e acho que acabei me acostumando demais a conversar por ali. Desde que notei esse excesso, me esforcei para diminuir", conta.

Para começar, Wander deletou o aplicativo do Facebook no celular, colocou um temporizador de 45 minutos no Instagram e deixou de seguir contas e perfis de pessoas que não conhecia e de empresas.

"Seguindo restaurantes, tinha dias que eu ficava com vontade de comer sem estar com fome, me dava uma certa ansiedade e também selecionei melhor os conhecidos que sigo, silenciei alguns e hoje minha timeline só mostra meus amigos e coisas que realmente quero ver", acrescenta.

Outras medidas tomadas pelo estudante são bloquear publicidades e nunca navegar pela lupa da rede social, que mostra conteúdos de contas diversas, além de vídeos em alta. As outras redes nunca chamaram muito a atenção de Wander e depois das mudanças, ele notou diversas vantagens.

As horas do dia parecem ter aumentado, ele tem mais tempo e disposição para sair e ver os amigos, ir à academia e até para se concentrar no trabalho e nos estudos. "Quando saímos da tela pequenininha, temos mais tempo para viver e conseguimos aproveitar coisas diferentes".

Wander enxerga uma série de vantagens no uso do smartphone, entre eles, estar sempre informado do que acontece ao seu redor, mas pondera sobre o excesso de notícias negativas. Para ele, é importante não estar alienado, mas se permitir momentos para desligar tudo.

Assistir séries e filmes, jogar vôlei e ler livros físicos são algumas das situações em que o jovem se permite esquecer de tudo que está acontecendo e se concentrar no momento, "desligando" o cérebro.

Ele confessa que em alguns momentos se incomoda com o vício dos amigos, que nem percebem que estão no celular durante conversas ou momentos de interação presencial.

"A tecnologia pode afastar ou aproximar. Durante a pandemia foi muito bom, permitiu a união e ajudava a matar a saudade, mas é importante saber deixar de lado na hora de curtir as pessoas e estar junto no presencial", completa.

Uma vida sem smartphone

O advogado e delegado aposentado Heitor Lacerda Junior, 60, garante não precisar de um celular mais moderno do que o seu LG A39. "Eu não tenho smartphone, nunca tive e não pretendo ter", determina.

Além do LG A39, Heitor tem alguns outros aparelhos mais antigos de prontidão, caso o principal pare de funcionar. Mesmo não tendo nada contra a tecnologia em si, o advogado não enxerga necessidade de estar conectado 24h por dia.

A tentativa de ter um número cadastrado no WhatsApp existiu, para que ele pudesse acessar o aplicativo pelo computador, mas a exigência de um smartphone o desestimulou. Os amigos conseguem chegar até ele através de ligações e SMSs, em casos mais imediatos, alguns tentam mandar mensagem no WhatsApp da esposa de Heitor.

As escolhas de uma vida mais distante da tecnologia se baseiam no cuidado de não se tornar dependente de dispositivos que podem trazer malefícios e sem os quais é possível viver bem.

Comunicações em excesso, como bom dia, orações encaminhadas e cumprimentos de aniversário de pessoas distantes, soam como exagero e como falsa intimidade. "Essas relações forçadas não tem profundidade e as amizades vividas na realidade acabam ficando enfraquecidas. Isso não agrega na qualidade de vida".

Se reunir com os amigos e ter conversas cara a cara são a preferência de Heitor, mas ele confessa ficar de fora de um assunto ou outro entre os círculos sociais por não participar dos grupos de conversa on-line.

Entre as desvantagens que enxerga no uso excessivo do celular, Heitor destaca as lesões por movimento repetitivo, a ansiedade por notificações e até mesmo a distorção de realidade causada por padrões irreais apresentados nas redes sociais.

E são essas preocupações que motivaram Heitor e a mulher a monitorar o tempo que os filhos passam on-line. Sem redes sociais, os adolescentes têm smartphones e WhatsApp, mas não podem levar os aparelhos para o colégio, por exemplo.

"A escola é o momento de se concentrarem nos estudos e eles sabem a importância disso. Para que possam falar conosco em caso de necessidade, eles usam um dos celulares mais antigos", conta.

A ideia é educar os filhos para que eles possam ter uma relação saudável com a tecnologia conforme crescem e se tornam responsáveis pelas próprias escolhas. Por algumas horas por dia, eles têm liberdade para usar os smartphones e a família costuma usar a internet para pesquisar sobre cidades e lugares que desejam visitar.

"Não é uma imposição e muito menos a vontade de criá-los em uma ilha. É uma questão de orientar enquanto eles são jovens, até que alcancem maturidade e tenham autocontrole para usar sem se tornarem reféns das redes", acrescenta.

Heitor completa que enxerga a internet como um mundo com muitas portas, que podem nos levar a lugares e conhecimentos se for usada de maneira inteligente, mas que é importante viver fora dela também.

Como — e por que — desligar o cérebro?

Neurocirurgião, médico do Hospital Israelita Albert Einstein e pesquisador da disciplina de Neurocirurgia da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Marcelo Valadares conta que é frequente ignorar os sinais de alerta de exaustão do cérebro.

E quanto mais esses avisos são deixados de lado, mais a saúde, como um todo, fica exposta. "É importante lembrar que corpo e mente trabalham juntos o tempo todo para garantir nosso bem-estar. Se há algo errado com o cérebro, o corpo sente o impacto diretamente", explica.

A estafa mental, entre outros problemas, pode levar à baixa imunidade. Outras consequências são condições aparentemente inexplicáveis, como dores de cabeça, hipertensão e, até mesmo, problemas gastrointestinais, como gastrites ou úlceras. O paciente também pode sofrer com distúrbios do sono, dificuldade para concentração e irritabilidade.

Quando atinge a exaustão, o sistema nervoso central reduz a atividade de diversas regiões do cérebro, como indicou uma pesquisa da Universidade de Singapura, causando não apenas a sonolência, mas também a lentidão no pensamento.

O sono de qualidade surge como uma das maneiras mais eficazes de manter o cérebro em equilíbrio. Enquanto dormimos, em vez de "desligar", nosso cérebro inicia um dos seus momentos de maior atividade.

Com a consciência ausente, os neurônios processam e arquivam as informações recebidas durante o dia. Além disso, os pesquisadores acreditam que boa parte da "limpeza" de resíduos de atividade cerebral ocorra durante o sono.

O uso de dispositivos eletrônicos com telas, como celulares, computadores e televisão, por exemplo, pode ser prejudicial quando existe o uso excessivo. Esse exagero pode interferir não só no repouso do cérebro ou na qualidade do sono, mas também na realização de tarefas cotidianas.