Palavras, palavras

Está para começar uma nova temporada de discursos. Os políticos estão afiando a língua para despejar palavras de esperança (e algumas mais cortantes e, normalmente, mais interessantes por serem cheias de verdade) — seria uma boa oportunidade de se difundir ideias criativas e frases inteligentes, como aprendemos no passado, mas o mais provável é que vença a mediocridade.

Discursos foram peças literárias importantes. Políticos se esmeravam para oferecer sabedoria, mas hoje estão relegados ao improvido em peças modorrentas, sem brilho, e que refletem bem a personalidade de nossos candidatos a líder. Há exceções, óbvio. Mas grande parte dos discursos é apenas perda de tempo; para quem fala e principalmente para quem ouve.

Pronunciamentos balizaram a civilização, marcaram época; alguns ultrapassam os limites temporais e se transformam em peças de inspiração permanente, como a sofisticação do reverendo Martin Luther King, no auge pela luta dos direitos civis dos negros (hoje afro-americanos), nos Estados Unidos.

"Não é o momento de se dedicar à luxuria do adiamento, nem para se tomar a pílula tranquilizante do gradualismo. Agora é tempo de tornar reais as promessas da democracia. Agora é o tempo de sairmos do vale escuro e desolado da segregação para o iluminado caminho da justiça racial. Agora é tempo de abrir as portas da oportunidade para todos os filhos de Deus. Agora é tempo para retirar o nosso país das areias movediças da injustiça racial para a rocha sólida da fraternidade".

Nelson Mandela, quando tomou posse como presidente da África do Sul, depois de longa temporada no cárcere, menos literário e mais direto, disse como exigia a situação: "Dedicamos o dia de hoje a todos os heróis e heroínas deste país e do resto do mundo que se sacrificaram de diversas formas e deram as suas vidas para que pudéssemos ser livres".

Barack Obama preferiu apostar em palavras de ordem desafiadoras, com um chega pra lá no pessimismo. "E aqui estamos nós, frente a frente com o cinismo e as dúvidas daqueles que nos dizem que não somos capazes, e a quem respondemos com o credo intemporal que representa o espírito de um povo: Sim, somos capazes."

Mas nenhum discurso supera ancestral pronunciamento de Cícero ao repreender Catilina, no parlamento romano. Tão forte que catilinária passou a ser sinônimo de acusação enérgica, de repreensão pública. É um discurso que, se a gente trocar o nome, serve bem para o nosso tempo.

"Até quando, ó Catilina, abusarás da nossa paciência? Por quanto tempo ainda há de zombar de nós essa tua loucura? A que extremos se há de precipitar a tua audácia sem freio? (...). Não sentes que os teus planos estão à vista de todos? Não vês que a tua conspiração a têm já dominada todos estes que a conhecem? Quem, entre nós, pensas tu que ignora o que fizeste na noite passada e na precedente, em que local estiveste, a quem convocaste, que deliberações foram as tuas? (...) todavia, este homem continua vivo! Vivo?! Mais ainda, até no Senado ele aparece (...). Havia outrora nesta República, uma disciplina moral que os homens de coragem puniam com mais severos castigos um cidadão perigoso do que o mais implacável dos inimigos".

Onde andam os Cíceros?