Os maias, olmecas e astecas muito antes da colonização espanhola já tomavam, em seus rituais e banquetes, um tipo de suco de cacau, chamado por alguns deles de “tchocolath”. O cacau, para esses povos, tinha origem divina, sendo que os maias chegavam a comemorar, em abril, o dia de seu deus do cacau: Ek Chuah. O fruto era tão nobre para esses povos que suas sementes eram usadas como moeda. Não por acaso, seu batismo científico, Theobroma cacao, em grego, significa alimento dos deuses. Estudos mais recentes têm apontado que habitantes da região onde hoje se encontra o Equador já preparavam chocolate 1.500 anos antes daqueles da América Central. Isso significa chocolate há 5.300 anos!
A paixão pelo chocolate atravessa os séculos e hoje tudo o que seus apreciadores e fabricantes sonham é que a ciência bata um carimbo definitivo de que um delicioso pedaço de chocolate por dia é uma das melhores atitudes para reduzir nossos níveis de aterosclerose, a doença que mais mata no planeta e responsável pela maior parte dos casos de infarto do coração e derrame cerebral. E os ventos parecem estar soprando nesse sentido! Nos últimos anos, uma grande quantidade de trabalhos científicos tem demonstrado efeitos positivos do chocolate sobre nosso sistema cardiovascular e este parece estar chegando a um status de alimento inteligente.
Os efeitos mais nobres do chocolate estão relacionados à sua grande oferta de flavonóodes, substâncias fartamente encontradas em alguns vegetais e que promovem o bom funcionamento dos nossos vasos sanguíneos. Essas substâncias são as mesmas que fazem a boa fama dos chás verde e preto e da casca das frutas vermelhas, só que o cacau apresenta uma concentração especialmente generosa do subtipo flavanol (epicatequina, catequina e procianidinas), que, ultimamente, tem sido apontado como o componente que mais tem efeito na nossa saúde vascular.
Podemos dizer que o impulso inicial para a série de estudos desenvolvidos com o cacau nos últimos anos foi a observação na década de 1940 e, depois, na de 1990, de que os índios Kuna, habitantes de uma ilha no Caribe Panamenho, raramente tinham pressão alta, mesmo os idosos. O interessante é que os Kuna têm ingesta diária de sal e padrão de atividade física semelhantes à maioria das populações ocidentais. Chamou muito a atenção dos pesquisadores o hábito dos Kuna de beberem cerca de cinco copos diários de suco de cacau, e o fato de que, quando eles emigraram para a cidade do Panamá, passaram a apresentar frequência alta de hipertensão arterial e doenças do coração.
A partir da década de 1990, diversos ensaios clínicos foram realizados para investigar o papel do cacau/chocolate sobre a saúde dos nossos vasos. Sabemos hoje que o consumo de chocolate com altas doses de flavanols promove uma série de efeitos benéficos ao nosso corpo: 1) aumento dos níveis de óxido nítrico, considerado um dos principais combustíveis para a saúde dos nossos vasos sanguíneos; 2) redução da agregação das plaquetas, ação que é igual à da aspirina; 3) aumento dos níveis do HDL — nosso colesterol bom — entre outras ações antioxidantes; 4) redução de marcadores de inflamação — lembrando que aterosclerose é igual a inflamação; 5) redução da resistência à insulina, facilitando sua ação nas células; 6) aumento do fluxo sanguíneo periférico (nos membros) e nas artérias do coração; 7) redução da pressão arterial; 8) aumento do fluxo sanguíneo cerebral e/ou atividade neuronal durante uma tarefa cognitiva. E os efeitos chegam até a pele, com aumento de sua microcirculação sanguínea e maior nível de fotoproteção.
Alguns desses efeitos foram alcançados após uma única dose de chocolate/cacau, enquanto outros após algumas semanas de consumo diário. As doses de chocolate variaram bastante (6g a 100g), assim como a dose de flavanols (100mg a 900mg). Mesmo com baixas doses, efeitos positivos foram observados, o que é de extrema relevância, pois é muito difícil conseguir adaptar 100g de chocolate por dia em nosso cardápio, do ponto de vista calórico. Além disso, os efeitos do chocolate foram demonstrados tanto em indivíduos jovens e saudáveis como entre aqueles com conhecida disfunção vascular — tabagistas, hipertensos, idosos, transplantados do coração.
Agora vale observar um detalhe muito importante: os populares chocolates ao leite, assim como o chocolate branco, possuem concentrações de cacau e flavanols muito baixas e, nos estudos realizados até então, não provocaram os efeitos demonstrados pelo “dark chocolate”. Teoricamente, quanto mais escuro e amargo o chocolate, maior a concentração de cacau e maiores os teores de flavanols.
Entretanto, precisamos ser cautelosos, já que pelo fato de essas substâncias terem sabor amargo, os fabricantes podem reduzir suas concentrações para melhorar o sabor do chocolate. Além disso, um chocolate escuro não é necessariamente rico em flavanols. O próprio processo industrial de alcalinização do chocolate usado para melhorar sua consistência e aparência e para reduzir o sabor amargo, além de escurecer o chocolate, também joga pelo ralo os flavanols. E como os fabricantes não especificam nos rótulos a concentração dessas preciosas substâncias, é difícil saber ao certo o que um chocolate amargo realmente pode nos oferecer.
Os fabricantes de chocolate no Brasil estão apenas acordando para a grande oportunidade que é a comercialização de chocolates com alto teor de cacau. Talvez nos próximos anos comecem a registrar em seus rótulos a concentração de flavanols, em vez de simplesmente dizer se o chocolate tem 70%, 80% ou 90% de cacau.
É muito bom conhecer os benefícios à saúde que o chocolate pode nos proporcionar, mas, certamente, o que nos faz consumi-lo com tanto prazer vai além de uma escolha consciente. O chocolate é um alimento que concentra propriedades que fazem nosso cérebro apaixonar-se facilmente por ele. É um alimento com alto teor de carboidrato e gordura, com grande poder de estimular nossos centros cerebrais relacionados ao prazer e à recompensa. Contém ainda farta concentração de substâncias chamadas de aminas biogênicas (ex: teobromina, feniletilamina, cafeína e tiramina), que também têm alto poder de estimular nossos centros de recompensa, assim como a liberação de neurotransmissores, como dopamina, serotonina e endorfina.
O chocolate possui outras substâncias que podem estar associadas ao prazer: triptofano, que é precursor do neurotransmissor serotonina, e a anandamida, que se liga aos mesmos receptores em que a maconha exerce seus efeitos no cérebro. O chocolate ainda faz com que nossa anandamida endógena tenha efeito mais duradouro. Essas provocações neuroquímicas podem explicar os efeitos afrodisíacos relatados por alguns, tendo Giacomo Casanova, o famoso conquistador de mulheres, seu maior garoto propaganda.
Ainda são necessários estudos que avaliem os benefícios do chocolate no longo prazo. Hoje em dia, o consumo de pelo menos cinco porções de frutas e vegetais é uma recomendação médica universal e inequívoca. Pode ser que cheguemos ao ponto de haver também uma recomendação mínima diária de flavanols, sendo o chocolate um grande candidato para compor o cardápio. Nesse caso, não será muito sacrifício de nossa parte unir o útil ao agradável.
*Ricardo Teixeira é neurologista e diretor clínico do Instituto do Cérebro de Brasília
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