Recorde-se por alguns segundos das comemorações em família durante a sua infância. As músicas, certamente, eram elementos importantes e, com os discos de vinil, ficaram marcadas na memória afetiva de muita gente. Já as fotografias analógicas foram essenciais para registrar e eternizar esses momentos; revê-las, inclusive, pode despertar um misto de emoções. Curiosamente, hoje, com tantos recursos modernos, há quem opte por esses formatos. E a justificativa é simples: o valor está na experiência.
Quem explica melhor essa ideia são o fotógrafo Bernardo de Oliveira, do laboratório Granulado (@granulado.br), e o vendedor de discos Gabriel de Lara, do Boa Viagem Discos (@boaviagemdiscos). Ambos dividem uma loja na Asa Norte desde fevereiro, mas os empreendimentos individuais já têm, ao menos, quatro anos cada.
Bernardo interessou-se pela fotografia durante a graduação em publicidade, na qual cursou disciplinas sobre o assunto, e o gosto pelo analógico foi apenas consequência dessa curiosidade. Na época, eram poucos os laboratórios que ainda se dedicavam a esse modelo; as opções de filmes eram escassas e as revelações não saíam com a qualidade esperada. A decepção deu lugar à iniciativa de abrir um laboratório que se dedicasse inteiramente a isso. "Criei a empresa que precisei anteriormente e não encontrei", relata.
Para ele, o analógico permite enxergar a realidade de outra forma, com menos frieza que a nitidez das câmeras digitais provoca. Entre as características da fotografia com filmes, pode-se citar a textura granulada e as cores mais lavadas, quase em tons pastéis. Como há um limite de poses, as imagens precisam ser bem planejadas, além de exigirem paciência para serem visualizadas, algo que no digital é instantâneo.
E para os que desejam fotografar, de forma geral, essas câmeras têm a vantagem de terem um custo menor; para os iniciantes, vale testar as populares "saboneteiras", de fácil manuseio; para os que já têm conhecimento na área e querem se aprimorar, o profissional recomenda as SLR (Single Lens Reflex), nas quais o fotógrafo tem maior controle para ajustar os recursos disponíveis na máquina. Já a escolha dos filmes vai depender da estética almejada.
Entre os públicos do laboratório, a maior parte é composta por jovens amadores que estão descobrindo ou se aprofundando mais nessa arte. E a curva de consumidores só aumenta. Desde a pandemia, houve o crescimento na venda de filmes, provavelmente pelo interesse coletivo em descobrir novos hobbies; agora, surge sempre algum cliente novo. Mas, diferentemente do passado, são poucos os que optam por revelar as imagens, visto que o objetivo é ter a foto digitalizada e ao alcance do celular.
Música que toca
De forma semelhante, Gabriel de Lara teve contato com os discos na infância e adolescência, nos anos 1990, mas a ideia de tornar isso um empreendimento surgiu posteriormente e teve a internet como ponto inicial de vendas. Formado em direito, o jovem nunca exerceu a profissão por não se identificar com a área; chegou a tocar como DJ durante um período, mas hoje se dedica quase integralmente à loja, participando, ocasionalmente, de eventos de exposição.
Com cerca de três mil vinis disponíveis para a venda, engana-se quem pensa que só os antigos ocupam as prateleiras do espaço. Álbuns de artistas como Marina Sena e Lana Del Rey podem ser encontrados com facilidade, mas os mais procurados, de fato, são os clássicos brasileiros: Construção, de Chico Buarque; Alucinação, de Belchior; e A Tábua de Esmeralda, de Jorge Ben Jor.
Além da qualidade do áudio ser superior a dos serviços de streaming, nos vinis, a obra do artista é apresentada de forma mais completa, dado que cada álbum revela uma identidade visual diferente. Este último aspecto, aliás, é outro ponto que desperta a satisfação dos consumidores. "As capas são verdadeiras obras de arte", frisa. Quanto aos públicos que procuram por discos, o vendedor afirma que há grande variedade — vai desde de pessoas mais velhas até aqueles que nunca tiveram contato com esse formato.
Gabriel se recorda, ainda, de uma história emocionante. Em uma das feiras que estava expondo, uma mulher que observava os produtos caiu em lágrimas ao segurar o disco do Jimi Hendrix. O motivo: lembrava-lhe o pai que tinha o mesmo vinil. "Música é algo que mexe com as pessoas." Entre descobertas e nostalgias, fica, para o empreendedor, a perspectiva de que esse mercado continuará se expandindo.
Afinal, de onde vem essa nostalgia?
Nostalgia é saudade, aquela viagem ao passado. Segundo o psicólogo clínico Rafael Braga, da Clínica Via Vitae, tais momentos são revividos quando estamos sob estresse, porque funcionam como motivação para seguir em frente. Do kinder ovo que sua avó comprava para lhe agradar às lembranças negativas, como o luto, e que, mesmo assim, tornam-se incentivo pessoal para superar e se posicionar.
Os adultos de hoje são os jovens de 1990 e 2000. Assim, o resgate em massa das tendências do fim do milênio se justificaria pela necessidade de agradar o lado criança dessa população. "É que, agora, esses adultos têm poder de compra e posicionamento na sociedade. Quando entram em um comparativo cronológico, sentem que obtiveram sucesso na vida, e reviver vira algo positivo", explica.
Mas já ouviu falar que quem vive de passado é museu? A inspiração pode vir do que já foi vivido — como mostram nossos entrevistados —, mas não faz bem se prender unicamente a esses momentos. É preciso entender se essa saudade não indica falta de conexão com o presente ou ausência de perspectiva de futuro. "Se traz motivação e alegria, é impulso de vida e criatividade. Se pensar no passado provoca tristeza e ansiedade, é preciso buscar ajuda", indica o psicólogo.