Viver um cotidiano acelerado, com exigências constantes de mais trabalho e mais dinheiro, é o cenário perfeito para o desenvolvimento de problemas como ansiedade e depressão. O sentimento coletivo, muitas vezes, é de desilusão. Afinal, quem nunca desejou se desapegar das preocupações a fim de levar uma vida mais simples ou ao menos mais leve?
No longa Nomadland, ganhador do Oscar de Melhor Filme em 2021, a protagonista Fern mergulha nessa transformação. Após perder tudo na Grande Recessão, embarca em uma viagem pelo Oeste americano, vivendo como uma nômade moderna em busca de um futuro possível. Para além das telas, essa realidade é mais comum do que se imagina. Conforme o Relatório Global de Tendências Migratórias 2022 da Fragomen, empresa global especializada em migração, estima-se que até 2035 existam cerca de 1 bilhão de nômades digitais.
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E se a pandemia modificou quase tudo, com as possibilidades de trabalho não foi diferente. O aperfeiçoamento das chamadas TICs (Tecnologias da Informação e Comunicação) foi um fator que permitiu maior aceitação e emprego dos serviços remotos. Há, inclusive, pessoas que, desde o início do isolamento, em 2020, não retornaram presencialmente aos seus ofícios, por preferirem a versatilidade do outro modelo. Em contrapartida, ainda não há uma proteção robusta para esse trabalhador em termos de aposentadoria e direitos trabalhistas, como alerta Leonardo Cavalcanti, professor da Universidade de Brasília (UnB) e coordenador do OBMigra (Observatório das Migrações Internacionais).
De toda forma, essa alternativa é um prato cheio para quem deseja viver como nômade. Recentemente, o Brasil aprovou resolução normativa para facilitar o visto para estrangeiros que desejam viver o nomadismo no país. Além disso, os ganhos pessoais são imensos. "Conviver com outras culturas, idiomas e estilos de vida abre horizontes interpretativos do social humano, que permite um maior processo de criatividade, tanto para os viajantes quanto para a localidade que a recebe", explica o professor. A família Tomasi, o casal Keka e Fera e a jovem Gabyria entendem bem sobre o assunto e compartilham aqui seus relatos de realizações e perrengues.
De mãos dadas pelo mundo
Estacionado na Concha Acústica, o motorhome da família Tomasi exibe orgulhosamente, em uma ilustração do mapa mundi, a rota que percorreram em sua primeira volta ao mundo. Foram 65 países e incontáveis conexões. Para a casa, trouxeram histórias de desafios, mas, principalmente, de satisfação, tanto que neste ano iniciaram uma nova aventura, que já teve Brasília como um dos destinos iniciais. Aqui, participaram da Feira do Livro, na qual divulgaram o resultado dos dois anos de pé na estrada (2012 - 2014), com relatos de experiências das viagens e mais de 400 imagens realizadas no período. O casal Jocemar, 44 anos, e Adriana, 43, com os filhos Júlia e Miguel, compõem a inspiradora Família pelo Mundo.
Naturais de Brusque, em Santa Catarina, o comerciante e a professora traçaram a meta, em 1999, quando casaram, de que trabalhariam somente até os 35 anos. O motivo? Observaram que em sua cidade as pessoas ficam à espera de uma aposentadoria que nunca chega e trabalham até morrer, sendo poucos os que têm o privilégio de envelhecer com liberdade e autonomia. Com eles, o porvir seria diferente. E, na época, o intuito ainda nem era viajar o mundo, apenas levar uma vida mais tranquila.
Propósito estabelecido, o momento era de se organizarem financeiramente. Começaram a construir residências para alugar que, hoje, compõem parte da renda da família, além das vendas do livro. As viagens também iniciaram de forma gradativa, primeiro para a América do Sul, de carro e com Adriana grávida de Júlia. Perceberam que somente um mês fora de casa já havia sido significante no quesito bem-estar — conhecer pessoas e lugares diferentes os admirava. Em Brusque, no entanto, tudo continuava igual, sem novidades, fato que gerou incômodo, pois pensaram “daqui a 50 anos, as coisas ainda estarão dessa forma. A vida não pode ser só isso”. Com um carro usado transformado em motorhome, decidiram: iriam rodar o mundo.
Mas a jornada não começou fácil. Como Júlia tinha três anos e Miguel, um, questionamentos como “vocês são loucos? Viajar assim com duas crianças pequenas?” eram comuns. Em contrapartida, o acesso restrito à internet possibilitou maior motivação para realizar as aventuras, afinal, “informações em excesso poderiam nos boicotar emocionalmente”, segundo pontuou Jocemar. E nada de “largaram tudo e foram”. A escolha exigiu um grande planejamento das finanças e do percurso que fariam, pois sabiam exatamente os lugares que desejavam conhecer.
Como a maior preocupação era que os pequenos ficassem doentes, o casal preparou uma mala inteira só com remédios e, para a surpresa de todos, não precisaram usar nada durante todo esse período. Entre sol, chuva e poeira, as crianças puderam se adaptar a diferentes ambientes e, hoje, raramente adoecem. Nas viagens, o sentimento era de euforia. “Onde parávamos, o clima era de festa; eles adoravam sair, explorar, fazer amigos e brincar”, lembra Adriana.
E para os que se perguntam sobre a convivência constante em um local tão pequeno como o motorhome, a resposta é simples: não há espaço, literalmente, para aborrecimentos. Mesmo com temperamentos diferentes, a tentativa é de sempre manter o equilíbrio, dado que, como uma equipe, é preciso que cada um faça sua parte para a viagem fluir bem. Há, inclusive, uma dinâmica de organização na qual as tarefas são divididas — enquanto um toma banho, o outro já prepara a comida, por exemplo. Reunidos, é o momento de preparar a agenda para o dia seguinte.
“O que fica são as pessoas”
Entre as memórias mais marcantes, o casal cita um episódio em Nova Iorque. Ao despacharem o carro e se depararem com valores abusivos de táxis, foram abordados por um rapaz que, insistente, se ofereceu para levá-los a um destino. Com as crianças no colo e as malas nas costas, à noite, sentiram medo, mas aceitaram. O homem ficou com a família por mais de duas horas em busca de um hotel que fosse acessível para seu bolso. Admirados com a gentileza, ofereceram-se para pagá-lo, mas receberam apenas um “não se preocupem, pois pessoas ajudam pessoas”.
A frase tornou-se uma lembrança especial, que os faz refletir sobre os inúmeros benefícios da aventura de rodar o mundo. Trocar experiências e incentivar outras famílias a fazerem o mesmo são certamente os maiores ganhos. Ademais, confirmaram a antiga tese de que existem mais pessoas boas do que ruins, ideia que os motiva a acreditarem em um futuro melhor para os filhos. O contato familiar mais próximo e o olhar mais crítico sobre as coisas somam-se às vantagens. “Aprendemos que ninguém faz nada sozinho, daí a importância de valorizarmos e termos humildade. O que fica são as pessoas”, conta Jocemar.
No que tange aos diferentes lugares que visitaram, Miguel recorda-se da experiência de viver em um trem no frio congelante da Rússia; para Júlia, foi ganhar um crocs de princesa na Tailândia; e para o casal foi partilhar histórias com amigos que fizeram no Irã. Com uma cultura bastante distinta dos estereótipos; notaram grande receptividade dos moradores, que os convidavam constantemente para visitas e piqueniques. Os laços ficaram tão bem amarrados que pretendem encontrar os amigos iranianos novamente nesta segunda jornada.
E mesmo com tantas situações positivas, o quarteto não esteve livre de acontecimentos desagradáveis. Entraram no Egito exatamente no dia em que inúmeras pessoas morreram no Cairo, em 2013, na deposição do então presidente da república. O sentimento geral era de medo. Para completar, o carro quebrou e sofreram inúmeras tentativas de extorsão enquanto buscavam por diesel, já que todos os postos estavam fechados. Mesmo assim, desejam retornar ao país para finalmente conhecerem as pirâmides e voltarem com outra visão.
Entre os desafios, citam os problemas mecânicos que vez ou outra ocorrem e, principalmente, a saudade do resto da família. No primeiro caso, os anos com o motorhome trouxeram conhecimentos suficientes para identificar certas dificuldades, mas no início foi um perrengue. “Saber pedir comida é fácil, agora, imagina explicar um defeito específico no motor em outra língua, para pedir ajuda?”. Um ponto interessante é que a escolha do veículo foi certeira: é fácil de estacionar em qualquer lugar, o que economiza tempo.
No segundo caso, ressaltam que o fato dos dias passarem rapidamente quando estão na estrada ameniza um pouco a falta que sentem dos demais familiares. E vale a dica: é importante se preparar tanto para a saída quanto para a chegada, visto que o choque do retorno pode ser grande e, talvez, frustrante — no geral, ocorreram mudanças mínimas onde moram, enquanto dentro deles a diferença é enorme. Os reencontros, porém, não deixam de ser emocionantes, afinal, a saudade multiplicou-se.
Nesta segunda volta ao mundo, as crianças estão em ensino domiciliar (o ensino médio, entretanto, será presencial) que, segundo os pais, tem sido bastante construtivo, dado que as experiências das viagens agregam muito à educação de forma prática. A sintonia entre os quatro, inclusive, é muito maior quando estão em viagem do que em casa. “Depois eu te conto como é conviver assim com dois adolescentes. Quase todo dia tem um arranca rabo”, brinca Adriana.
As estratégias de segurança e proteção, hoje, são mais intuitivas e exigem bastante observação. Sempre se perguntam sobre a dinâmica entre as pessoas do lugar, se as casas têm grades ou cercas e evitam andar com itens que não podem ser roubados; o que é importante se mantém nas costas. Em cidades grandes, costumam parar em centros históricos e, em locais mais rurais, optam por estacionar o carro em ambientes mais altos, para terem uma boa visão dos arredores.
Para os que desejam seguir um caminho semelhante, a orientação é: tenham atitude para seguir o próprio sonho, com planejamento e equilíbrio, afinal, “não temos tempo a perder”. Isso porque, conforme explica Adriana, a formação de uma família não pode impedir os pais de viverem; os planos mudam, mas se adaptam; e poder proporcionar experiências aos filhos é seu maior presente. “Ensinar a dar valor às coisas simples da vida permite adquirir conhecimentos para fazer diferença na comunidade”, finaliza. Depois de Brasília, o destino é em direção ao Norte do Brasil e, para esta nova jornada, pretendem passar pelos países nórdicos, alguns da África e da Oceania e, por fim, a Índia.
Nada de perrengue nas finanças!
Para os admiradores do nomadismo que pretendem colocar o pé na estrada em breve, a organização financeira deve ser primordial, por isso, a contadora Clarissa Souza, também administradora e especialista em finanças na Agência de Publicidade Lápis Raro, apresenta algumas dicas valiosas:
1. Tenha uma reserva de emergência considerável, principalmente se planeja não trabalhar enquanto viaja, pois o dinheiro apenas terá saída e não mais entradas. O valor dessa reserva deve ser calculado com base nas estimativas de gastos, considerando sempre os valores para cima e pegando referências com quem já passou pela mesma experiência recentemente.
2. Liste os seus gastos mensalmente e faça um "check" se você está gastando conforme havia previsto. Caso esteja gastando mais, é necessário rever o planejamento inicial realizando ajustes.
3. Pesquise sobre o sistema de saúde dos seus locais de destino. Talvez apenas um plano de saúde ou seguro viagem não sejam suficientes, exigindo cuidados com a compra de medicamentos e acesso a médicos de urgência.
4. Caso os destinos incluam países com moedas diferentes do real, o ideal é manter parte dos investimentos em fundos de moeda estrangeira, como dólar ou euro, para que o seu dinheiro esteja protegido contra oscilações mercadológicas brasileiras. Isso pode ser feito previamente na corretora de investimentos de sua preferência.
5. Tenha a tecnologia, mais uma vez, ao seu dispor, dispondo de aplicativos que auxiliem no controle de finanças pessoais, como o Guia Bolso.
Amor sobre rodas
Com o sonho em comum de construir um lar móvel, Erika da Costa e Silva, 43, e Mauricio Farias da Silva, 38, personalizaram uma van. A "Van Daguia", batizada em homenagem a avó de Érika, ou Keka, permitiu que o casal vivesse a tão sonhada liberdade.
A ideia de viver em um veículo surgiu após uma viagem que o casal realizou pelo Nordeste. O estilo mochilão foi o escolhido, mas trouxe alguns desafios. "Carregávamos muita coisa e sentimos que isso dificultou nossa movimentação, logo não fomos a tantos lugares quanto gostaríamos", lembra Fera, como Mauricio é conhecido. No ano seguinte, buscando mais possibilidades, voltaram a viajar pela região. Dessa vez de carro, o que também não foi suficiente, levando-os a considerar um transporte maior.
O plano inicial era construir o lar em uma kombi, dentro do orçamento do casal, que planejava vender o carro que tinha. No entanto, uma oferta inesperada aumentou ainda mais a aposta: a da compra da casa que Erika tinha em Brasília. "Com o dinheiro na conta ainda tínhamos muitas dúvidas do que faríamos, mas o sonho de construir um motorhome continuava latente", relembram. Em contato com a Fazenda Cura, que presta consultoria para quem deseja realizar uma transição de vida, começaram a materializar esse sonho, com objetivos melhor delimitados.
Em um momento de coragem, compraram uma van escolar de amigos moradores de motorhome, a Família além das fronteiras, definiram o projeto, já que Keka é arquiteta por formação, e começaram a executar a obra com as próprias mãos. "A Van Daguia é um motorhome totalmente artesanal, construído por nós dois, com apoio de poucas pessoas muito queridas, que nos ajudaram pontualmente em algumas coisas que não tínhamos tanto conhecimento e habilidade", diz Fera. O projeto levou mais de um ano até ficar pronto, e conta, inclusive, com chuveiro quente.
Muitas partes da van foram criadas com materiais reciclados, reaproveitados e ressignificados pelos dois, que complementam seus conhecimentos: Keka é arquiteta e urbanista e Fera é artista plástico e tatuador. Com 8m², o espaço tem tudo que é encontrado em um lar tradicional: sala, cozinha, quarto, banheiro, área de serviço, depósito, terraço e muitos armários e gavetas. Os planos para o futuro, incluem a expansão com uma varanda com toldo e uma copa, que também pode funcionar como escritório, um espaço que já existe, mas que eles pretendem transformar.
Enquanto ainda estavam focados em finalizar a Van Daguia da maneira como sempre sonharam, o tempo ficou curto para viagens distantes e muito longas. Mas o lar móvel que abriga o casal já passou por assentamentos de bioconstrução e agrofloresta, além, é claro, de ser o transporte até diversos trabalhos socioambientais alinhados com a visão de mundo dos dois. "Queremos subverter a lógica capitalista, construindo uma estabilidade financeira que não esteja atrelada única e exclusivamente ao dinheiro na conta", relata o casal, que acredita no voluntariado e na troca.
Pensando no futuro, Keka e Fera buscam oportunidades de trabalhos voluntários e pessoas adeptadas ao escambo, com quem possam trocar o que podem oferecer pelo que necessitarem. "Não pensamos que o dinheiro não seja importante e até necessário, mas sentimos que ele não pode ser a única maneira de viver e de ter o que precisamos para uma vida confortável", completa Erika. Outra satisfação nesse estilo de vida, segundo os dois, é poder mostrar para as pessoas como é possível ser feliz e realizado com menos do que têm, gerando surpresa em quem escuta a história pela primeira vez, sabendo de tudo o que precisaram desapegar no caminho para chegar onde estão hoje.
A principal dica que oferecem aos interessados por tal liberdade é estarem abertos ao imprevisível. Viver uma vida nômade exige um desprendimento, a fim de diminuir as chances de frustrações, afinal, nem tudo está sob controle a todo momento. Mas reforçam as inúmeras vantagens e aprendizados que encontram no caminho: "O que nos move para continuar são as conexões com as pessoas que encontramos, e como isso reverbera nas nossas vidas".
Movimento, autonomia e conexão
Incertezas sobre o futuro profissional e busca por liberdade foram a combinação “ideal” para uma crise existencial na vida de Gabyria Morena, 31 anos. Em 2015, quando ainda era estudante de Direito e pretendia dedicar-se a concursos públicos, percebeu que não queria seguir carreira jurídica e começou a se dar um tempo para pensar no que realmente lhe traria satisfação. Equilibrar bem-estar emocional e estruturação financeira era condição primordial. Com estágio e faculdade trancados, aceitou uma proposta de emprego em uma área política que, com o bom salário, a permitiu começar a se planejar financeiramente para realizar sonhos antigos, como conhecer lugares e pessoas pelo mundo.
Assim, ficou um ano juntando dinheiro e pesquisando sobre diferentes formas de viajar e trabalhar, com o fim de adaptar os dois a um estilo de vida. Conheceu o nomadismo, que, na época, ainda era uma novidade para muita gente, tanto que conversar sobre o assunto com os colegas soava como maluquice: “Como assim não trabalhar para ter emprego fixo e casa própria?”. O que mais lhe chamou atenção na modalidade era a liberdade e a autonomia que poderia ter para desenhar sua rotina. Era o que desejava. Foi o que decidiu fazer.
"A maioria das pessoas insiste em dizer que a maior dificuldade é financeira, mas acredito que essa é uma desculpa descarada para não reconhecer que o maior percalço é o medo da mudança. Nos estruturamos de forma que buscamos sempre segurança, controle e certezas, mas esquecemos que a vida em si é um mistério", afirma Gabyria. Com tal mentalidade e organização, definiu os primeiros destinos. No início, conheceu os lugares que mais tinha interesse culturalmente, passando pela Itália, norte da África e Ásia. Depois, retornou ao Brasil para conhecer melhor seu próprio país.
Com passagens por todas as regiões e praticamente todos os estados brasileiros, foi estimulada a entender melhor sobre suas raízes e sua cultura. No momento, está na América do Sul, expandindo suas visões com objetivo de entender mais sobre sua latinidade e origem indígena e negra. Estima que esteja no nono país, Peru, e conta que o diferencial do seu modo de viajar está em alinhar a rotina do local a sua, a fim de viver o ambiente de forma plena, gerando conexões reais e experienciando tudo que aquele destino pode oferecer.
Com relação a questão financeira e profissional, levando em conta que está há sete anos na estrada, desenvolveu mais habilidades e conhecimentos para definir como iria construir uma rotina de trabalho para se manter independente. Nos últimos anos, tem se dedicado à comunicação e produção de conteúdo e imagens, estruturou projetos, produtos e serviços relacionados a essas áreas e se vê de forma muito "autônoma e multipotencial". Para os nômades, é muito comum haver essa diversificação de fontes de renda.
Gabyria também pontua que, com a pandemia, foi intensificada a percepção de que nos desenvolvemos o suficiente, tecnologicamente, para permitir que muitos trabalhos sejam realizados de forma remota. "Muitas profissionais tradicionais são passíveis de serem adaptadas para o virtual. Além da possibilidade do empreendedorismo", acrescenta. Trabalhando há algum tempo com fotografias e mídias sociais, hoje também oferece mentorias e consultorias, ajudando outras pessoas com o mesmo desejo a realizarem um planejamento tanto emocional, quanto financeiro.
Como mulher viajando sozinha, questionamentos surgem a respeito da segurança e dificuldades. Sobre isso, relata que há muitas outras mulheres viajando sozinhas, dado que não podem ser paradas pelo medo, uma das maiores travas para quem quer viver a transformação de se tornar nômade, principalmente em busca de autoconhecimento. A jovem conta que se sente mais segura em movimento e se conectando com pessoas diferentes do que parada em um só lugar, seguindo uma rotina. “A realidade de lidar com o machismo desde cedo é tão frequente que não sinto que existe muita diferença no cuidado que tenho morando na cidade, fixa, do que tenho quando estou em movimento”, explica.
Ao viver com inúmeras possibilidades, sua maior satisfação é a conquista por autonomia e consciência da auto responsabilidade. Sobre o tema, comenta: “Acredito que temos uma visão muito deturpada sobre liberdade. A maioria das pessoas associa ser livre a inconsequência e irresponsabilidade. Hoje, vivendo essa liberdade de forma tão intensa, percebo que ser livre significa ser totalmente responsável por suas escolhas. Muita gente ainda tem medo de encarar isso, pensar por conta própria e definir suas rotas”. Com uma vivência tão densa, hoje compartilha suas histórias em diversas mídias sociais, como Instagram, YouTube e Spotify, onde tem um podcast chamado Livres.
Palavra do Especialista
O que motiva as pessoas a iniciarem uma vida no nomadismo?
Não há uma única resposta para isso, porém venho observando muita gente buscar uma oportunidade de vida nômade no intuito de ter a liberdade de viver em diferentes lugares (não apenas de trabalhar em diferentes lugares). A vida nômade vem atrelada a algumas expectativas: viagens, aventuras, conhecer outros nômades, fazer networking, sair da zona de conforto. As vezes é a simples insatisfação com a vida que tem no momento que faz o nomadismo soar como “esperança de estar mais feliz”.
Quais os benefícios de passar algum período fora do país?
No aspecto psicológico, a vivência em outro país exige diversas adaptações, muitas delas de cunho cultural. Essas experiências trazem questões que podem ser muito ricas para autoconhecimento, como: quais características me definem? Como me relaciono com outras pessoas? Quais são meus valores? O que estou disposto a abrir mão? Como lido com o desconhecido? O que são escolhas que eu fiz na vida e o que são definições de influência social?
As questões não estão diretamente relacionadas a uma experiência no exterior, mas o que se vive lá fora gera oportunidade e gatilhos para o despertar delas. Sem falar nos demais aspectos que a vivência intercultural acrescenta em termos de empatia, generosidade e compreensão de diferentes contextos. É um exercício constante.
Quais as principais dores enfrentadas por quem escolhe esse estilo de vida?
Primeiramente a pessoa está trocando o conforto e segurança possivelmente estabelecido em um lugar (espaço físico), e com uma rede de apoio (família e amigos), para viver uma jornada instável que exige de várias adaptações: espaço adequado para trabalho, definir e escolher moradias, se relacionar com novas pessoas (muitas vezes desconhecidos). Tudo isso pode gerar muita ansiedade para quem tem uma alta necessidade de controle. Distanciamento da família e amigos e o estranhamento (ou falta de entendimento) dessas pessoas sobre a escolha de vida feita, também são queixas comuns.
Como balancear o emocional para diferentes conexões amorosas e afetivas que, muitas vezes, são passageiras?
A intensidade dos vínculos criados na estrada vai também depender de como a pessoa se relaciona e como é a sua segurança afetiva. No mundo tecnológico é possível utilizar de ferramentas para manutenção das relações, e no mundo nômade, diversas cidades acabam sendo hubs de reencontro. Então lidar com as emoções aqui pode ser um convite a pessoa avaliar como ela já lida ou lidava com as emoções antes de se tornar nômade.
Quais os principais cuidados que podem ser tomados para uma transição leve de uma vida “tradicional” para uma vida nômade?
Autorrespeito e autocompaixão. Entender o próprio ritmo e limites. Não é porque algo parece legal que a gente precisa se encaixar nesse conceito (se não estiver fazendo sentido para a gente). Seja paciente com você mesmo. Também leve a comunicação como sua aliada, se possivelmente está sendo complexo para você fazer essa transição, o que dirá para as pessoas na sua volta que não “leem sua mente”? Traduza seus pensamentos e sentimentos para as pessoas que considera importante e que lhe quer bem e se permita a voltar a sua vida tradicional a qualquer momento se assim desejar. A vida é feita de experiências.
Como preparar a mente para lidar com os imprevistos no meio do caminho?
A vida nômade é instável e amplia a falta de controle sobre muitas coisas. Pergunte a você mesmo como lida e administra a sua ansiedade. Imprevistos farão parte da rotina, então a única forma de trabalhar a mente para lidar com isso é pensar o quanto sua ansiedade te causa sofrimento. No momento que você aceitar que tem coisas que não tem como se preparar e isso não te causar mais sofrimento, estará te poupando de sofrer duas vezes pelos imprevistos que virão. É preciso autoconfiança de que dará conta do perrengue, e a frase “está tudo bem” poderá ser seu mantra. A psicoterapia voltada para essa experiência, com profissionais qualificados na temática, ajuda bastante a viver essa transição de maneira mais consciente e segura.
Natália Dalpiaz é psicóloga, nômade e fundadora da Prô Mundo, equipe de psicólogas que realizam atendimentos online para brasileiros que vivem pelo mundo
*Estagiárias sob a supervisão de Sibele Negromonte
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