Atire a primeira pedra quem nunca procurou playlists com sucessos do passado na internet, daqueles que, de tão marcantes, merecem ser cantados em grupo e com a devida emoção, para matar a saudade de "tempos mais simples", como descrevem alguns. Teste chamar os amigos para uma noite de karaokê e veja quais músicas serão cantadas com mais dedicação. Não tem erro. De Chitãozinho e Xororó a Avril Lavigne, ao menos um hit você saberá de cor.
Há, inclusive, quem ainda prefira escutar canções à moda antiga, pelo rádio, com CDs e até com discos de vinil, os queridinhos das lojas de antiguidades, que somados a uma decoração vintage criam o clima perfeito para aqueles que se consideram nostálgicos. E até o que se produz hoje tem um pé no passado, seja na melodia, seja no conceito dos clipes, como têm feito Harry Styles e The Weeknd em seus últimos lançamentos.
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As séries não ficam de fora do revival. Recentemente, com a estreia da quarta temporada de Stranger Things, da Netflix, a música Running up that hill (A deal with God), da cantora inglesa Kate Bush, ocupa há vários dias o topo da parada global do Spotify. Detalhe: a canção é de 1985. De forma semelhante, a segunda temporada de Euphoria, série da HBO, foi totalmente gravada em formato analógico com o filme Kodak Ektachrome, de 35mm. Em tons vibrantes, o objetivo da produção era justamente trazer à tona o sentimento de rememoração.
E o que dizer das roupas e maquiagens retrôs, referências que mais se transformam e se adaptam temporalmente? Não à toa, filmes como As Patricinhas de Beverly Hills e Meninas Malvadas sempre são lembrados quando o assunto é moda — os conjuntos, por exemplo, voltaram com tudo. Pensando em todos esses elementos, a Revista conversou com pessoas que não abrem mão de incluir o passado em seus cotidianos e enxergam valor no que não foi esquecido (ou quase foi) pela geração digital.
Com um olho no futuro
A maquiadora e cabeleireira Nayara Watanabe Maluf Furuuchi, 26 anos, está no time que gosta de manter o passado entrelaçado ao presente. Enquanto se prepara para dar passos em direção ao futuro e se esforça para não se deixar dominar pelo medo do amanhã e pelo imediatismo, ela olha para trás em busca de conforto. "A nostalgia vem muito de lembrar de coisas que te faziam bem em uma época em que não existia a preocupação com os boletos, por exemplo. Músicas e filmes que víamos antes viram uma porta de volta para lá", acredita Nayara.
E, mesmo vivendo com referências dos anos 1990 e 2000, Nayara afirma que é necessário manter um equilíbrio, sem fugir do futuro. "Entendo que a nostalgia vem e vai e não podemos viver no passado. Percebo essa parte boa de relembrar com músicas, filmes e roupas de forma semelhante às comfort foods. É bom, mas não é a realidade de todo dia", pondera.
Do primeiro ano da geração Z, ela confessa que seus gostos se assemelham mais aos dos millennials. De repente 30 e O diabo veste Prada são alguns dos preferidos de Nayara, junto com Friends e uma das cantoras ícones da geração pop rock, Avril Lavigne.
Ligada nas tendências, seja do passado, seja do presente, a maquiadora acredita que é importante não se render ao que está na moda, mas, sim, adaptar o que funciona ou não em sua vida, independentemente da época. Por mais que adore os anos 1990, as calças de cós baixo, por exemplo, estão fora de cogitação. "Tenho a impressão de que, naquela época, as pessoas ousavam um pouco mais. Os acessórios coloridos, o cabelo em coques espetadinhos, as sobreposições. As pessoas gostavam de chamar a atenção pelo diferente, e eu adoro produções que têm uma história."
Entre as peças que voltaram para seu guarda- roupa, Nayara, também conhecida como Luli, destaca as calças e jaquetas oversized, coisas que não usaria há um ano, mas hoje descobriu como adotar dentro do seu estilo. Combinadas aos croppeds, queridinhos do momento, dão o ar de Avril, "a maior de todas", nas palavras da maquiadora.
Rachel Green, eterna queridinha de Friends, também segue forte como referência em tudo. Na make, Nayara adora os delineados alongados nas suas cores preferidas e com brilho sem fim. No comportamento, ela ressalta a valorização da própria personalidade e estilo. "Sempre usei o que gostava, hoje percebo que eu ouso ainda mais. Faço como eu gosto, sem me importar muito com o que os outros acham ou se não usam as mesmas coisas", comenta.
No trabalho, uma colega de 20 anos percebeu o que Luli usava e começou a se permitir também. "Essa questão de influencer e blogueira tem muito a ver com a gente entender que pode usar o que quiser do jeito que quiser."
Energia pop
Layon Marques, de 30 anos, é maquiador, stylist e estudante de design de moda. Imerso na área criativa e cultural, por motivos profissionais e por afinidade, ele já incorporou a estética Y2K ao cotidiano. No guarda-roupa, tem bandanas, óculos transparente, o bom e velho All star, daddy shoes (calçados que têm linhas mais pesadas, quase grosseiras) e produções em color block.
Durante o dia, reproduz a estética minimalista que marcou a época: camiseta ou regata branca combinadas a jeans largos. Você deve se lembrar de algumas modelos fazerem essa linha mais básica. Só que, à noite, Layon gosta de se montar. Investe em maquiagens chamativas e com pedrinhas, roupas coloridas e modelagens justas.
Aqui, ele vai para um lado mais fantasioso, semelhante ao estilo dos club kids, movimento que se contrapôs ao grunge e ao minimalismo no passado, e que influenciou os clubes noturnos nos Estados Unidos. "É como se eu não tivesse autonomia para me vestir do jeito que admirava na época em que era criança e, hoje, consigo", relata.
Para fazer jus à produção, na playlist dele, é quase certo que estarão tocando músicas das cantoras pop Britney Spears, Gwen Stefani e Mariah Carey e bandas de rock da época. "Sou totalmente saudosista", define. Layon ainda consome vários conteúdos do canal MTV, emissora que cativou o público duas décadas atrás. Há um ano, inclusive, criou-se o canal por assinatura MTV 00s, que substitui o antigo VH1 com clipes dos anos 2000.
Os lugares que frequenta também passam uma energia nostálgica. Ele tem ido a festas temáticas, como a Festa TB (throwback), que aconteceu na Galeria dos Estados há algumas semanas. Nos eventos culturais que trabalha, já é a marca dele resgatar memórias dos anos 1990. Numa ocasião mais recente, vestiu a amiga e artista Iris Marwell para uma apresentação com saia rosa tweed, tipo Chanel, e plataformas altíssimas, que lembram os sapatos das bonecas Bratz.
O valor da experiência
Recorde-se por alguns segundos das comemorações em família durante a sua infância. As músicas, certamente, eram elementos importantes e, com os discos de vinil, ficaram marcadas na memória afetiva de muita gente. Já as fotografias analógicas foram essenciais para registrar e eternizar esses momentos; revê-las, inclusive, pode despertar um misto de emoções. Curiosamente, hoje, com tantos recursos modernos, há quem opte por esses formatos. E a justificativa é simples: o valor está na experiência.
Quem explica melhor essa ideia são o fotógrafo Bernardo de Oliveira, do laboratório Granulado (@granulado.br), e o vendedor de discos Gabriel de Lara, do Bom Viagem Discos (@boaviagemdiscos). Ambos dividem uma loja na Asa Norte desde fevereiro, mas os empreendimentos individuais já têm, ao menos, quatro anos cada.
Bernardo interessou-se pela fotografia durante a graduação em publicidade, na qual cursou disciplinas sobre o assunto, e o gosto pelo analógico foi apenas consequência dessa curiosidade. Na época, eram poucos os laboratórios que ainda se dedicavam a esse modelo; as opções de filmes eram escassas e as revelações não saíam com a qualidade esperada. A decepção deu lugar à iniciativa de abrir um laboratório que se dedicasse inteiramente a isso. "Criei a empresa que precisei anteriormente e não encontrei", relata.
Para ele, o analógico permite enxergar a realidade de outra forma, com menos frieza que a nitidez das câmeras digitais provoca. Entre as características da fotografia com filmes, pode-se citar a textura granulada e as cores mais lavadas, quase em tons pastéis. Como há um limite de poses, as imagens precisam ser bem planejadas, além de exigirem paciência para serem visualizadas, algo que no digital é instantâneo.
E para os que desejam fotografar, de forma geral, essas câmeras têm a vantagem de terem um custo menor; para os iniciantes, vale testar as populares "saboneteiras", de fácil manuseio; para os que já têm conhecimento na área e querem se aprimorar, o profissional recomenda as SLR (Single Lens Reflex), nas quais o fotógrafo tem maior controle para ajustar os recursos disponíveis na máquina. Já a escolha dos filmes vai depender da estética almejada.
Entre os públicos do laboratório, a maior parte é composta por jovens amadores que estão descobrindo ou se aprofundando mais nessa arte. E a curva de consumidores só aumenta. Desde a pandemia, houve o crescimento na venda de filmes, provavelmente pelo interesse coletivo em descobrir novos hobbies; agora, surge sempre algum cliente novo. Mas, diferentemente do passado, são poucos os que optam por revelar as imagens, visto que o objetivo é ter a foto digitalizada e ao alcance do celular.
Música que toca
De forma semelhante, Gabriel de Lara teve contato com os discos na infância e adolescência, nos anos 1990, mas a ideia de tornar isso um empreendimento surgiu posteriormente e teve a internet como ponto inicial de vendas. Formado em direito, o jovem nunca exerceu a profissão por não se identificar com a área; chegou a tocar como DJ durante um período, mas hoje se dedica quase integralmente à loja, participando, ocasionalmente, de eventos de exposição.
Com cerca de três mil vinis disponíveis para a venda, engana-se quem pensa que só os antigos ocupam as prateleiras do espaço. Álbuns de artistas como Marina Sena e Lana Del Rey podem ser encontrados com facilidade, mas os mais procurados, de fato, são os clássicos brasileiros: Construção, de Chico Buarque; Alucinação, de Belchior; e A Tábua de Esmeralda, de Jorge Ben Jor.
Além da qualidade do áudio ser superior a dos serviços de streaming, nos vinis, a obra do artista é apresentada de forma mais completa, dado que cada álbum revela uma identidade visual diferente. Este último aspecto, aliás, é outro ponto que desperta a satisfação dos consumidores. "As capas são verdadeiras obras de arte", frisa. Quanto aos públicos que procuram por discos, o vendedor afirma que há grande variedade — vai desde de pessoas mais velhas até aqueles que nunca tiveram contato com esse formato.
Gabriel se recorda, ainda, de uma história emocionante. Em uma das feiras que estava expondo, uma mulher que observava os produtos caiu em lágrimas ao segurar o disco do Jimi Hendrix. O motivo: lembrava-lhe o pai que tinha o mesmo vinil. "Música é algo que mexe com as pessoas." Entre descobertas e nostalgias, fica, para o empreendedor, a perspectiva de que esse mercado continuará se expandindo.
Afinal, de onde vem essa nostalgia?
Nostalgia é saudade, aquela viagem ao passado. Segundo o psicólogo clínico Rafael Braga, da Clínica Via Vitae, tais momentos são revividos quando estamos sob estresse, porque funcionam como motivação para seguir em frente. Do kinder ovo que sua avó comprava para lhe agradar às lembranças negativas, como o luto, e que, mesmo assim, tornam-se incentivo pessoal para superar e se posicionar.
Os adultos de hoje são os jovens de 1990 e 2000. Assim, o resgate em massa das tendências do fim do milênio se justificaria pela necessidade de agradar o lado criança dessa população. "É que, agora, esses adultos têm poder de compra e posicionamento na sociedade. Quando entram em um comparativo cronológico, sentem que obtiveram sucesso na vida, e reviver vira algo positivo", explica.
Mas já ouviu falar que quem vive de passado é museu? A inspiração pode vir do que já foi vivido — como mostram nossos entrevistados —, mas não faz bem se prender unicamente a esses momentos. É preciso entender se essa saudade não indica falta de conexão com o presente ou ausência de perspectiva de futuro. "Se traz motivação e alegria, é impulso de vida e criatividade. Se pensar no passado provoca tristeza e ansiedade, é preciso buscar ajuda", indica o psicólogo.
Oportunidade de performar a vida
Regata branca ou camisa estampada, calça jeans ou de alfaiataria, jaqueta de couro e um óculos colorido. Pronto. As sugestões para se inspirar nos anos 1980 e 1990 estão aí. As dicas são do garçom Luís Lopes, 26 anos, um apaixonado pela estética do passado, que tem também um brechó com essas referências, o SexMachine.
Para ele, o guarda-roupas é uma oportunidade de performar a vida, já que se considera bastante versátil e aberto a novas ideias, o que faz com que o estilo dos seus looks varie constantemente; ou seja, a moda acompanha suas fases, é algo intrínseco. As inspirações vão desde grifes conhecidas até as roupas de pessoas reais, que encontra pelas ruas. A jaqueta de couro, especificamente, é sempre a sua aposta coringa. “Tem o poder de dar um up em qualquer composição mais básica e, como é um clássica, de cara, já emana a nostalgia do passado”, explica.
E para os que desejam incorporar essas tendências, o ponto de partida é entender que existem diferentes nichos estéticos, por isso, priorize peças que combinem com o do seu armário. Em seguida, se jogue nas combinações até encontrar a identidade visual que te represente — e podem ser várias.
Como tem grande apreço por garimpar objetos antigos, a decoração da sua casa emana essa mesma energia de nostalgia. Quadros, espelhos e porta-retratos são alguns dos itens adquiridos em antiquários e brechós. Os LPs, outra paixão, também compõem parte do ambiente, em particular, sua coleção quase completa da Gal Costa, por quem é apaixonado. “Sem perceber, eu me cerquei dessa atmosfera, não só em minhas roupas, mas na minha vida”.
Isso porque o convívio com diferentes e antigas artes começou desde cedo. Luís cresceu assistindo a filmes de velho oeste em fitas cassetes com o pai e, nos encontros de família, todos se reuniam para cantar músicas marcantes da época. Tal influência foi determinante na sua curiosidade pelo passado. “Acredito cegamente que sou uma alma antiga vagando nos tempos modernos”, brinca. No SexMachine, apesar das peças vintages, a curadoria tende a ser mais diversa, com o fim de vender roupas para todos, sem distinção.
De repente, o vestido dos sonhos
Do pop ao emo, o que não faltou no início dos anos 2000 foram artistas mulheres para se inspirar. E não é preciso ser millennial para se recordar dos icônicos clipes de Beyoncé, Britney Spears, Shakira e Avril Lavigne, que eram exibidos incansavelmente na antiga MTV. A estudante Lara Maia, 19 anos, que o diga.
Quando se recorda da infância, nesse período, a sensação é de quentinho no coração. Hoje, ela acredita que o interesse pela época se dá também pelo fato de a irmã mais velha ter vivido a adolescência nesses anos, o que a fez querer resgatar certos aspectos para a própria juventude.
Além desta inspiração, Lara cita a cantora Nelly Furtado — com a famigerada calça de cintura
baixa — e as atrizes que protagonizaram comédias românticas típicas de Sessão da Tarde, como
Jennifer Garner, no emblemático De Repente 30, de 2004. Filme que, aliás, é o favorito da jovem.
“Lembro de quando não precisei ir mais à locadora alugá-lo, porque ganhei o DVD de aniversário,
com uns 5 ou 6 anos. Foi o melhor dia da minha vida. Acho que já assisti mais de mil vezes, sem exagero algum, e a cada vez que vejo é a mesma emoção e sensação de nostalgia”, conta.
O apreço pelo longa se materializou em mais um presente marcante: a réplica do vestido que
a personagem usa em uma das cenas mais divertidas do filme, na qual dança a música Thriller, de Michael Jackson. Com tecido leve e grandes listras diagonais coloridas, a peça se assemelha a outros looks típicos do período, que abusam dos tons fortes.
A lembrança especial foi ideia da melhor amiga, que a conhece como ninguém, para comemorar seu aniversário de 19 anos. Apesar da memória afetiva com o passado lhe proporcionar um sentimento de bem-estar, a estudante ressalta que nem tudo eram flores no que tange aos aspectos sociais. Em clipes e em filmes, problemas como gordofobia, homofobia e violência contra a mulher eram muitas vezes normalizados.
O corpo feminino, inclusive, era objetificado de forma escancarada nas telas. “A gente
sabe que, apesar de tudo, há uma evolução em relação à antigamente. Atualmente, essas ques tões são bem mais problematizadas, debatidas e combatidas do que há 10 ou 20 anos. E ainda bem que são, obviamente”, completa.
*Estagiária sob a supervisão de Sibele Negromonte
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