Provavelmente, desde que você se conhece por gente, os banheiros são separados por gênero dentro dos espaços públicos que você frequenta. A naturalização dessa divisão muitas vezes tira o espaço da reflexão: será mesmo que ela é necessária?
Se em nossas casas essa separação simplesmente não existe, será que os públicos têm demandas mesmo tão diferentes? Mesmo que essa discussão não seja, assim, tão simples quanto parece, algumas mudanças podem tornar viável a implementação gradual de banheiros sem gênero em bares, restaurantes e eventos, por exemplo.
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Primeiro, é preciso entender por que acabar com essa divisão seria importante. O psicólogo Nikolai Carlos Sousa explica um pouquinho a necessidade social do fim dessa divisão binária. Essa questão fica evidente quando pensamos, por exemplo, na violência sofrida por pessoas trans na hora de saciar necessidades fisiológicas básicas. São comuns os casos de expulsão e até de agressões sofridas por identidades transmasculinas, transfemininas e as não binárias.
Além de todo o desconforto, há um estudo sobre o levante do desenvolvimento de infecções urinárias em pessoas transmasculinas pela falta de acesso a banheiros que comportem a comunidade com segurança e conforto. Pessoas cisgêneras também podem passar por constrangimento dentro dessa divisão binária dos banheiros, mesmo que, às vezes, passe despercebido.
E a inclusão não para por aí, acrescenta Nikolai. Para as famílias, esse modelo também é uma ótima solução. Tradicionalmente, fraldários e espaços infantis nos banheiros são reservados para as mulheres — cis —, dificultando e, às vezes, até inviabilizando um passeio das crianças com o pai. O banheiro sem distinção de gênero seria, então, uma ótima solução para esse problema!
"Implicar com a existência de um banheiro âgenero na ideia de que é uma suposta afronta à família tradicional brasileira diz respeito a uma ignorância do que realmente significa viver em sociedade, assim como o conceito de saúde defendido pela OMS, que é o bem-estar físico, mental, socioeconômico e espiritual. As configurações de um novo modelo de banheiro que não fere os direitos têm a ver com os bem-estares citados e com a responsabilidade do coletivo."
Necessidades adaptadas
Para a transformação desse ambiente ser efetiva, ela precisa envolver as necessidades do público como um todo. A alturas dos objetos, o acesso por rampas e a inclusão de um mobiliário de apoio adequado são algumas das demandas que precisam ser estudadas para, então, poderem ser atendidas. "Não basta construir um ambiente seguindo as normas ABNT (Associação Brasileira de Normas Técnicas), essas não reproduzem a essência da arquitetura, cada ambiente tem seu público e suas necessidade particulares", explica a arquiteta Gabriela Izar.
Viabilizar a construção de banheiros públicos sem distinção de gênero significa transformar esse ambiente em um local em que você pode ser você, independentemente de qualquer coisa. Como dentro da arquitetura sensorial o olhar vai muito além da funcionalidade, nesse caso, é necessário pensar em qual imagem o ambiente deseja transmitir para o público. Muito antes de uma pia, um vaso e um espelho, deve-se ver o banheiro como um ambiente social, um lugar de trocas e conversas, um refúgio.
Começando, então, com o posicionamento dos móveis, ele precisa ser pensado em um ambiente que deseja quebrar com um paradigma. Desconstruir a planta tradicional é uma ótima solução. Espelhos no teto, vasos suspensos, box separados do hall de entrada são algumas ideias de como fugir da disposição habitual dos móveis.
Iluminação
As luzes são grandes responsáveis por determinar a atmosfera do ambiente. A dica é apostar no jogo de cores e intensidades para trazer leveza e descontração. Essa pode ser inserida em ângulos não convencionais, como no chão, nas paredes ou apenas em pontos focais. "Se possível, incluir também a luz natural, pois ela é uma grande aliada quando queremos trazer para o público sensação de conforto e limpeza. Como a ideia também deve ser desconstruir o estereótipo ruim que a quebra dessa divisão traz para algumas pessoas, então apostar em um ambiente bem iluminado com tons vivos é uma boa pedida", explica Gabriela.
Cores
Após inverter padrões e brincar com os níveis sensoriais, explorar as cores também vai ajudar na hora de montar esse ambiente. Esse é o momento perfeito para deixar a sua criatividade aflorar, nada de rosa ou azul, muito menos de tons neutros. Brinque com as diferentes texturas, tonalidades e combinações cromáticas.
Objetos decorativos
Esses serão essenciais. Imagens que exploram questões da sexualidade, diversidade, itens que remetam a essa questão de gênero vão ajudar a normalizar o diferente e todo seu impacto. Trabalhar com odores é outra dica da Gabriela. Parte dos estudos da arquitetura sensorial pesquisam o chamado conforto olfativo e como os cheiros envolvem o público inconscientemente.
Proporcionar um bom isolamento e ventilação adequada nos espaços é uma forma altamente eficiente para purificar o ar. Além disso, sachês e difusores são ótimos para serem incluídos — esses cheiros, quando captados, vão direto para o sistema nervoso central, ativando memórias intensas, que vem mais à tona que as visuais.
Itens funcionais e de uso coletivo também são super bem-vindos. Um mobiliário de apoio, com estoque de absorvente, fralda, fio dental, pode compor muito bem a decoração, além, claro, de sua utilidade prática.
"A ideia é fazer com que esse ambiente acolha o usuário, causando sensação de intimidade, afinal, em casa, todo mundo usa o mesmo banheiro, né?", ressalta a arquiteta. Para trazer esse conforto, o uso de materiais naturais é essencial: madeira, serralheria, pedras, argila…
Na prática
Matheus Silva Alves, é designer de interiores e montou, em 2021, um lavabo para a Casacor Brasília seguindo a proposta sem gênero. Ele apostou no jogo de luzes, cores e mistura de elementos naturais, com muita sofisticação, mas sem perder o ar leve e divertido. O resultado foi um ambiente super funcional e seguro.
Para manter a privacidade, Matheus sugeriu colocar portas inteiras com trancas e boa vedação. Elas ajudam a isolar o box do resto do banheiro deixando o ambiente mais seguro e confortável para quem estiver usando.
Como forma de ressaltar ainda mais a identificação do público com o ambiente, outra dica do designer é construir box diferentes dentro do mesmo banheiro. Alguns com bacia sanitária, outros com mictório, cada um com uma pintura específica, uns maiores outros menores. Aqui, a falta de padronização é super bem-vinda.
*Estagiária sob a supervisão de Sibele Negromonte
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