Cozinhar num barco a vela em movimento sempre é um risco. A panela pode virar numa onda mais forte ou o cozinheiro ficar mareado com os cheiros e o balanço do barco. Por isso, quem tem mais resistência ao enjoo e sabe pilotar o fogão acaba cozinheiro de bordo. Foi o que aconteceu comigo na viagem do Papago. Antes de embarcar, eu me ofereci para preparar uma feijoada após a passagem de Gibraltar e tapiocas nos cafés da manhã, que os portugueses chama de pequeno almoço. Eu estava com "excesso de expectativas".
Se dependesse apenas do comandante Eduardo Viana, a alimentação de bordo seria à base de saladas, peixes e massas enlatadas, pães, queijos, sucos, frutas e umas cervejinhas. Foi preciso fazer um apelo para comprar alguns ingredientes in natura, tipo alho, cebola, cogumelos e pastas de grão duro.
Destilado a bordo estava proibido, mas contrabandeei uma garrafa de gim, cujo consumo acabou se tornando um "rito de passagem", num happy hour a bordo, sempre que nos aproximávamos dos nossos destinos.
No terceiro dia de navegação, com mar de almirante, pedi permissão para mostrar meus dotes culinários e fazer um carbonara, com o espaguete, os queijos parmesão e pecorino e o bacon que havia comprado, cujo cheiro enjoativo na geladeira já provocava reações desfavoráveis do nosso capitão.
Era a receita dos irmãos Ratzinger, ou seja, da família do papa Bento XVI: 400g de espaguete, quatro ovos, 5g de parmesão, 50g de pecorino, mas não havia, manteiga, sal nem pimenta. A alternativa foi usar um pouco do azeite do tempero de salada industrializado que havia a bordo, derramando cuidadosamente na frigideira para o vinagre não vir junto, acrescentar mais dois ovos e pôr mais parmesão, para substituir a falta de sal. Ficou bom.
Melhor ainda ficou no final da viagem, depois que comprei manteiga, sal e pimenta-do-reino, para seguir à risca a receita papal. Bati os ovos com o parmesão, o pecorino, o sal e a pimenta; cortei o bacon em tiras e dourei na manteiga; cozinhei o espaguete em água fervendo um minuto a menos do que o recomendado na embalagem; escorri e continuei a cocção na frigideira em que o bacon foi frito, em fogo baixo. Dois minutos depois, acrescentei o bacon já dourado e os ovos batidos. Mexi lentamente, com um pouco da água do cozimento e servi quente!
O comandante abriu a única garrafa de Cabriz que havia a bordo. Estava feliz, com Ana Cláudia ao seu lado. Modéstia à parte, o carbonara estava divino.
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