A parte mais emocionante de nossa aventura náutica foi a travessia do Estreito de Gibraltar, mais pelo simbolismo do que pelas condições do mar, que estava tranquilo, embora, no Atlântico, elas tenham se alterado bastante, com rajadas de vento de até 30 nós e muitas ondas cruzadas pela popa. O encontro das águas do Mediterrâneo com o Atlântico e a vista simultânea de dois continentes são deslumbrantes. Apenas 14,24km, o equivalente a 7,7 milhas, separam a Europa da África.
A profundidade das águas do estreito varia entre 300 e 1.000 metros. Nos últimos anos, na saída dessa área, ocorreram ataques de orcas a veleiros, um fenômeno ainda não explicado que, geralmente, provoca avarias nos lemes. Segundo biólogos, por causa das redes de pesca, as orcas de Gibraltar estão estressadas e correm o risco de desaparecer. Atualmente, haveria apenas cerca de 50 exemplares da espécie na região.
Gibraltar é um território controlado até hoje pela Inglaterra; do outro lado do estreito, destaca-se Ceuta, um enclave espanhol no Marrocos. Por esse canal passa um navio a cada seis minutos, num total de 85 mil grandes embarcações por ano — daí a nossa decisão de cruzarmos a região durante o dia. Na Antiguidade, Gibraltar era o Monte Calpe, um dos "Pilares de Hércules"; o outro era o Monte Hacho, chamado de Ábilian pelos muçulmanos. Segundo a mitologia grega, em um dos seus 12 trabalhos, Hércules abriu caminho com seus ombros para ligar o Mediterrâneo ao Atlântico.
Riqueza histórica
O nome Gibraltar é uma homenagem ao general Tariq ibn Ziyad (Tárique), o Grande (Djabal), que atravessou o estreito em 711, quando os muçulmanos invadiram a Península Ibérica, a qual dominaram até o século 16. Geologicamente, o estreito é o resultado da divisão de duas placas tectônicas: a Euro-asiática e a Africana. A conquista de Ceuta, em 1415, que aparece nos livros escolares, marcou o começo da expansão ultramarina portuguesa.
O objetivo da coroa portuguesa, impulsionada pela burguesia, era se apoderar da cidade que recebia as caravanas de mouros que transportavam ouro, marfim, especiarias e escravos. A expedição mobilizou uma frota de 212 embarcações, sendo 59 galés e 33 naus. Para a empreitada, toda a alimentação que havia no Porto, origem da maior parte da frota, foi requisitada por Lisboa, restando aos seus moradores comer as tripas do gado, que deram origem ao prato famoso, "Tripas à moda do Porto", e ao apelido de seus moradores, "tripeiros". Quem for a um jogo do F. C. do Porto no Estádio do Dragão, certamente escutará o grito de guerra: "Quem bate palmas é tripeiro. É tripeiro. É tripeiro!!!"
Ceuta tornou-se diocese em 1417, por bula do papa Martinho V. A partir de 1645, a diocese de Ceuta deixou de pertencer a Portugal e passou a ser espanhola. No contexto da Dinastia Filipina, que se seguiu à morte de D. Sebastião, em 1580, Ceuta manteve a administração portuguesa, tal como Tânger e Mazagão. Todavia, quando a Restauração Portuguesa, em 1640, não aclamou o duque de Bragança como rei de Portugal, ficou sob domínio espanhol. A situação foi oficializada em 1668 com o Tratado de Lisboa.
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