Em um momento de pura adrenalina, após a formatura na faculdade de educação física, Deusa Braga Macedo, 65 anos, fez sua primeira tatuagem. Hoje, a flor desenhada para marcar o fim de uma fase tão importante tem mais de 30 anos de história.
Mesmo inserida em um ambiente mais liberal, nem sempre suas tatuagens eram vistas com naturalidade. Na profissão de educadora física, os desenhos a tornavam mais descolada e moderna. Ainda que existisse o choque inicial, ele quase sempre era seguido por um "combinou muito com você!"
Dentro de casa as coisas foram diferentes. A arte precisou ser escondida do pai por um tempo e, mesmo depois de conformado, ele deixava claro que não gostava da tatuagem — relacionava com um estigma de rebeldia e transgressão. Por mais que os comentários negativos não tenham afetado sua decisão, os preconceitos sofridos também ficaram marcados em Deusa.
Quando foi conhecer a família do namorado, ele pediu que ela cobrisse a tatuagem para causar uma boa impressão em seus pais. "Como era a primeira vez que os via, aceitei. Mas avisei que isso não ia se repetir. Se eles fossem me aceitar de verdade, teria que ser como eu sou, com ou sem tatuagem", lembra.
A flor na perna acabou não sendo um obstáculo, Deusa e o atleta Washington Macedo, 59, somam mais de 27 anos juntos. O vestido vermelho escolhido por ela para subir ao altar causou muito mais surpresa do que o delicado desenho na pele.
Anos depois, Washington seguiu o exemplo da mulher e tatuou o símbolo do Canastra Warrios, um campeonato de ciclismo em São João Batista da Canastra (MG). Sua participação no evento foi marcante e ele quis registrar o momento para sempre. A homenagem rendeu até frutos inesperados: a organização da competição garantiu que o atleta terá acesso gratuito a todas as provas em que participar.
E como muitos filhos que seguem o exemplo dos pais, não demorou muito para que a filha do casal, Diana Braga, 25, quisesse ostentar rabiscos na própria pele. Aos 12 anos, ela fez o pedido para os pais, que disseram que a autorização só viria aos 18. Assim que chegou à maioridade, Diana usou o primeiro salário para bancar o sonho. Ela foi além e, hoje, é a mais tatuada da família, com 13 desenhos colecionados nos últimos seis anos.
"A mudança de mentalidade das gerações é visível. Desde os traços, as cores e os estilos, até a mentalidade das pessoas. Minha filha, com certeza, não seria vista da mesma forma se tivesse nascido na mesma época que eu, e ainda bem que isso mudou", completa Deusa.
Preconceito dos dois lados
Tatuadora há cinco anos, Larissa Azevedo, 27 anos, reconhece e comemora a diminuição do preconceito contra pessoas que têm tatuagens, mas pondera que o cenário sempre foi mais atrasado para elas. Primeiro, o estigma contra homens tatuados diminuiu. Eles deixaram de ser enxergados como marginais para serem vistos como revolucionários e modernos. Já as mulheres da mesma geração não tinham o privilégio de carregar essas características como elogios.
Com o passar das gerações e a resistência de mulheres que tiveram a ousadia de não se conformar, a tatuagem passou a ser mais aceita e bem-vista nas peles femininas. E um ponto fundamental foram as mulheres do outro lado da agulha.
Larissa tem o próprio estúdio e tanto ela quanto outras jovens tatuadoras sabem a importância de quem veio antes delas, vivendo e trabalhando em ambientes majoritariamente masculinos. Ela lembra que quando dividia estúdios com colegas homens, mais de uma vez, passou por situações constrangedoras, ouvindo comentários e brincadeiras machistas enquanto atendia.
Em alguns lugares, os colegas davam a ela tarefas como limpar e arrumar o estúdio e quase nenhum cliente era direcionado para sua mesa. "Claro que melhorou muito, mas ainda existe esse machismo no meio. Além de ser ruim para as profissionais, incomoda as clientes, que podem até desistir de tatuar, em situações assim", lamenta.
Com um estilo de traços finos, tatuagens coloridas e delicadas, Larissa desejava trabalhar em um espaço que refletisse sua arte. As paredes brancas do seu estúdio têm poucos desenhos, todos eles criados por ela. Prezando pelo atendimento humanizado e por desenhos únicos, a jovem se encontrou no nicho das tatuagens afetivas. Sendo responsável pela primeira tattoo de muitas pessoas, a maioria delas conta uma história preciosa.
Entre 100 clientes, apenas dois são homens, mas isso não a incomoda. "Acho que é muito de estilo. O fine line é mais delicado e, normalmente, mais escolhido por mulheres, mas, sem dúvidas, muitos homens ainda têm preconceito em se tatuar com mulheres", acredita.
Atendendo mulheres de 10 a 75 anos, com uma maioria de clientes entre os 30 e 40 anos, Larissa acredita que a mudança de mentalidade, finalmente, beneficia mulheres que sempre quiseram marcar momentos importantes na pele, mas tinham medo do preconceito.
Guru e Lino
Apaixonadas por Brasília, pela arte e uma pela outra, a estudante Helena Maria Rodrigues, 19 anos, e a servidora pública Ana Maria Rodrigues, 52, resolveram eternizar na pele uma ilustração de Pedro Sangeon, o criador do Gurulino, pelos traços de Davi Braz.
Mãe e filha são fãs de Pedro e de Gurulino há anos. Contemplativo e espirituoso, Lino ganhou o coração das duas. Em desenhos espalhados pela cidade e no Correio, um cara comum em uma viagem pelo seu universo interior sugere reflexões de forma simples e criativa. A partir de pequenas adaptações, a arte saiu dos muros e foi parar na pele.
"É um abraço aconchegante que forma um coração envolvido por algumas plantinhas. O equilíbrio perfeito entre nós. A mãe, Guru, amorosa e espiritualizada, e a filha, Lino, cética e curiosa, unidas por um laço eterno", derrete-se Ana Maria.
Como servidora pública, Ana Maria revela já ter ouvido comentários negativos sobre suas tatuagens no ambiente de trabalho, além de alguns olhares carregados de julgamento. Mas as experiências com o preconceito não a impediram de se expressar.
Feliz com a mudança significativa de mentalidade dos últimos anos, ela não se preocupa com a filha, que tem maturidade para ser ela mesma e se expressar como deseja.
Muitas pessoas, mesmo que não tenham vontade de tatuar, elogiam os desenhos e a coragem da dupla. Os comentários, sobre o desenho e o significado, são somente elogios, e elas acreditam que todos acabam se sentindo um pouquinho abraçados com todo afeto e carinho que a história transmite.
Entre mãe e filha
A experiência de fazer uma tatuagem juntas foi marcante. Ana Maria é fã da arte de se colorir faz tempo e já tinha feito algumas — várias — tatuagens antes, mas Helena é nova nesse mundo. "É muito especial, vou ter para sempre essa lembrança da primeira tatuagem ter sido com a minha mãe", diz a jovem.
Poder participar do processo da primeira tatuagem da filha também tem grande significado para Ana Maria — foi mais uma etapa que elas concluíram, ou iniciaram, juntas. "Ela reconheceu minha independência, mas quis mostrar que vai estar sempre comigo, mesmo depois da maioridade", acrescenta Helena.
Para decidir o traço, o estilo e as cores, elas entraram em um consenso, encontrando um meio termo, que foi reproduzido pelo tatuador Davi Braz, com autorização de Pedro. Mesmo com o nervosismo natural do momento, as duas chegaram seguras e confiantes e saíram de lá com zero dores ou arrependimentos. E as próximas tattoos solo já estão sendo planejadas, mas as duas não negam uma nova colaboração.
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