Neurônios em dia

Pobreza atrapalha desempenho cerebral e contribui para o retardo mental

Em países desenvolvidos, a prevalência de retardo mental situa-se em torno de 3-5/1.000 indivíduos, enquanto em países pobres a prevalência chega a ser cinco vezes maior

Vamos primeiro aos números alarmantes. Os dados da Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional apontam que 33 milhões de pessoas passam fome no Brasil no ano de 2022, contingente maior do que o registrado há 30 anos, quando a população era bem menor. Seis em cada 10 brasileiros convivem com algum grau de insegurança alimentar. Em 2018, 5,8% dos brasileiros passavam fome. Em 2020, 9% e, em 2022, 15,5%. Há fome em 13,5% dos domicílios em que residem apenas adultos, enquanto entre domicílios com três ou mais crianças ou jovens é de 25,7%.

A pobreza é reconhecida como um dos principais fatores que contribuem para o número de pessoas com retardo mental ao redor o mundo. Em países desenvolvidos, a prevalência de retardo mental situa-se em torno de 3-5/1.000 indivíduos, enquanto em países pobres a prevalência chega a ser cinco vezes maior. A pobreza está por trás de dois dos principais fatores de risco para o retardo mental: deficiência nutricional e de estímulo cerebral. O problema deve ser visto como uma epidemia neurológica escondida. Do ponto de vista de saúde pública, a pobreza tem um impacto sobre o estado neurológico muito maior que a maioria das doenças neurológicas com suas organizadas sociedades médicas e associações de pacientes, e com seus medicamentos que movem o business da saúde.

Mesmo as crianças que não desenvolvem retardo mental chegam em idades avançadas com menor desempenho cognitivo quando crescem em situação de pobreza. Há evidências também de um envelhecimento cerebral mais rápido entre os pobres e que a pobreza na infância está associada a uma redução do volume da substância branca e cinzenta do cérebro.

Atacar de frente a pobreza vai além da questão de humanismo e de direitos humanos. O Banco Mundial reconhece que dentre todas as intervenções em saúde, o controle da desnutrição pode ser considerado a que apresenta melhor custo-benefício. E os primeiros anos de vida de uma criança são os mais vulneráveis para o cérebro, começando a contar desde o primeiro dia da concepção, na barriga da mãe. A mãe precisa comer bem. Todo mundo tem que comer bem. E uma coisa puxa a outra. Crianças desnutridas têm menor chance de chegar à escola e, quando chegam, têm maior chance de evasão.

Pense nisso. A fome sangra o indivíduo, sangra uma família, sangra um país.

*Dr. Ricardo Teixeira é neurologista e diretor clínico do Instituto do Cérebro de Brasília