Infância tranquila, criação livre para fazer escolhas e presença forte de toda a família. Assim descreve Pedro Matias, 29 anos, pedagogo de formação e coordenador de projetos na Casa de Ismael, quando levado a recordar-se sobre seus anos iniciais. Em casa, as mulheres eram figuras importantes e, desde cedo, despertaram sua admiração.
Ainda nesse período, lembra-se de estudar em uma escola que dividia o espaço da sala de aula em rosa e azul; por identificação, ficava no canto rosa. Tal situação foi levada para a família com preocupação pela comunidade escolar, que recomendou acompanhamento médico. "Naquela época, em 1995, isso não era considerado normal." Apesar de achar estranho, a mãe o levou a uma psicóloga, que os orientou a trocarem o menino de colégio, pois aquele não era o ambiente adequado para o seu desenvolvimento.
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Sempre percebeu que era diferente, mesmo quando ainda não compreendia com exatidão do que se tratava. Na adolescência, veio o sentimento de culpa, vergonha e a necessidade de querer se enquadrar em padrões. Por evitar tocar no assunto, sentiu-se muito sozinho. Com os pais, mesmo a relação sendo muito boa, houve medo e receio de contar sobre sua homossexualidade.
Aos 16 anos, tomou coragem e conversou com a mãe, interesse que também partiu dela. "Eu me senti muito acolhido e compreendido, foi o que me fortaleceu." Planejaram juntos como contar ao pai e, para a surpresa de ambos, ele também aceitou bem a situação. "Meu pai nem sempre me entende, mas sempre me acolhe, respeita e faz de tudo para me compreender, o que considero mais importante. Eles abraçam meus amigos e amigas e já foram, inclusive, na parada comigo", relata.
A adolescência, período terrível, segundo ele, para qualquer pessoa LGBTQIA+, foi marcada por um turbilhão de emoções e por casos de intolerância que, na época, por não serem bem compreendidos, eram naturalizados. Sofria bullying e também praticava, como forma de autodefesa. Apesar de ter amigos, lembra-se de ser um momento bastante solitário, por não compartilhar seus sentimentos e suas vivências. Somente no final desse período, aos 18 anos, sentiu-se mais confiante para começar a dividir tais experiências, inclusive com uma prima, que se reconheceu lésbica.
Por considerar-se diferente do esperado pela sociedade, não está livre de desconfortos causados pelo preconceito. "Isso é coisa de mulher", já escutou inúmeras vezes. Hoje, encara com mais naturalidade. "Se causo incômodo, isso diz muito mais sobre os outros do que sobre mim. O incômodo é bom, nesse sentido, justamente por despertar questionamentos nos outros."
Um ato político
Mas releva, claro, que é preciso avaliar se há espaços de segurança para essa atitude. "Acho que é um privilégio eu me sentir seguro para encarar essas situações. Sei que tantos outros não o têm. Por isso, continuamos lutando por nossos direitos, já que viver, para nós, é um ato político".
Como voluntário da Casa Rosa, instituição destinada a acolher e prestar assistência à população LGBTQIA , Pedro já realizou eventos para arrecadar recursos e, atualmente, é coordenador pedagógico e compõe a diretoria da ONG. Lá, objetiva-se fortalecer vínculos e proteger aqueles que sofreram violências e rupturas com a família e necessitam de um lar. Há o desenvolvimento de oficinas culturais, acompanhamento psicológico e assessoria jurídica.
Para Pedro, as histórias mais emocionantes são daqueles que conseguiram, com muito esforço, sentir-se realizados, seja conquistando o emprego desejado, seja mudando de nome. Há, também, muita satisfação, nos voluntários, em poderem possibilitar tais oportunidades, que os motivam a dar continuidade aos projetos. Pessoalmente, o jovem trabalha pensando e construindo políticas públicas para fortalecer a população LGBTQIA do Distrito Federal.
A Casa Rosa localiza-se em Sobradinho e atende o público LGBTQIA + em situação de vulnerabilidade social. Para solicitar um processo de acolhimento, fazer doações ou se candidatar como voluntário, acesse os links presentes no perfil do Instagram: @casarosadf.
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Redes de apoio
Apesar das histórias de sucesso de pais que lutam ao lado dos filhos contra os preconceitos e os apoiam, ainda existem casos em que se assumir é um fator de risco, que pode levar inclusive, ao desalojamento. Por isso, um projeto da Secretaria de Desenvolvimento Social (SEDES) do Governo do Distrito Federal começou a ser colocada em prática em 2021, após uma emenda parlamentar de iniciativa do deputado distrital Fábio Félix.
Com parceria do Instituto Ipês, o projeto é chamado de “Repúblicas de Acolhimento LGBTI+” e conta com conta com três unidades em diferentes regiões administrativas do Distrito Federal. “Era uma demanda antiga da comunidade, pois para garantir qualidade de atendimento, era necessário criar um local de acolhimento para as necessidades específicas desse público”, conta Ludymilla Santiago, coordenadora do projeto.
Funciona de forma análoga a repúblicas estudantis, em que estudantes dividem os custos e responsabilidades de dividir um lar. A diferença é somente no custeamento do local, que é feito pelo GDF. As divisões de tarefas como limpeza e organização do espaço, são de responsabilidade dos moradores, que podem morar no local por até um ano. O prazo existe pois não é uma moradia fixa e, sim, um local que permite a segurança para garantir a reinserção social.
“O acolhimento não é uma forma de assistencialismo, é uma assistência”, esclarece Ludymilla. O principal objetivo do projeto é assegurar segurança para a população poder buscar seus meios de independência. A coordenadora relembra com muito orgulho de casos com desfechos positivos, como um recente, de uma ex-moradora que após ser expulsa de casa devido sua orientação sexual, buscou auxílio e viveu por três meses na república, até conseguir ingressar no mercado de trabalho e ter sua moradia própria.
A iniciativa tem vigência até 2023 e a expectativa dos organizadores do projeto é que seja incorporado como política pública após esse período, por causa do impacto que tem causado. Pelas repúblicas, Ludymilla Santiago estima que já tenham passado cerca de 70 pessoas, com variadas faixas etárias e histórias de vida. A equipe por trás hoje conta com coordenação, atendimento psicológico e profissionais de serviço social e é formada somente por pessoas que também fazem parte da população LGBTQIA+.