Cidade nossa

Os rumores do rock

No princípio era o caos. Um bando de meninos e quase nenhuma menina fazendo barulhos eletrificados, infernizando as garagens dos pais, com guitarras caras e novinhas e palavras pueris contra o "sistema", cheias de indignação juvenil. Todo mundo queria ser punk, até os filhos dos bacanas.

Em meados dos anos 1980 algumas das bandas formadas por este movimento já tinham pegado a estrada, graças aos Paralamas do Sucesso que, no álbum de estreia, gravaram Química, música de Renato Russo, que atraiu os olhos dos executivos das gravadoras para Brasília. Mas, por aqui, o barulho não diminuiu.

Quando não estava ligada na tomada, a turma do rock se encontrava no Sebo do Disco, loja que começou em Taguatinga e chegou ao Venâncio 2000. Era um ambiente de troca de informações, de discos — inclusive piratas — e agitos. Naquela algazarra, o proprietário, Isnaldo Lacerda Junior, teve a ideia de lançar um disco com bandas de rock de Brasília. Ele seguia o exemplo do sebo paulistano Baratos Afins. O irmão mais discreto, Ismar, e o sócio, Josiel Moreira, viam tudo com alguma desconfiança, mas toparam embarcar no sonho-loucura. Nascia o disco Rumores.

Era uma época em que o rock vivia grande ebulição na cidade — um ano antes, a Legião Urbana havia lançado o seu primeiro disco, espalhando um vírus responsável pelo surgimento de mais de uma centena de bandas. Eram tantas fitas demos que deram origem ao programa Toca Brasília, que produzi na Rádio Nacional FM.

Isnaldo teve ouvido para selecionar quatro bandas e criar a primeira coletânea do rock feito na cidade, numa época em que tudo era muito difícil. Brasília não tinha estúdio; as bandas tiveram que enfrentar uma viagem — de ônibus — para Belo Horizonte, onde gravaram no estúdio Bemol. E os discos foram prensados no Rio de Janeiro.

Inicialmente foram selecionadas Escola de Escândalo, Finis Africae, Elite Sofisticada e Plebe Rude, mas esses últimos já tinham entabulado conversas com a mesma gravadora da Legião Urbana (Emi) e deixaram o projeto. Depois de nova seleção no Teatro Rolla Pedra, do José Fernandez, o Detrito Federal foi selecionado para integrar o escrete.

Isnaldo foi embora mais cedo, no último dia 28, vencido por uma persistente diabetes. Fez história. O disco Rumores é o retrato de um tempo em que a criatividade andava solta, quando os jovens se expressavam abertamente, sem o esconderijo covarde das redes sociais ou a indigência intelectual das pichações.

Ele ainda tentou seguir em frente com a ideia de lançar discos. Chegou a fazer um EP do Finis Africae e parou por aí, por causa da dificuldade de distribuição em um tempo em que não havia internet, era difícil mandar um LP pelos Correios e quase impossível ter um canal de divulgação. Hoje cultuado — e caro nos leilões da vida —, Rumores teve uma tiragem de pouco mais de mil exemplares e um encalhe que demorou muito tempo para acabar.

Isnaldo era um sujeito que falava rápido, mas pensava mais aceleradamente ainda, embolando as palavras. Obstinado, não se abalou nem quando lembrei que Rumours era o título de um disco do Fleetwood Mac, de 1977; deu de ombros. Tinha o tino do empreendedor e a paixão do fã, um agregador agitado que ajudou a moldar a personalidade da cidade.