Especial

Mês do Orgulho LGBTQIA+: "É preciso coragem para não permitir que te diminuam"

No Mês do Orgulho LGBTQIA+, contamos a história de pessoas que assumiram sua sexualidade, diferente do "padrão" esperado, e contaram com o amor e o respeito irrestrito dos pais no combate à homofobia

Letícia Mouhamad* e Carolina Marcusse*
postado em 19/06/2022 08:02
 (crédito:  EVARISTO SA)
(crédito: EVARISTO SA)

Nascer em uma cidade pequena e rural, como Joviânia, em Goiás, não seria uma barreira para a estudante de letras Nicolly Prado, 23 anos, se o apelo conservador e, principalmente, religioso não motivasse julgamentos a respeito de sua sexualidade. Apesar de sempre ter tido uma relação positiva com os pais, "um pouco mais liberais", segundo ela, sentia-se muito diferente do resto da família, todos muito religiosos. Criada na igreja até os 14 anos, percebeu-se como bissexual aos 13.

Por ser tudo muito novo, sentia-se culpada. "Contei para a minha mãe e ela surtou." Foram, então, dois anos de desafios nessa relação, permeada de incompreensão, choro e brigas. Com o resto da família que não aprovava sua orientação, não se importava, mas sofria com os constantes desentendimentos com os pais. O preconceito veio de parentes, conhecidos e amigos de infância. "Muita gente mudou comigo, me tratavam de maneira estranha."

A primeira reação da mãe e do pai foi encarar a situação como uma fase, considerando ser apenas um momento da adolescência. "Minha mãe só percebeu que era algo sério quando me relacionei com minha primeira namorada. Daí, as brigas se tornaram mais frequentes", relata. Aos poucos, porém, ela começou a se acostumar e, hoje, aceita totalmente. Um dos fatores que contribuiu para esse amadurecimento, acredita Nicolly, foi a distância física entre ambas, quando a jovem se mudou para Brasília, aos 14, para estudar.

Nicolly Prado ladeada pela noiva e pela mãe: relacionamento em harmonia
Nicolly Prado ladeada pela noiva e pela mãe: relacionamento em harmonia (foto: Arquivo pessoal)

Bissexualidade

Um problema que também surgiu durante o período de adaptação foi a invalidação da possibilidade de ser bissexual, visto que, quando ficava com meninos, achavam que ela havia voltado ao "normal" e reafirmavam que era somente uma fase. Da mesma forma que, ao relacionar-se com meninas, sentiam-se decepcionados novamente.

Como gosta muito de viajar, presenciou desrespeito também em outros países. Na Coreia do Sul, por exemplo, onde fez intercâmbio e conheceu a noiva, recorda-se de precisar lidar com piadas, pessoas apontando o dedo para o casal e até mesmo as parando na rua para fazer julgamentos.

Para os mais jovens, a dica é não ter medo de se afirmar e reafirmar, caso seja necessário. "Se eu não tivesse batido o pé e me reafirmado, mesmo com as brigas, as pessoas não me respeitariam da forma como sou. É preciso ter coragem e segurança para não permitir que te diminuam e te apaguem. Se somente uma vez eu tivesse abaixado a cabeça e desistido de levar a minha namorada para algum evento em família, por exemplo, a situação se repetiria outras vezes."

Hoje, a relação entre a mãe e a parceira é muito positiva e, como a noiva é mexicana, o casal tem se revezado nos países para passarem mais tempo juntas.

O papel da escola

Parada do Orgulho LGBTS de Brasília, no gramado do Congresso Nacional do Brasil na Esplanada dos Ministérios.
Parada do Orgulho LGBTS de Brasília, no gramado do Congresso Nacional do Brasil na Esplanada dos Ministérios. (foto: Minervino Junior/CB/D.A Press)

Você sabia que as Diretrizes Curriculares Nacionais, concebidas pelo Conselho Nacional de Educação, preveem a discussão, em sala de aula, de temas relativos à identidade de gênero, à orientação sexual e ao enfrentamento da violência e do preconceito? Se sim, consegue imaginar o porquê dessa determinação?

Diferentemente do racismo, na LGBTfobia, a família toma o filho ou a filha como um "corpo estranho", alguém que é diferente, o que faz com que crianças e adolescentes, principalmente, percam essa base de proteção. Nessas situações de ruptura de vínculo, esses grupos entram em condições de vulnerabilidade emocional e financeira.

Tatiana Lionço, doutora em psicologia e professora de comunicação organizacional da Universidade de Brasília (UnB), recorda-se de casos de jovens universitários que, ao sofrerem rupturas abruptas, ficaram sem moradia. Pensando nisso, ajudou a criar, por meio da Diretoria da Diversidade, o programa de auxílio emergencial, o PADiv, bolsa-auxílio com duração de poucos meses para que a pessoa consiga se organizar financeiramente. Difere da assistência estudantil, que, por exigir comprovação da condição socioeconômica, não se encaixava na realidade desses estudantes, que não conseguiam comprovar que precisavam do suporte.

A docente reforça a importância da escola na promoção da educação e da proteção dos jovens, visto que deve cumprir políticas públicas marcadas por uma ética democrática, que prevê, pelas Diretrizes Curriculares Nacionais, tratar sobre gênero e sexualidade em sala de aula. Isso entra nos currículos como parâmetro para a formação da cidadania, direito à informação e à saúde. Tal determinação se dá por estar relacionada a questões de direitos humanos, saúde pública e violência, de forma que esse público possa se proteger de violências morais.

"A escola apresenta, para crianças e adolescentes, a diversidade da sociedade, sempre tendo como referência o nosso marco legal e constitucional. Na contemporaneidade, isso tem se tornado motivo de polêmicas, em que as famílias foram incentivadas numa lógica de escola sem partido, o que chamam de doutrinação ideológica, sendo colocadas contra as escolas. Isso não deve ocorrer. Ambos os agentes devem dialogar e se aproximar", afirma Lionço.

É também no colégio que os profissionais poderão identificar, por exemplo, indicadores de violência doméstica e apresentar para as crianças outras ideias, culturas e narrativas. A estratégia mais importante sempre virá por meio das instituições de ensino, que informam sobre leis e direitos e questionam práticas que culturalmente são tradicionais, como educar por meio da violência. "Quando a escola se torna um espaço de pertencimento, a vida desses jovens é transformada", afirma Tatiana.

Além do ambiente estudantil, é em casa que ocorrem algumas das trocas mais importantes, por isso, a professora afirma que, para amar e respeitar, não há necessidade de pensar exatamente como o outro. "O mais importante é não polarizar essa questão, mas, sim, incentivar a circulação de informação. Que possamos incentivar as pessoas a cumprirem com suas responsabilidades, ouvir mais do que julgar e não romper os laços", pontua. Ela recomenda que começar a se questionar sobre o assunto é o primeiro passo para a mudança e convivência tranquila entre gerações.

 

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    Nicolly Prado ladeada pela noiva e pela mãe: relacionamento em harmonia Foto: Arquivo pessoal
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    Parada do Orgulho LGBTS de Brasília, no gramado do Congresso Nacional do Brasil na Esplanada dos Ministérios. Foto: Minervino Junior/CB/D.A Press
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    Dia de Combate à LGBTFobia: qual o papel das leis no Brasil? Foto: Reprodução/Freepik
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