Especial

Casais que dividem a vida mas não a casa revelam porque não moram juntos

Casais mostram que viver cada um em sua casa, ou ao menos manter o próprio quarto, pode ser um grande aliado da proximidade afetiva

por Ailim Cabral
postado em 12/06/2022 10:00
 (crédito:  Marcelo Ferreira/CB/D.A Press)
(crédito: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press)

Conhecer-se, trocar mensagens ou número de telefone e sair em um encontro é como a maioria das histórias de amor começa. O primeiro contato pode ser combinado, marcado por amigos em comum ou uma feliz coincidência. A partir daí, grande parte dos relacionamentos parece seguir um roteiro predeterminado, seja pelas convenções religiosas ou sociais, seja pelo ideal que vemos em nossos planos, inspirados, claro, pelos grandes romances da literatura e do cinema.

Depois de compartilhar um momento especial, vem o namoro e o casamento, que podem ser intercalados pela experiência de morar juntos antes de oficializar. E no casamento tradicional, mesmo em culturas poligâmicas, marido e mulher vivem juntos, dividindo um teto. Mas será que um modelo de relacionamento se encaixa para todos os casais? Além das particularidades individuais, cada relação que a pessoa vive é diferente. E sendo tão variados, por que não poderiam também seguir formatos alternativos?

O próprio ato de dividir uma casa sem um casamento civil ou religioso ainda é alvo de julgamento por parte dos mais conservadores. Mas, cada vez mais, pessoas de todas as idades, gêneros e orientação sexual buscam novas formas de vivenciar relacionamentos amorosos.

Amor na BR-020

O professor Pedro Henrique Gomes Xavier, 32 anos, e seu marido, o enfermeiro Antônio Luis de Andrade da Silva, 27, estão juntos há seis anos e, destes, moraram na mesma casa por quatro. Pedro e Antônio resolveram viver juntos logo no início do namoro, mas, por questões profissionais, Antônio precisou se mudar para uma cidade vizinha. Pedro, por sua vez, não pôde ir, em função do trabalho.

Pedro e Antônio vivem em dois apartamentos e passam todos os fins de semana juntos
Pedro e Antônio vivem em dois apartamentos e passam todos os fins de semana juntos (foto: Arquivo Pessoal )

A BR-020, que liga Planaltina (DF) a Formosa (GO), virou testemunha do amor do casal. Os primeiros meses foram difíceis e os dois sofriam com a saudade. Mas, depois do período da adaptação e de uma melhora surpreendente em alguns dos principais motivos de briga entre eles, o arranjo começou a fazer sentido.

Pedro conta que o ciúme e a desconfiança costumavam causar conflitos e, morando em cidades diferentes, eles imaginavam que esses sentimentos podiam piorar. "Quando vimos que nossa confiança aumentou e passamos a curtir muito mais cada minuto que tínhamos juntos, percebemos que a mudança não era tão ruim", lembra.

Antônio, que não era muito fã de quando Pedro queria ficar sozinho, passou a enxergar as vantagens de contar não só com o próprio espaço físico, que pode organizar como prefere, mas também o valor de ter momentos consigo mesmo.

Pedro, um pouco mais bagunceiro, gosta de chegar em casa e não precisar se preocupar com nada. Se quiser, pode só se jogar na cama ou no sofá e curtir a própria companhia, independentemente das tarefas que precise cumprir em casa.

O amor não mudou. Pelo contrário, segundo o casal, aumentou e ficou mais forte. E depois, quando a distância deixou de ser uma necessidade, os dois optaram por continuar cada um com seu apartamento. Aos fins de semana, eles estão sempre juntos, se revezam entre as duas casas. Durante a semana, costumam se ver para almoçar e Pedro dorme na casa de Antônio uma vez ou outra. O contato por telefone é diário.

E quando estão juntos, a proximidade não tem fim. Dormem agarradinhos e adoram passar as noites de sábado curtindo Netflix e delivery. A pandemia afetou a rotina do casal, os encontros diminuíram pelos riscos que Antônio corria, trabalhando na linha de frente de combate ao novo coronavírus. Depois da vacinação, os encontros semanais voltaram a acontecer.

Pedro acredita que existe uma grande pressão social e religiosa em relação ao casamento e acha que muitas pessoas se submetem a tipos de relacionamento que não querem, somente para se encaixarem naquilo que é mostrado como o "correto".

"Vemos vários casamentos que foram construídos dentro do padrão porque as pessoas aprendem que, se fizerem tudo isso, serão felizes. E não é bem assim. Muitos deles acabam e casais que seguem caminhos diferentes passam anos juntos", diz o professor.

O exemplo dos famosos

Um dois principais motivos que leva casais de famosos a viverem separados é a intensa rotina de trabalho, com diversas viagens e horários pouco convencionais. Mas facilidades na convivência também foram consideradas por alguns deles. 

  • Rita Lee e Roberto de Carvalho Divulgação
  • David e Victoria Beckham foto: Reprodução/Instagram
  • Crédito: Instagram/Reprodução. Di Ferrero e Isabeli Fontana Instagram/Reprodu??o

  • Victoria e David Beckham
  • Julia Roberts e Daniel Moder
  • Isabeli Fontana e Di Ferrero
  • Astrid Fontenelle e Fausto Franco
  • Rita Lee e Roberto de Carvalho
  • Elizabeth Savalla e Camilo Áttila

O amor romântico e seus formatos

A forma como enxergamos o amor hoje surgiu no século 12. Antes disso, os casamentos eram feitos a partir de conveniências sociais e econômicas e o sentimento surgia com o tempo, ou não.

A questão é que, desde que o amor passou a povoar o nosso imaginário, o casamento surge como o auge desse sentimento e o início do felizes para sempre. Mas a vivência da sociedade já provou por A mais B que as coisas não funcionam dessa forma nem seguem uma fórmula perfeita.

A psicóloga, terapeuta de casais e conselheira do Conselho Regional de Psicologia Rebeca Potengy explica que, da mesma forma que o ideal de amor romântico foi construído, outras mudanças vão acontecendo naturalmente ao longo da história.

E casamentos em casas ou quartos separados fazem parte desse processo. Eles já aconteciam de outras maneiras e até às avessas. Casais que não mais se amavam, viviam na mesma casa, mesmo não tendo mais um relacionamento amoroso, mas havia a pressão social para manter a tradição familiar.

Hoje, os casais que não desejam mais estar juntos têm mais liberdade nessa escolha e os que se amam, mas não desejam dividir a cozinha, o banheiro ou o quarto, estão conquistando as mesmas prerrogativas.

Rebeca afirma que uma das maiores causas de conflito entre recém-casados é a dificuldade em se adaptar e transitar no mesmo espaço físico e subjetivo. "Ao dividir uma casa, dividimos também nosso tempo e nossa forma de viver, e isso pede paciência."

O diálogo e o poder de aprimorar as trocas relacionais costumam ser o caminho mais indicado para a solução desses atritos, mas, algumas vezes, as diferenças são muito profundas e exigiriam grandes concessões das partes.

Nesses momentos, Rebeca explica que é necessário analisar o que será mais saudável e proveitoso para cada casal. E a maior aceitação a diversos tipos de relacionamento permite que as pessoas apaixonadas reconheçam com tranquilidade que manter casas ou quartos separados pode ser a forma de viver o amor.

Individualidade necessária

A psicoterapeuta corporal e terapeuta de casais Nartan Lemos, 52, explica que os humanos têm dois conjuntos de necessidade, um de estarem juntos, se sentirem pertencentes e conectados aos outros. A vontade de amar e ser amado, de encontrar o companheirismo em outra pessoa.

Ao mesmo tempo, temos a necessidade da individualidade. "Precisamos nos lembrar que, antes de ser um casal, somos indivíduos. Preciso saber quem eu sou e do que eu gosto antes de me aventurar com o outro", diz a terapeuta.

Nartan acrescenta que a autonomia é uma questão de bem-estar e saúde. Na convivência saudável consigo mesmo, é possível abrir espaço para a vivência proveitosa com o outro. Dentro desse contexto, a psicoterapeuta observa que viver em ambientes separados pode ser uma das maneiras de conservar a própria singularidade. "Precisamos nutrir nossa individualidade, e cada pessoa encontra uma maneira diferente de fazer isso. Pode ser com hobbies, amigos, estudos, trabalho. Ter horários para o lazer e uma rotina de acordo com seus gostos."

Apesar de não ser necessário estar longe fisicamente para manter os próprios hábitos, ter um espaço só seu onde possa explorar a si pode ajudar aqueles que têm um pouco mais de dificuldade.

O que é meu e o que é seu

Para entender a forma como nos relacionamos e os hábitos cotidianos, Nartan ressalta o processo de individualização, definido pelo psiquiatra e psicoterapeuta Carl Gustav Jung. Quando começamos a amadurecer, passamos a entender o que pertence ao nosso pai ou à nossa mãe e o que pertence a nós.

Quando entendemos o que herdamos, analisamos o que faz sentido para nós. O que vamos manter e o que não desejamos perpetuar. A partir de então, surge o seu jeito, unindo o que mantemos dos nossos pais ao que criamos por nós mesmos.

Ao nos relacionarmos com outra pessoa, principalmente ao morar junto, misturamos a nossa individualização à do outro e nem sempre isso funciona, apesar do amor e do desejo de manter o relacionamento.

Surgem assim os novos formatos de relação, nos quais é possível manter o romance e o companheirismo sem que questões cotidianos se tornem obstáculos. Morar em casas separadas, namoro e casamento aberto, relações poliamorosas fazem parte dessas descobertas sociais.

"O importante nisso tudo é descobrir o que você quer, o que funciona para aquele casal. O foco aqui é o que os parceiros sentem e o que querem, independentemente do que a sociedade diz que é o correto. Ao se permitir, é mais fácil encontrar a felicidade", completa a terapeuta.

Entre a fazenda e a cidade

Para encontrar esse equilíbrio na vida pessoal, Nartan e o marido, o agricultor e empresário Luiz Mano Velho, 59, passaram a viver cada um em sua casa ao longo da semana. O arranjo surgiu como uma maneira de ajustar a vida separada de cada um ao relacionamento.

 08/06/2022 Crédito: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press. Brasil. Brasilia - DF -  Dia dos Namorados vamos falar sobre casais que vivem o casamento e o relacionamento de forma diferente da tradicional, são casados há seis anos e moram em casas separadas. Ela mora em Brasília e ele em uma fazenda próxima. Nartan Lemos e Luiz Altoé.
08/06/2022 Crédito: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press. Brasil. Brasilia - DF - Dia dos Namorados vamos falar sobre casais que vivem o casamento e o relacionamento de forma diferente da tradicional, são casados há seis anos e moram em casas separadas. Ela mora em Brasília e ele em uma fazenda próxima. Nartan Lemos e Luiz Altoé. (foto: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press)

Luiz gosta da natureza e seu trabalho exige que passe mais tempo na fazenda. Nartan tem filhos de outro casamento que moram com ela e seu trabalho como terapeuta requer que ela esteja em Brasília.

Juntos há seis anos e vindo de outros relacionamentos, Nartan e Luiz têm três e cinco filhos, respectivamente, e, depois de experimentar as vivências tradicionais em suas relações, encontraram um arranjo que funciona para eles.

Além do aspecto profissional, a saudade deixada pelos dias longe faz com que cada reencontro seja incrível. "A distância alimenta a relação, é o nosso tempero especial. Isso permite que a gente esteja em um estado enamorado, sempre encantados um com o outro", diz Luiz.

Para ele, nem sempre percebemos o valor do outro em nossas vidas no cotidiano. Quando existe a saudade, Luiz acredita ser mais fácil entender o quanto o parceiro nos acrescenta. Nartan acrescenta que o modelo é nutritivo, permitindo que o tempo juntos seja mais prazeroso.

Casados no civil, os dois não perdem a chance de dormir abraçados. Quando vem a Brasília, Luiz fica na casa de Nartan. Aos fins de semana, ela aproveita para fugir para a fazenda e curtir o marido e o ar puro.

Um banheiro para chamar de seu

Diferentemente de Nartan e Luiz, o bancário Marcelo Netto, 42 anos, e a comunicóloga Tatiana Coelho, 35, moram na mesma casa e dividem o mesmo quarto e a cama todos os dias. O casal, no entanto, estabeleceu um limite quando se trata do banheiro.

Os dois estão juntos há cinco anos e, segundo Marcelo, a ideia de um banheiro para cada um foi de Tatiana. Tatiana jura que a ideia é capaz de salvar casamentos. Com bom-humor, ela explica que é muito organizada e o marido é bagunceiro.

Tatiana e Marcelo dividem a casa e cama, mas não abrem mão de ter cada um  próprio banheiro
Tatiana e Marcelo dividem a casa e cama, mas não abrem mão de ter cada um próprio banheiro (foto: Ramon Guerrieri/Divulgação)

“Sendo no banheiro dele e não no meu, o Marcelo pode espalhar tudo e tomar banho até com a bicicleta que eu nem ligo. Além disso, acho banheiro a coisa mais íntima do mundo e gosto de ter essa privacidade”, completa.

Sobre o quarto, apesar de entender os casais que preferem dormir cada um em sua cama ou até em cada casa, eles acreditam que a ideia não se encaixa na relação dos dois. Para Marcelo, o ato de dormir juntos ajuda na resolução de eventuais conflitos.

Para Tatiana, compartilhar a cama faz parte do pacote. O casal ressalta, porém, que manter a individualidade e respeitar o espaço do outro são imprescindíveis em um casamento de sucesso. “Amamos a companhia um do outro, mas não precisamos fazer absolutamente tudo juntos, os reencontros fazem parte do casamento”, complementa Marcelo.

Respeito, confiança e diálogo são as palavras mágicas para encontrar o equilíbrio entre a individualidade e o casal. “Não somos um, somos duas pessoas que juntaram trajetórias, escolhemos estar juntas. A base é a confiança, conversamos sobre as inseguranças e tentamos que cada um resolva as suas”, finaliza a comunicóloga.

 

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