O sonho de ter filhos é comum para muitas pessoas. Para a nutricionista Eulália Carvalho, 30 anos, era uma grande certeza e desejo que compartilhava com o marido, Luiz Carlos Nascimento. Juntos há 10 anos, acreditavam que o próximo passo seria um pequeno ou pequena para completar o lar. No entanto, uma complicação nos rins causada pela diabetes não controlada da mulher tornava o sonho distante.
“A evolução da diabetes tipo 1 da paciente, que a levou para uma doença renal crônica, tornava difícil a possibilidade de ter uma gravidez saudável, pois, entre os tratamentos, era necessária a diálise”, conta Pedro Mendes, nefrologista do Hospital Brasília e médico de Eulália há mais de seis anos. A diálise é um tratamento que permite que, por meio do equipamento, algumas funções essenciais dos rins sejam substituídas para garantir o equilíbrio de alguns elementos, como potássio e ureia.
Mesmo sendo um procedimento que garantia a vida de Eulália, a diálise impunha uma série de restrições. Durante o período, precisou se afastar do trabalho, além de sofrer com dores e longas sessões. Apesar disso, a nutricionista nunca perdeu as esperanças. Estava inscrita na fila de doações de órgãos, pois um transplante renal seria capaz de trazer uma maior liberdade e uma oportunidade de poder engravidar com saúde.
O transplante de órgãos é a única esperança para centenas de pessoas no Distrito Federal, como indica o InfoSaúde-DF, Painel de Transplantes em que estão informados os dados sobre procedimentos do tipo na capital, número de transplantes realizados e os hospitais onde foram feitos. Até a última atualização, em março, existiam 570 pessoas na lista de espera por um rim e outras 410 por outros órgãos.
A nutricionista aguardou por sete meses até ser chamada pela primeira vez ao hospital para o procedimento. Ela conta que sua fé e o apoio do companheiro foram essenciais nesse período e que ficou muito aliviada quando recebeu a notícia que tinha chances de um transplante. No entanto, após avaliações mais minuciosas realizadas pelos médicos, chegou-se à conclusão de que o rim não era viável para transplante.
Eulália teve de aguardar por mais quatro meses até ser chamada outra vez e, nessa oportunidade, o transplante foi possível. “O primeiro pensamento foi de que tinha, finalmente, passado aquela fase difícil e meu rim estava chegando.”
A nutricionista pôde, então, fazer o tão desejado procedimento, que poderia trazer qualidade de vida e a aproximaria do sonho de ser mãe. O nefrologista Pedro Mendes explica que isso é possível porque as taxas normalizam após o transplante, o que poderia permitir uma gravidez bem-sucedida e com saúde, oposta a uma tentativa que teve durante a época da hemodiálise. “Cheguei a perder um filho com sete semanas de gestação”, relembra.
Eulália submeteu-se à cirurgia em 2019 e recebeu a recomendação de que esperasse de um a dois anos para uma nova tentativa de gravidez.
Renascimento
“Transplante é um renascimento”, emociona-se Eulália. “Minha cicatriz é uma marca da vitória, pois foi por causa dela que minha vida mudou completamente.” Após a cirurgia, voltou a trabalhar e começou a andar de bicicleta. Aos poucos, foi gostando da atividade e, hoje, chega a pedalar mais de 40 quilômetros com o marido, que a apoia. Também voltou a focar nos estudos para concurso. A única restrição que tinha era o tempo de espera entre a cirurgia e uma nova tentativa de gravidez.
Com foco nos outros objetivos, passou em um concurso público e continuou pedalando, mantendo-se saudável. Passado mais de um ano do procedimento, Eulália e Luiz Carlos esperavam que a gravidez ocorresse eventualmente, mas não criaram expectativas, pois sabiam que ainda não poderia ser o momento certo. Foi na metade de 2020 que o casal engravidou, mas ainda não sabia. Em uma consulta de rotina com o endocrinologista, a suspeita começou. Com relato de muito sono e repentina indisposição, o profissional logo desconfiou da gestação, mas a possibilidade passava longe da cabeça da mulher. “Acreditava que estava com anemia ou algum outro desbalanço. Não achava que estava grávida”, conta.
O médico recomendou alguns exames, entre eles o BHCG, que esclareceria se existia uma gestação em progresso. No dia em que foi buscar os resultados, chegou a dar uma avaliada geral nos níveis, mas devido à falta de atenção no momento da correria, não achou que estava grávida. Foi em uma consulta de acompanhamento com o nefrologista que a acompanhava desde antes do transplante que teve a confirmação.
“Eu estava olhando os exames recentes da paciente e vi que os níveis do hormônio produzido naturalmente durante a gravidez estavam altos. Fiquei animado por ela, que havia compartilhado comigo o sonho de ter filhos e a parabenizei imediatamente”, conta o médico. Para Eulália, foi uma grande surpresa ouvir a notícia. Naquele momento, estava há mais de quatro semanas gestando.
“Ela já saiu do meu consultório marcando consulta pré-natal com uma colega obstetra”, relata Pedro Mendes. “São em momentos como esse que vemos que o trabalho, o esforço e o cuidado valeram a pena, porque é sempre esse o nosso objetivo: poder dar uma possibilidade de vida normal para todos”, completa. Durante toda a gravidez, ele realizou consultas mensais para acompanhar de perto a saúde da mãe e complementar o trabalho dos outros profissionais envolvidos na assistência gestacional.
Esperança
Com uma gravidez cheia de saúde, Heloísa nasceu em 25 de março de 2022. “Não existe sensação melhor do que ter minha uma filha nos braços. É maravilhoso”, comove-se Eulália. Hoje, com a pequena em casa, vai celebrar o primeiro Dia das Mães e não poderia estar mais feliz. Para pessoas aguardando por transplante, aconselha que não desistam e afirma que “é possível sonhar”.
*Estagiária sob supervisão de Sibele Negromonte