Se você nasceu até meados dos anos 1990, deve se lembrar das cabaninhas que existiam nas locadoras de vídeo para esconder os filmes com conteúdo adulto. Talvez, na adolescência, tenha se juntado a alguns amigos curiosos e entrado em uma das secretas sexshops que existiam pelos subsolos das entrequadras de Brasília.
Hoje, talvez pense naquela época e ria enquanto compra um vibrador novo em uma lojinha descolada no Instagram. Ou não, pois é possível que o tabu em torno da sexualidade e da busca pelo prazer tenha afetado sua relação com o sexo e você não se sinta à vontade para explorar.
O bem-estar sexual, sexual care ou sexual
wellness se trata, justamente, de afastar o assunto de vergonhas, preconceitos e culpas. A busca pelo prazer deve estar atrelada à saúde e ao autocuidado, não a algo sujo, errado ou pecaminoso.
Mas como praticar o bem-estar sexual? A primeira coisa a se considerar — e descobrir — é o que te traz prazer. E, para saber do que gostamos ou não, o autoconhecimento é fundamental. Isso vale tanto para desvendar a mente quanto o corpo.
Sexóloga do Grupo Elas, Thalita Cesário explica que esse aspecto faz parte dos pilares determinantes para a qualidade de vida, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), e, portanto, o tema deve ser abordado "abertamente, como uma questão física e mental". "Sexualidade não é só sexo. Sexo é consequência de uma boa sexualidade, que tem a ver com comportamento, afetividade, relacionamento e autoestima", observa.
Para a especialista, as limitações sociais que impedem um debate amplo não só colocam em risco crianças e adolescentes, como impõem padrões de comportamento a homens e mulheres — eles precisam manter uma postura viril, de controle e sem falhas; elas não podem admitir que se masturbam ou que gostam de sexo.
"Ainda vivemos em um país muito machista e, ao mesmo tempo, um tanto hipócrita, que elogia a mulher no carnaval, decotada, sensual, sambando, mas critica essa mesma mulher quando quer falar sobre sexo em outro período. Tudo isso tem influência religiosa, conservadora. Por mais que tenhamos uma onda de pessoas tratando abertamente do assunto, temos outra onda que prega contra e julga quem se expressa livremente", compara Thalita.
E enquanto essa forma de pensar evolui e se difunde, o sexual care ganha status de autocuidado. Afinal, investir no próprio prazer, assim como investimos em skincare, meditações e exercícios físicos, deve fazer parte da rotina.
Fofa, se toca!
A ilustradora Débora Pimentel Maia de França, 30 anos, é de uma geração na qual as mães já conversavam com as filhas sobre preservativos, métodos contraceptivos e saúde sexual. Contudo, o prazer e a importância de se permitir senti-lo ainda eram um grande tabu.
"Cheguei a ter 'a conversa' com minha mãe, e foi superimportante em toda essa questão mais funcional e de saúde. Mas ficou nisso, e não acho que seja culpa dela ou algo assim, porque ela me ofereceu mais do que recebeu, com certeza", considera.
Apesar de estar bem-informada nesses aspectos, a autoestima baixa e a falta de incentivo da sociedade para que a mulher explore a sexualidade e o próprio corpo fizeram com que Débora desenvolvesse uma série de travas que a desestimularam a iniciar a vida sexual. Aos 25 anos e morando no exterior, porém, ela se sentiu mais livre. "É engraçado. Eu fugia de brasileiros ou de pessoas que podiam me conhecer. Com alguém que nunca mais veria, era mais fácil escapar de julgamentos e experimentar", lembra.
Com vergonha de conversar, tanto pelo tabu quanto pelo medo de falar alguma "besteira", Débora começou a desenhar e a explorar a sexualidade de forma mais divertida. Ao enviar as ilustrações para algumas amigas, percebeu que, além de elas adorarem os desenhos, a iniciativa estimulou a troca de experiências.
Assim nasceu a Cara de Fofa, página no Instagram em que Débora compartilha desenhos e fala sobre sexo. As figuras fofinhas com frases provocativas ganharam muitos fãs e pessoas que se identificaram. "É meu jeito. Posso ser fofa e safada. Não tenho de ser aquele padrão de mulherão séria e misteriosa. Eu não me achava sexy e, agora, eu me sinto sendo quem sou", comemora.
Oferecendo um lugar seguro e representatividade, Débora ganhou milhares de pessoas para trocar experiências e se tornou parte da construção de uma relação mais positiva entre a sociedade e o sexo. Ela acredita que isso é fundamental na educação sexual e para fugir de ciladas, sejam elas experiências ruins comuns, sejam situações mais sérias, como abusos.
"E não vale só para as mulheres. Os caras se informam sobre sexo no pornô, e isso também leva a uma relação tóxica com a sexualidade, prejudicando tanto eles próprios quanto as pessoas com quem se relacionam. Pode ser muito melhor para todo mundo, e quero ajudar nisso", completa.
Ajudando os outros a se conhecerem
Quem também descobriu o dom para ajudar outras pessoas a explorar sua sexualidade foi Aliny Vieira, 26. Criadora da página Se Toca, Garota!, a estudante de serviço social entendeu que as dificuldades enfrentadas por ela própria eram situações recorrentes e vivenciadas, principalmente, por outras mulheres.
Hoje, pela internet, ela conversa com mais de 3,6 mil seguidores sobre temas como sexualidade saudável, autoestima, consenso e as mais diversas formas de sentir prazer. "Quando comecei, em 2017, eu estava em um processo de autodescoberta. Tinha vida sexual ativa havia cinco anos, mas nunca tinha vivido um orgasmo. Comecei a pesquisar, ler bastante, tentar várias coisas, mas achava que fosse um mito", confessa.
O momento de clímax veio pela primeira vez graças a um vibrador. Depois da sensação, Aliny se deu conta de que precisava se conhecer. O ambiente familiar, marcado por um contexto religioso, impôs barreiras ao diálogo. Mas, como parte do processo de experimentação que se iniciou, a empreendedora resolveu reunir mulheres que passavam por situação semelhante por meio de um grupo fechado no Facebook. Em três meses, a comunidade tinha mais de 1,7 mil participantes.
Aliny ressalta que a curiosidade e a comunicação — nos casos que envolvem outras pessoas — são partes cruciais da experiência. Além disso, lembra que tudo começa com a apreciação de si. E incluir esse hábito na rotina pode estar a alguns toques de distância. Literalmente.
"Muita gente ainda olha para a masturbação como uma prática solitária, como se fosse algo feito por quem não tem ninguém, que não tem graça. Mas percebo que é muito um sintoma dessa repressão (social), porque não tem coisa mais potente do que você tocar o próprio corpo. O caminho do prazer fica muito mais fácil", arremata.