Ele era olhado com admiração. Pelos homens e por algumas mulheres. Não era bonito, mas fazia tipo, com longas costeletas à Elvis de Las Vegas, enquanto jogava migalhas de charme no chão, só para sentir em quais pombas podia investir. É a velha escola da paquera: primeiro sente-se o pulso; em seguida, o tiro. Era um predador, um leão.
Pode-se dizer que foi um dos últimos da sua espécie, o conquistador barato. Brasília era ainda uma cidade pequena; todos se conheciam e se cumprimentavam, nos lugares de sempre. As exceções se davam em locais determinados: havia um código entre cavalheiros que frequentavam espaços como o Cavalo de Aço, na 502 Sul, ou o Sereia, na 213 Sul. Neles, ninguém via nada, ninguém falava nada.
O nosso conquistador não frequentava esses ambientes. Preferia locais mais discretos, quase clandestinos — como a ditadura estava viva, eram aparelhos de luxúria. O favorito era o Xadrezinho, localizado numa quebrada próxima ao Cota Mil, onde hoje funciona, vejam o desperdício, até uma academia de ginástica.
O Xadrezinho merece um capítulo à parte na história boêmia e gastronômica dessa cidade. Durante o dia, atraía a clientela com uma cozinha internacional excelente, onde se destacava um filé à bourguignon inesquecível; à noite, o cardápio era outro. Já na varanda, a discrição era garantida por mesas protegidas por altos biombos.
Para quem achava pouco, numa sala contígua se cultivava o legitimo breu. Essas ameaças de apagão não mudariam muita coisa. Luz, ali, só nas pontas dos cigarros (neste mundo distante, quem mandava eram os fumantes) e, para renovar o Old Eight do copo, era preciso alguma ciência — equação resolvida com gorjeta antecipada.
Ninguém via ninguém. Os carros no estacionamento em frente podiam até denunciar alguns donos. Mas ninguém se encontrava; quando um casal saía, ninguém mais deixava a casa. Era a regra não escrita do estabelecimento. Um por vez.
A música — uma seleção de sucessos estrangeiros de um passado ainda mais distante — tinha volume suficiente apenas para abafar as vozes. Não que alguém estivesse ali para conversar, se é que me faço entender. Esse ambiente era a cova do leão — melhor: a alcova.
Uma garrafa azul de vinho branco e um pouco de conversa bastavam para um abate certo. Gentleman, ele não contava de suas conquistas. Diante do flagrante e da inevitável pergunta — "E aí?" —, ele arqueava as sobrancelhas e, ainda com a inseparável capanga sob o braço, lançava a dúvida: "O que aconteceu foi bom demais...".
O Xadrezinho não existe mais; faz parte de um passado que a Brasília de hoje não reconhece. O predador perdeu as costeletas, não usa mais capanga, nem mais atormenta maridos. Virou um velho leão sem dentes de circo de lona furada, que suporta chicote, cadeirada e a cabeça do domador entre as mandíbulas; plácido como um bovino gordo.
Mas não vamos nos iludir. O leão continua na ativa. Mais seletivo, comedido, medindo conseqüências, mas ainda esbanjando lábia. É um felino que só come biscoito molhado no leite, mas, ainda assim, se alimenta.