Foi em uma consulta ao veterinário que o professor aposentado e advogado Walter Isaac considerou tornar o malamute Thor em um cão de suporte emocional. Bastante dócil, foi indicado pela profissional, que avaliou seu comportamento, e o considerou ideal para o trabalho. Proposta aceita, o tutor precisou também de uma avaliação psiquiátrica, que foi positiva. Pronto, estava tudo certo para o cão atuar em Terapias Assistidas por Animais, tornando-se o primeiro animal para TAA certificado de Brasília.
Thor já atuou no Hospital Materno Infantil de Brasília, em uma UTI pediátrica, e foi indicado para o CRISDOWN (Centro de Referência de Crianças com Síndrome de Down), no Hospital Regional da Asa Norte. Na primeira experiência, ocorrida no Natal, as crianças internadas puderam brincar e acariciar o cão, apresentando melhoras em seu humor. O peludo, aliás, tem acesso a praticamente todos os locais públicos.
A experiência mais emocionante para Walter, entretanto, ocorreu na relação de Thor com uma criança autista. "Um pai confessou, com tristeza, que há dois anos tentava fazer com que a filha o olhasse nos olhos. Pedi, a partir do comando 'cuida', que Thor se colocasse à frente da pequena, que conseguiu vê-lo. Quando o pai foi para o lado do cão, a menina, finalmente, o olhou com profundidade. Ficamos, os dois, em lágrimas", relembra.
Para o tutor, há algo positivo também no cuidado de pessoas com depressão, ansiedade ou estresse. "Quando eu mesmo estou ansioso, ele já fica ao meu lado. Os cães percebem muita coisa no nosso emocional e é fantástico quando conseguimos ver essas possibilidades", completa. Inicialmente, não havia o objetivo de transformar Thor em um animal de suporte emocional, mas, com tantos ganhos pessoais e gerais, a satisfação não poderia ser maior.
Quanto ao treinamento, o professor explica que não existe preparação específica, mas, sim, comandos que serão úteis em tal atuação. A capacitação é para que o cachorro seja a própria terapia. Para realizar essas atividades, é preciso que o tutor esteja com a indicação médica em mãos, enquanto o cão deve estar sinalizado, com uma bandana ou um peitoral, que indique sua funcionalidade.
O peludo foi homenageado, em 2019, pela Secretaria de Justiça e Cidadania, no Palácio do Buriti, durante o encerramento da Campanha Setembro Amarelo de Prevenção ao Suicídio de Crianças e Adolescentes. Todo o trabalho de Thor e Walter é voluntário e as pessoas que quiserem saber mais sobre suas ações podem entrar em contato pelo Instagram (@lordthorbsb).
Uma via de mão dupla
Para a bióloga e mestre em psicologia social Sofia Bethlem, os animais domésticos, no geral, atuam de forma muito positiva no estado emocional dos humanos. O próprio toque do carinho tem poder calmante, no qual a respiração se torna mais controlada e há distração das preocupações.
Ademais, não necessariamente um cão agitado não pode ser utilizado em terapias. Há, por exemplo, pessoas que precisam gastar energia e fazer exercícios; nesses casos, pode ser interessante adotar um pet mais ativo. A ideia é sempre atentar-se à finalidade da pessoa que receberá esse tipo de terapia. "Não podemos simplesmente pegar um animal, incluí-lo em qualquer ambiente e achar que o trabalho terapêutico será eficiente. É preciso avaliar as necessidades e prever os efeitos dessa relação", pondera.
Em concordância, a médica veterinária comportamentalista e adestradora Nayara Brea, esclarece que se o cão de suporte emocional não for selecionado e treinado para a função de apoiar o assistido em diversos contextos e situações, certamente não haverá benefícios para ele. É necessário que os profissionais de saúde, ao indicarem um cão para esta função, sugiram também um profissional de comportamento canino para a seleção e o treinamento do pet.
Pensando nisso, a veterinária, que também atua em atendimentos comportamentais e intervenção assistida por cães há cinco anos, idealizou o Entre Animais, que visa melhorar a relação interespécie (humanos e animais) e intraespécie (indivíduos da mesma espécie). O trabalho se dá por consultas comportamentais para cães e gatos com problemas de comportamento e também para intervenções assistidas por cães.
E quanto aos gatos? Nayara explica que, do ponto de vista comportamental, os felinos são uma espécie semi social, de domesticação recente, quando comparados aos cães. Alguns gostam de interações frequentes com seres humanos, mas de forma não intrusiva e de curta duração. Então, essa relação é benéfica, desde que seja respeitada a natureza da espécie felina e a individualidade de cada gato. Adestrando-os, é possível que também possam exercer suporte emocional, sobretudo no contexto domiciliar.
"Vale lembrar que nem todos os cães gostam de contato físico com o ser humano por muito tempo e nem conseguem estabelecer uma conexão/vínculo rápido. Por isso, nem todos conseguem exercer a função de suporte emocional", reforça a adestradora. De toda maneira, a relação especial dos cães com os humanos independe dessa função e vem sendo amplamente estudada, demonstrando ser benéfica para a espécie canina com a produção de hormônios relacionados ao bem-estar e a ativação de áreas cerebrais importantes.
As categorias de interação com animais
O estudo Projeto Pet Terapia — intervenções assistidas por animais: uma prática para o benefício da saúde e educação humana, feito pela Faculdade de Veterinária da Universidade Federal de Pelotas (RS), que trabalha com atividade, terapia e educação mediada por animais, divide a intervenções assistidas por animais em:
Atividade Assistida por Animais (AAA): são atividades de melhora da qualidade de vida, entretenimento, recreação e motivação.
Terapia Assistida por Animais (TAA): desenvolvida junto com uma profissional de saúde, tem como foco desenvolver e melhorar aspectos sociais, físicos, emocionais e cognitivos.
Educação Assistida por Animais (EAA): realizada junto a um educador, atua na promoção da aprendizagem, do desenvolvimento psicomotor e psicossocial.
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