Toda mãe é igual. Mas diferente. Igual na força, nem sempre percebida e valorizada, e diferente nas experiências — do gestar, do parir e do maternar. Fato é que a chegada de um bebê traz descobertas significativas para as mulheres, que, em comum, relatam mudanças de vida para além das marcas corporais. Por isso, vale a máxima de que ao nascer um bebê, nasce também uma mamãe.
Nesse contexto, o sentir-se mãe nem sempre é instantâneo à chegada de uma criança; tanto pode vir antes do parto quanto muito tempo depois. E essas discrepâncias têm fundo em vivências únicas, que ora são prazerosas, ora dolorosas. O sentimento de solidão, cansaço extremo e frustração, em especial nos primeiros meses de vida do bebê, são relatos compartilhados por muitas mulheres.
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Questões hormonais e a própria mudança no cotidiano justificam parte desses sintomas, mas não todos. A romantização exagerada da maternidade, por exemplo, reverte-se em mães esgotadas. Falar do que é difícil e real ainda é um tabu. Isso porque, conforme aponta a socióloga e professora da Universidade de Brasília Tânia Almeida, o modelo de sociedade patriarcal vê a mulher com algum respeito e dignidade por sua condição de maternidade. Fora disso, é vista como alguém de menor valor.
Por isso, exige-se que ela cumpra um papel social no qual preconiza-se que o ser mãe surge como algo natural e deve ser somente apreciado. Quem questiona, reclama ou foge à tal função é considerada "desnaturada". Para a psicóloga Alessandra Arrais, esse é um fator de risco, inclusive, para a depressão pós-parto.
A Revista do Correio conversou com mulheres que, mesmo com experiências de parto distintas, compartilham de coragem e potência que só quem vive a maternidade consegue sentir. Sandra teve quatro cesáreas; Luiza experienciou uma cesárea humanizada; Ana ficou 18 horas em trabalho de parto; Eduarda deu à luz em casa e Ryani sofreu as preocupações de um nascimento prematuro.
"Eu me sinto maravilhosa quando estou grávida"
Para a agente de vigilância ambiental Sandra Nascimento, 44 anos, ser mãe sempre foi um sonho. Quando pequena, colocava a almofada na barriga para fingir que estava grávida. O desejo se concretizou em cinco gestações e quatro filhos: João Neto, 18; Bento, 12; Mariah, 8; e Ravi, 8 meses. As experiências, apesar das dificuldades, foram muito positivas e saudáveis.
Na gestação de João Neto, aspirou por um parto normal, que, infelizmente, não foi possível. O bebê estava com quase 42 semanas de gestação, tempo limite, e, em exames, o médico constatou que sua posição não era adequada para o procedimento. Além disso, Sandra não teve contração — outro indício para a necessidade da cesárea. Foi o que ocorreu. Ainda assim, o primogênito nasceu sem oxigenação e a mãe não pôde vê-lo na hora.
Os primeiros meses foram difíceis, pois só teve a companhia do marido, sentindo-se sozinha e desorientada, por ser sua primeira experiência na maternidade. "Hoje, com meu conhecimento, acredito que tive um início de depressão pós-parto. Eu chorava muito e foi bastante difícil. Virei uma onça pelo meu filho e sequer permitia que chegassem perto demais", conta. A amamentação também não foi fácil, acumulando inúmeras feridas nos seios, mas, com persistência, conseguiu continuar.
Já no segundo parto, Bento veio ao mundo após uma gravidez tranquila e uma cesárea sem complicações. Desde os 2 anos do primeiro bebê, Sandra já sonhava com outra gestação, então, apesar de não ser planejada, a criança foi bastante desejada. "Ele é o meu filho mais sensível, muito carinhoso e dedicado." Diferentemente das duas primeiras vivências, o nascimento de Mariah foi idealizado, mas passou por algumas dificuldades. Primeiro, porque foi necessário tomar um medicamento para "segurar" a gravidez (o corpo lúteo não se formou), que a fazia muito mal. Segundo, pois não foi possível ter o parto normal e, novamente, passou por uma cesárea.
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Na época, esse fato a decepcionou consideravelmente; sentiu-se incapaz, como se a cesárea não fosse tão louvável quanto um parto normal. Sem muita informação, a solidão tomou conta de Sandra, mesmo possuindo uma rede de apoio. "Você pode ter 10 filhos, mas a cada bebê que chega, há um novo desafio", frisa. A agente de vigilância acredita que muitas mães passam por isso sem sequer conseguirem identificar, por isso, recomenda que as pessoas mais próximas estejam atentas e ofereçam ajuda.
Com 42 anos, em 2020, teve o diagnóstico de menopausa precoce e descobriu problemas na tireoide. Em exames, quase não detectaram seus óvulos, daí a garantia do seu obstetra: não havia mais a possibilidade de ter filhos. Mas a tranquilidade durou pouco. Com quase sete meses sem menstruar, Sandra ovulou, algo praticamente impossível do ponto de vista médico, e a notícia foi surpreendente: estava grávida novamente.
Foi uma gestação difícil, por causa da idade, acredita. Sentiu fortes dores, teve inflamações, enjoos e desenvolveu anemia, problema nunca ocorrido antes. Apesar disso, Ravi nasceu grande e saudável. "Nós somos muito católicos e abertos à vida, então, mesmo com todos os diagnósticos, Deus resolveu me mandar esse presente. Se Ele quiser me mandar mais um neném, a gente aceita com o coração aberto e feliz", sustenta.
Luto solitário
Em 2018, Sandra engravidou novamente e foi uma felicidade imensa. Ainda não tinha ido ao médico e com oito semanas veio o susto: na barriga, as cólicas intensas; na cama, o acúmulo de sangue. Ao levantar, percebeu que se tratava de um aborto espontâneo. "Embaixo do chuveiro, meu corpo expeliu tudo e perdi meu bebê. Eu mesma o peguei com as minhas próprias mãos e o vi. Foi um momento profundamente triste para mim. Fiquei muito tempo de luto, como se em algum momento eu tivesse tido esse bebê nos meus braços", recorda.
A agente de vigilância ambiental nunca se imaginou nessa situação. Para ela, não era algo natural e, por mais que pensassem que havia pouco tempo de gestação, aquele bebê já fazia parte dela e da família. Assim, sofreu um luto solitário, para evitar que as crianças e o marido também ficassem abalados. E era nos banhos que se permitia chorar pelo filho que não estava mais nela. Com o tempo, a dor se transformou em mais amor por suas crias.
Para ela, a maternidade é sinônimo de gratidão. Hoje, reconhece que, independentemente do parto que teve, não é menos mãe por isso. "Sou uma 'mãezona', uma onça, defendo meus filhos com unhas e dentes; faço o possível e peço muita sabedoria para lidar com cada fase. Uma mãe sempre tenta acertar, mesmo quando erra", conclui.
A importância do planejamento
Planejar o parto minimiza riscos do ponto de vista de assistência materna e fetal, sendo ideal que toda primeira consulta aconteça antes das 12 semanas de gestação, incluindo uma avaliação clínica atual e do passado da mãe, para que se possa direcionar os exames mais importantes. Segundo a obstetra do Hospital Universitário de Brasília (HUB) Silândia Freitas, um bom parto é o resultado de um pré-natal bem acompanhado e assistido.
Quanto à escolha do tipo de parto, a especialista pede cautela aos extremos, que podem ser perigosos. "Existem algumas pacientes que não têm indicação de cesárea, mas há também aquelas que não deveriam ir para o parto via vaginal. É preciso analisar cada situação, suas vantagens e desvantagens.” No parto normal, por exemplo, a recuperação é melhor se comparado à cesárea — menos risco de infecção, de sangramento e de complicações a longo prazo associadas a procedimentos cirúrgicos.
Mas há condições que exigem uma cesariana: o tamanho do bebê desproporcional à estrutura óssea materna; quando, ao longo do tempo, identificou-se que esse bebê pode não ter condições de suportar o estresse do trabalho de parto; ou ainda quando há condições graves maternas que impõem um procedimento mais rápido. “Um parto via vaginal imposto a qualquer custo não vale. Todos precisam estar dentro dos protocolos de segurança, porque o melhor parto, sem dúvida, é o que oferece mais segurança ao binômio mãe e filho.”, reitera.
Para Silândia, é preciso trabalhar o empoderamento do casal ao longo do pré-natal para que eles pensem no parto que desejam e para que este ocorra da forma mais segura possível. “O que que eles gostariam que fosse feito, o que eles não gostariam que fosse feito, como irão querer ser recebidos, como desejam que a sala esteja, com a luminosidade menor, com um silêncio maior? Isso precisa ser trabalhado de forma mais enfática, para que as pessoas não tenham o conceito de que por terem parto no SUS precisam deixar de participar.”
Complementarmente, a psicóloga Alessandra Arrais trabalha o conceito de parto possível, já que, muitas vezes, podem acontecer intercorrências que fogem ao controle da mãe. Por isso, a importância de se planejar tanto para um tipo, quanto para outro, além de se informar sobre essas possibilidades. A preparação emocional é essencial e evita frustrações, que andam de mãos dadas com a depressão pós-parto. Vale lembrar que a lei garante que a mulher possa ter um acompanhante durante o parto.
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