Durante participação no Big Brother Brasil, o surfista Pedro Scooby comentou que fica 16 horas ou mais sem comer. Segundo ele, o jejum faz as células boas "comerem" as cancerígenas. Do lado de fora do reality, a influenciadora Maíra Cardi revelou que seguiu uma dieta específica antes de engravidar para zerar os genes de doenças, entre elas, o câncer, processo que ela chamou de modulação epigenética.
Não é de hoje que as dietas e os supostos benefícios de um ou outro método estão na boca do povo. Quem teve experiências positivas fala em tom de recomendação. Mas é preciso cuidado. A Revista do Correio aproveita o gancho do Dia Mundial de Combate ao Câncer, lembrado em 8 de abril, para entender o que a medicina e áreas afins realmente sabem sobre a ligação entre alimentação e câncer, um assunto cheio de mitos.
Sabe-se que cuidados com a dieta fazem parte da vida de quem está em tratamento e em manutenção do câncer, fase que não dá para descuidar. Agora, quando se fala em prevenção, o Instituto Americano de Pesquisa do Câncer estima que de 30% a 50% de todos os casos da doença são evitáveis com a adoção de estilos de vida saudáveis. Aqui no Brasil, essa informação é reforçada pelo Instituto Nacional de Câncer (Inca).
O câncer não é uma escolha, mas é importante entender que a interação, ao longo do ciclo de vida, entre os hábitos da pessoa e o que se chama de estado metabólico do hospedeiro — que é a informação genética que ela carrega —, são fundamentais para a proteção ou susceptibilidade ao desenvolvimento do tumor.
E quando falamos de hábitos alimentares que levariam a uma tendência ao câncer, a médica nutróloga Marcella Garcez (@dra.marcellagarcez) afirma que poucas são as associações apoiadas por evidências robustas e altamente sugestivas. Ainda assim, sabe-se que o consumo de álcool tem relação com risco de câncer de mama, colorretal, esofágico, de cabeça e pescoço e fígado na pós-menopausa.
Enquanto que, veja só, o consumo de laticínios, leite, cálcio e grãos integrais está inversamente associado ao risco de câncer colorretal , assim como o consumo de café está inversamente associado ao risco de câncer de fígado e carcinoma de pele.
Alessandra Leite, oncologista clínica do Centro de Oncologia e Hematologia do Hospital Santa Lúcia, lembra que, por mais que existam hábitos nocivos, é o conjunto da obra que importa. "Isso acontece com o álcool. É comum vermos pessoas que não só bebem, também fumam, usam hormônios, por aí vai", exemplifica.
Vemos, então, que não há um hábito que mande alguém direto para o grupo dos que terão a doença, quanto mais um alimento que faça isso. Mas o que se costuma comer pode funcionar, sim, como um fator a mais. Uma dieta considerada americanizada, regada a fast food, carnes assadas na brasa com gordura, embutidos, muitos molhos, produtos com conservantes e conteúdo calórico é um perigo. E isso vale não só para o câncer, mas para infarto, derrame e diabetes.
E o que mais coloca a saúde em risco? Quais estratégias implementar no cardápio? Máxima do universo saudável, adiantamos que o equilíbrio vem se mostrando o melhor caminho.
O dilema da carne
Sobre a carne vermelha, não é que ela seja uma vilã absoluta, mas costuma ser preparada com muito sal, sob altas temperaturas e, por ser mais gordurosa, torna a digestão demorada, por isso que pessoas que comem muita carne tendem a ter intestino preso. "E, ao longo do tempo, comer bife todos os dias, duas vezes ao dia, aliado a alguns outros elementos, pode predispor a câncer de intestino", sinaliza Alessandra Leite.
Aos que não vivem sem carne, a médica diz que não é preciso suspender, mas é fundamental variar o consumo com peixes e frangos. "A carne vermelha tem benefícios. Mais ferro do que outras proteínas, vitaminas do complexo B, mas, pelas razões que elencamos, precisa aparecer de forma balanceada no cardápio."
Carboidrato é vilão?
Um outro tópico costuma aparecer quando a pauta é nutrição e câncer: o de que o carboidrato deixa o corpo mais suscetível à doença. A verdade, desmistifica Alessandra Leite, é que o consumo excessivo de carboidrato leva à liberação da insulina, que é um hormônio normal e necessário, mas que, na tentativa de reduzir o aumento da glicose, começa a aparecer mais do que deveria.
"A insulina é produzida e liberada toda vez que comemos, porque ela quebra os alimentos e quebra a glicose no sangue. Então, não é que ela seja pró-câncer, mas, quando se come muita farinha branca, arroz e outros carboidratos do tipo, ela é liberada em excesso e é essa repetição não faz bem."
Jejum intermitente
E a estratégia de jejuar de Pedro Scooby? Marcella Garcez aponta que estudos pré-clínicos e ensaios mostraram que o jejum intermitente apresenta mesmo benefícios de amplo espectro para muitas condições, como obesidade, diabetes mellitus, doenças cardiovasculares, cânceres e distúrbios neurológicos. "Modelos animais mostram que ele melhora a saúde ao longo da vida, resta determinar se as pessoas podem mantê-lo por anos e, potencialmente, acumular os benefícios observados."
Os efeitos do jejum envolvem trocas metabólicas e resistência ao estresse celular. A hipótese mais estudada é de que a restrição alimentar, em protocolos de 16 a 48 horas, pode estar relacionada com a modulação da autofagia, um fenômeno de degradação e reciclagem que as células usam para eliminar toxinas.
Mediterrânea
Um outro padrão de dieta que vem se destacando é a dieta mediterrânea, típica da região da Grécia e do sul da Itália. Para alguns especialistas, ela seria a mais próxima de uma dieta ideal em termos de manutenção da saúde. Muita carne de porco, carne vermelha grelhada e pouco gordurosa, ensopados, cereais e um pouco de vinho — o que, na verdade, revela uma visão alcoólica moderada e de baixa quantidade. O hábito de frequentar feiras também ajuda a garantir ingredientes frescos e de produção local, sem agrotóxicos.
Cetogênica
Em julho do ano passado, um estudo publicado na revista médica da American Academy of Neurology avaliou a segurança da dieta cetogênica, rica em gordura e pobre em carboidratos, no tratamento de tumores cerebrais. A dieta mostrou-se segura e viável para pessoas com tumores cerebrais chamados astrocitomas, que poderiam ser de baixo ou alto grau.
"Não há tratamentos curativos para esses tipos de tumores cerebrais e as taxas de sobrevivência são baixas, portanto, avanços são bem-vindos. Todas as pessoas haviam completado o tratamento de radioterapia e quimioterapia e, entre elas, a dieta levou a mudanças no metabolismo do corpo e do cérebro." O estudo não determinou se a dieta poderia retardar o crescimento do tumor ou melhorar a sobrevida, mas testou a segurança nesse caso.
O prato do brasileiro
Haveria uma vantagem brasileira em comparação aos Estados Unidos, pela abundância de vegetais e frutas e o costume de comer salada por aqui? A oncologista Alessandra Leite entende que sim. A dieta estadunidense é considerada mais tóxica nesse caso. Entretanto, é como se o nosso lucro estivesse limitado a essa comparação. É que alguns pontos da alimentação brasileira pedem atenção: a mistura de carboidratos excesso de sal consumo de carne vermelha acima da média mundial, com muitas carnes queimadas na brasa, como cupim e picanha.
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