Um é pouco, dois é bom e três é demais. Será? Nem sempre! Para algumas pessoas, o antigo ditado popular está desatualizado e três, longe de ser "demais" é o número ideal em um relacionamento romântico.
E é no triângulo amoroso do bem, e consensual, que surgem os trisais. Derivado do termo casal, o relacionamento costuma seguir os mesmos moldes do namoro ou casamento tradicional, mas com três pessoas.
O trisal é uma das formas de romance baseados no poliamor, o conceito de que o amor afetivo e romântico não precisa ser compartilhado apenas entre duas pessoas, mas por quantas os envolvidos desejarem.
É fundamental ressaltar que tanto no trisal quanto em outros formatos de poliamor, o conhecimento e o consentimento de todas as partes são aspectos inegociáveis. Diferente de todas as outras regras, que podem variar em cada relação.
Triângulo equilátero
É na honestidade e no diálogo aberto que se baseia o casamento dos empreendedores e influenciadores digitais Sanny Rodrigues, 29 anos, Karina Matos, 25, e Diego Gonçalves, 31. Juntos há três anos, eles vivem um trisal em triângulo — ou seja, todos estão envolvidos com todos —, e fechado.
Sanny e Diego estavam juntos havia 10 anos e eram pais de Miguel, 5, quando decidiram abrir a relação para uma terceira pessoa. O intuito não eram encontros casuais, mas, sim, um namoro e, posteriormente, casamento, incluindo os aspectos emocional e sexual.
Sanny é bisexual e Diego, hétero — motivo pelo qual eles optaram por uma mulher para compor o trisal. Ao criar um perfil em um aplicativo de relacionamento, conheceram Karina e marcaram o primeiro encontro. "Eu não estava procurando um casal, não tinha nem pensado. Nunca tinha me relacionado com uma mulher também, mas já estava com essa vontade. Quando vi os dois, algo me chamou a atenção e resolvi dar o match", lembra Karina.
O primeiro encontro começou com um certo nervosismo e tensão dos três, mas, uma vez vencida essa barreira, o amor foi quase instantâneo. Cerca de um mês depois eles estavam morando juntos. Como em um triângulo equilátero, todos os lados do relacionamento são iguais. Eles dividem as responsabilidades com o filho, com a casa, com as contas e um com o outro. Foi esse equilíbrio que os ajudou a vencer o ciúme, por exemplo.
"Nosso casamento nunca foi aberto e sempre existiu ciúme das duas partes. Quando a Karina chegou, teve um pouco, mas, como a escolha foi dos dois, não foi tão intenso. Nós não dividimos, somamos. Isso já leva 90% do ciúme embora" diz Diego.
Sanny lembra que o que despertava um pouco de dor de cotovelo eram algumas atenções trocadas entre duas partes e que não envolviam a terceira, que acabava se sentindo excluída.
Terapeuta, ela trouxe seu conhecimento para o casamento. A conversa sincera e a dedicação mútua a todas as relações existentes, a dos três, a de Sanny e Karina, a de Sanny e Diego e a de Karina e Diego, trazem a harmonia. Rindo, Sanny acrescenta que isso não quer dizer que não exista ciúme. "Nosso casamento é e sempre foi fechado. Com pessoas de fora, todos somos ciumentos com todos".
Influenciadores
Dividindo parte da rotina nas redes sociais e mostrando que o casamento é composto de amor e não um pecado, como muitos dos haters falam por aí, os três garantem que a intolerância é a maior dificuldade.
A família de Diego nunca se opôs à relação, o que ele acredita ser uma reação fruto do mundo machista. "Infelizmente, muitos olham para nós não como um trisal, mas, sim, como um homem com duas mulheres e acham que isso é algum mérito para mim", lamenta.
Sanny e Karina, que enfrentaram mais resistências das próprias famílias, também se incomodam com esse rótulo e garantem que, assim como as duas são esposas de Diego, elas são casadas uma com a outra. "As pessoas agem como se eu estivesse dividindo o Diego e esse é um dos julgamentos que mais me incomoda. Mas hoje nós lidamos melhor com o preconceito. Nas redes sociais, eu já bloqueio", garante Sanny.
A família de Karina é a mais resistente e cortou laços com ela. Mas a caçula do trisal garante que o amor que vive, inclusive o de mãe, faz valer as dificuldades que eles precisaram enfrentar. Para evitar que mais pessoas sofram com a falta de aceitação, o "Trisal Brasília" faz lives, caixinhas de perguntas e até mesmo o "tinder de trisal" toda sexta-feira, quando buscam reunir interessados.
Dicas de como entrar em um trisal, lidar com o ciúme e outras demandas emocionais também fazem parte do perfil. Debates e troca de informações sobre as aspectos legais, jurídicos e outras burocracias também acontecem.
Apesar de não sentirem a necessidade de um papel para formalizar a relação, eles se preocupam com algumas garantias de direitos e com o fato de que o segundo filho que pretendem ter não sairá da maternidade com o nome dos três na certidão.
"Temos esses obstáculos em uma sociedade baseada na monogamia, mas nossa cumplicidade e companheirismo vencem tudo isso. É muito bom poder vivenciar ainda mais amor", completa Sanny.
Trisal por acaso
Diferentemente de Sanny Rodrigues e Diego Gonçalves, Felipe Rodrigues Braz, 30 anos, e Kawany de Jesus Lima, 30, casados há 14, não estavam em busca de envolvimento emocional com outra pessoa,
muito menos pensavam em se tornar um trisal.
O empresário e a atendente de telemarketing, pais de três filhos, resolveram abrir a relação para dar uma
apimentada. Felipe é heterossexual e Kawany, até então, acreditava ter a mesma orientação. Quando o casal decidiu aceitar o envolvimento físico com outras pessoas, ela teve a curiosidade de sair com outras mulheres e se descobriu bissexual.
Depois de alguns encontros casuais separados, os dois consideraram um encontro a três e curtiram a experiência. O plano era encontrar cada pessoa externa somente uma vez e não se engajar em nenhum tipo de relação afetiva. Mas, quando conheceu a chapeira Laís Keane de Moraes Lima, 19, Kawany sentiu vontade de manter uma amizade.
Com a concordância de Felipe, Kawany e Laís, que é pansexual, começaram a se ver mais vezes e engataram um namoro. “Era para ser mais casual, mas a gente se envolveu e, quando a Laís me pediu em namoro, combinei com o Felipe e aceitei”, lembra.
Naquele momento, as duas fecharam o relacionamento e deixaram de ver outras pessoas, exceto no caso
do envolvimento prévio com Felipe. O empresário continuou casado e liberado para se encontrar casualmente com outras mulheres.
Laís lembra que, no início, estava apenas buscando aventuras e relações casuais. “Mas não teve jeito, a
Kawany me laçou, me envolvi, me apaixonei e depois o mesmo aconteceu com o Felipe”, conta, aos risos. E, assim, os três estavam satisfeitos.
Passado cerca de um mês, Laís acabou expulsa de casa, pois a família não aceitava seu namoro. No calor
do momento, ela foi morar com a namorada e o marido dela. “Não dizemos que foi planejado porque ali, na hora, tivemos que tomar uma decisão. Explicamos para as crianças que ela precisava ficar na nossa casa por um período e hoje eles estão mais velhos, sabem e aceitam a nossa relação”, conta Kawane.
A partir da convivência, Laís e Felipe começaram a se envolver e criaram, também, um laço afetivo. Quando
perceberam que a relação tinha evoluído, há cerca de um ano e dois meses, os três decidiram se tornar, oficialmente, um trisal e fechar o relacionamento.
“Eu e o Felipe somos muito tranquilos e não temos muitos ciúmes. Sair com uma ou outra pessoa não seria um problema para nós, mas a Laís é muito ciumenta e nos comprometemos com ela”, conta Kawany.
Rindo, os dois comentam sobre os ciúmes da parceira. “De vez em quando, o pessoal brinca, faz piadinha
dizendo que quer entrar no relacionamento e eu rio, entro na brincadeira. Mas, quando olho, ela já está
brava”, conta Felipe.
Ele ressalta que não é por levarem alguns comentários na brincadeira ou não se abalarem muito com as críticas e preconceitos que o relacionamento não é sério. “Tem gente que chega querendo ficar com um ou
outro, achando que, por sermos um trisal, não temos fidelidade entre nós”, comenta.
“Sempre digo que todos são beneficiados nessa relação e todos gostam. Não é o Felipe que tem duas
mulheres. Eu e a Laís também temos dois companheiros”, completa Kawany.
Glossário
Definições para as várias formas de relacionamento segundo a página Poliamor Brasil
Amor livre — Nome criado pelo movimento hippie nos anos 1960. Se refere ao sexo recreativo entre pessoas não envolvidas sentimentalmente. Atualmente, abarca também questões afetivas.
Amor romântico — Refere-se ao sentimento afetivo entre pessoas que se relacionam romanticamente, ou até mesmo ao sentimento de um para o outro, sem que exista necessariamente a reciprocidade.
Amizade colorida — Tradução aproximada de friends with benefits (amigos com benefícios). Trata-se de amizades onde existem interações sexuais, sem qualquer outro vínculo afetivo.
Metamor — O amor de meu amor. Metamor é uma pessoa com quem meu parceiro se relaciona, mas que não tem relações comigo.
Mono-normatividade — Normas culturais e sociais que defendem e perpetuam a monogamia, muitas vezes excluindo os relacionamentos não monogâmicos.
Não-monogamia — Ideologia que defende a opção de manter, simultaneamente, mais de uma relação sexo-afetiva. Não é o mesmo que poliamor, pois engloba outras formas de se relacionar, como a troca de parceiros ou relacionamentos abertos.
Poliamor — Modelo sexo-afetivo não-monogâmico em que as pessoas envolvidas têm sentimentos profundos. Envolvem simultaneamente várias pessoas, com o consentimento e o conhecimento de todos seus membros. Alguns desses relacionamentos têm também o nome geométrico. Um poliamor a quatro pessoas pode ser um quadrado.
Polécula (polycule) — Molécula poliamorosa. Representação geométrica de redes relacionais. Os mais comuns são a relação em V, o triângulo e o quadrado, mas existem muitas outras configurações.
Trisal — O trisal ou triângulo é uma configuração do poliamor que envolve três pessoas.
Trisal em V — Um dos membros mantém um relacionamento com os outros dois, mas estes dois não têm relação entre eles. Nesse caso, o vértice do V é chamado de pivô e as extremidades são conhecidas como braços. Cada braço é o metamor do outro. Esse formato é comum quando os poliamoristas são heterossexuais.
Trisal em triângulo — Cada um dos membros está relacionado aos outros dois. Neste caso, cada metamor é também amor do outro.
3 e ponto!
Sucesso no Tik Tok, onde reúnem mais de 900 mil seguidores e inspiram até mesmo perfis de fã-clube, os influenciadores digitais Natasha Fernandes, 25, Yuri Rabelo, 28, e Demetro Gomes, 32, mostram a vida de trisal e tiram dúvidas.
Juntos há cinco anos e dois meses, a história que os une é ainda mais antiga. De 2010 a 2013, Yuri e Demetro namoraram e, após o término, continuaram melhores amigos. Em 2016, os dois trabalhavam na mesma empresa que Natasha e, ali, todos se conheceram.
Natasha e Demetro começaram a namorar e viviam na casa do melhor amigo, Yuri. "Eu sabia que eles tinham namorado, mas não tinha ciúmes. Era uma amizade muito sincera e eu sempre confiei neles", lembra Natasha.
Yuri morava sozinho e sua casa acabou virando point para os amigos. Assistindo filmes juntos, saindo para passear e desabafando uns com os outros, eles ficavam cada vez mais próximos.
Após passarem, cada um, por dificuldades na vida pessoal, tornaram-se ainda mais amigos e Natasha percebeu que nascia um sentimento diferente entre ela e Yuri. "Quando ele precisou se afastar um pouco, parecia que tinha alguma coisa faltando ali, ele fazia muita falta."
Demetro lembra que o casal estava em uma das suas melhores fases, mas também sentia falta do amigo, e percebeu que talvez os dois se gostassem como mais que amigos. "Eu sentia uma conexão entre eles, conversei com a Natasha sobre isso e disse que estaria aberto."
Eles contam que, na época, nunca tinham se deparado com o conceito de trisal, "só fomos vivendo". Demetro não tinha ciúmes e, explorando os sentimentos envolvidos, Yuri e Natasha começaram a namorar.
Percebendo que eram mais felizes quando estavam em três, eles começaram a morar juntos e hoje se apresentam como um trisal em V, aquele no qual uma das partes se relaciona com as outras duas, que não tem um relacionamento entre si.
Tendo namorado antes, Yuri e Demetro chegaram a se questionar se teriam uma relação entre eles no trisal. "Chegamos a falar sobre, mas percebemos que nossa relação é só afetiva, amor de amigo mesmo", diz Demetro.
O respeito é a base do relacionamento harmonioso e, por isso mesmo, o desrespeito das pessoas está entre o que mais incomoda o trisal. "As pessoas são machistas, não aceitam homens bi e acham que nós traímos a Natasha um com o outro. Por que dois homens não podem ser bi e amar a mesma mulher?", questiona Yuri.
Natasha comenta que, além do preconceito com trisais, eles sofrem ainda mais com o machismo. Quando um homem se relaciona com duas mulheres é visto como um "garanhão", mas a mulher envolvida com dois homens é considerada promíscua.
O ciúme não existe entre os três, mas nas relações separadas já chegou a ser motivo de algumas brigas. Aprendendo com as experiências e o tipo de relação que têm, eles mudaram sua forma de lidar e hoje vivem tranquilos.
Demetro revela que ainda sente ciúmes em algumas situações, mas aprendeu que esse é um sentimento seu e que ele não precisa levar a questão para a namorada como um motivo de briga.
Em um relacionamento fechado, eles afirmam que não estão fechados para nada. "Hoje somos três, mas e se surgir um sentimento ou outro amor? Não podemos ser hipócritas, pois foi assim que surgiu nosso trisal", completa Natasha.
Um ponto que desperta risos nos três são as brigas. Eles contam que, quando dois estão discutindo, quem está de fora se esforça muito para não interferir, mas é difícil e quase sempre o atrito se generaliza. "É um desafio, porque vejo minha parceira e meu melhor amigo. Como escolher um lado?", brinca Demetro.
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