Imagine um aluno que tem problemas quando vai escrever. A letra fica ilegível e ele demora muito tempo para completar palavras e frases. Provavelmente, será taxado de preguiçoso ou terá sua adversidade reduzida à falta de inteligência em algum momento. No entanto, esse pode ser um quadro de disgrafia, um transtorno que afeta a caligrafia, as habilidades motoras finas (ligadas a letras e desenhos) e que acaba comprometendo a legibilidade.
Junto à disortografia, discalculia e um mais conhecido, a dislexia, são os chamados transtornos de aprendizagem. E, somados ao transtorno do deficit de atenção com hiperatividade (TDAH) — que atrapalha a aprendizagem de forma indireta —, são considerados transtornos do desenvolvimento, um termo guarda-chuva que reúne as cinco condições.
De acordo com Lucas Mendes, psiquiatra do Hospital Brasília/Dasa, as dificuldades começam a dar as caras aos cinco anos de idade, na fase de alfabetização, mas o diagnóstico vem, geralmente, ali aos sete. E o médico explica que o problema não significa que a pessoa tenha algum tipo de atraso: "Às vezes, as altas habilidades em um aspecto custam o preço de uma outra habilidade, com outras funções".
O estigma em volta dos transtornos de aprendizagem devem ser desfeitos para o paciente e para a comunidade que o cerca. Quando o assunto é diagnóstico e tratamento, Lucas ressalta que é preciso conversar com a criança, com a família e acompanhar a rotina na escola, tudo mais de uma vez, para um processo de qualidade.
O bom é que, com tratamento, dá para amenizar as limitações. Quando fica entendido como o problema se manifesta e o subtipo que a pessoa tem, é possível traçar potencialidades e dificuldades do sujeito e, a partir disso, propor estratégias compensatórias, que preservem os pontos fortes dele. É isso que explica Julia Silva, professora do Departamento de Psicologia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), doutora em saúde da criança e do adolescente.
Por não ter cura, tratar é importante para reduzir o prejuízo psicossocial, algo que se estende para a vida adulta: "Os transtornos não se limitam à infância. A pessoa com discalculia pode ter dificuldade na hora de dar um troco quando for à padaria. E, quando mais velho, quem tem TDAH pode penar para permanecer no emprego, costuma também não conseguir manter relacionamentos amorosos. Por isso, é importante que o paciente seja continuamente monitorado para se preparar para os desafios da vida adulta", completa a professora.
Saiba Mais
Os transtornos
- Dislexia
Dificuldade no reconhecimento preciso e/ou fluente da palavra, na habilidade de decodificação e na soletração.
Acomete de 0,5% a 17% da população mundial.
Sinais na pré-escola:
Dispersão
Fraco desenvolvimento da atenção
Dificuldade no desenvolvimento da fala e da linguagem
Dificuldade de aprender rimas e canções
Fraco desenvolvimento da coordenação motora
Dificuldade com quebra-cabeças
Falta de interesse por livros impressos
Sinais na idade escolar:
Dificuldade na aquisição e automação da leitura e da escrita
Pobre conhecimento de rima (sons iguais no final das palavras) e aliteração (sons iguais no início das palavras)
Desatenção e dispersão
Dificuldade em copiar de livros e da lousa
Dificuldade na coordenação motora fina (letras, desenhos, pinturas) e/ou grossa (ginástica, dança)
Desorganização geral, constantes atrasos na entrega de trabalho escolares e perda de pertences
Confusão para diferenciar esquerda e direita
Dificuldade em manusear mapas, dicionários, manuais
Vocabulário pobre, com sentenças curtas e imaturas ou longas e vagas
Fonte: Associação Brasileira de Dislexia
- Disgrafia
Problemas na hora de escrever. “Pode passar batido, como se a criança não tivesse vontade de fazer uma letra bonita. Mas se chamar a atenção, precisa investigar”, alerta Carlos Uribe, neurologista do Hospital Brasília/Dasa.
Sinais:
Letra ilegível (não é só letra “feia”)
Lentidão para escrever
- Disortografia
Transtorno específico da grafia. A pessoa escreve de forma incorreta, apesar de o potencial intelectual e a escolaridade estarem adequados para a idade. Afeta ortografia, gramática e redação.
Sinais:
Dificuldade para aprender regras gramaticais: concordância, letras maiúsculas no início das frases e sinais de pontuação
Uso frequente de verbos no infinitivo
Substituições equivocadas de grafemas
Dificuldade na conversão letra-som
- Discalculia
Dificuldade para pensar, refletir, avaliar ou raciocinar atividades relacionadas à matemática.
Afeta 3% a 6% da população mundial.
Sinais:
Dificuldade em aprender a contar
Também ao sequenciar, nomear e classificar números
Raciocínio lógico comprometido
Dificuldade de entender tabelas e medidas
Dificuldade em executar cálculos numéricos
A discalculia tem vários tipos. Então, os sintomas podem variar muito.
- Transtorno do deficit de atenção com hiperatividade (TDAH)
Dificuldade para gerenciar a atenção e orientá-la para os estímulos importantes no momento.
De 3% a 5% das crianças de todo o mundo lidam com o transtorno.
Sinais:
No geral, é a combinação da desatenção + hiperatividade-impulsividade
Fatores de risco
- Genética — mas não por um único gene e, sim, um agrupamento deles. É comum, inclusive, que alguém da família também tenha problemas em funções que a criança tenha.
- Ambiente pouco estimulante.
Tratamento
É indicada terapia multidimensional. Com foco educacional, mas também médico, comportamental e psicológico.
Palavra do especialista
Dizer que a pessoa tem um desses transtornos significa que ela apresenta uma doença?
Primeiro, em relação à nomenclatura, quando chamamos de transtornos funcionais específicos, que é um nome também utilizado, nos referimos a um transtorno de ordem psicológica ou psiquiátrica. Então, a forma mais adequada seria falarmos mesmo em transtornos do desenvolvimento, porque se refere à criança, ao desenvolvimento dela, ao aprender a falar, se comportar, às habilidades com cálculo, escrita, leitura. O que acontece é que essa pessoa não tem o desempenho esperado para aquela faixa etária. Essa dificuldade evolui e vira um transtorno, não sendo classificado como doença ou deficiência pelo CID (Classificação Internacional de Doenças).
São muitos os casos de diagnósticos errados?
Ocorrem alguns casos em que a pessoa está com suspeita de dislexia, mas esqueceram de checar se ela sequer enxerga bem. Ou pensam que a criança tem disgrafia quando, na realidade, ela apresenta problemas de coordenação motora. É preciso descartar esses problemas gerais e abrangentes antes de determinar que ela tem um ou outro transtorno.
Que tipo de progressão é possível esperar com o tratamento?
Quanto mais cedo identificar e começar a tratar, principalmente com terapia, melhor. O cérebro tem grande potencial de elasticidade e capacidade de aprendizagem. Tratar evita os estigmas na escola e os transtornos secundários que podem vir com eles, como ansiedade, depressão e transtornos de adaptação ao ambiente escolar. É o caminho também para uma série de facilidades na vida adulta, como garantia de um bom emprego.
Carlos Uribe é neurologista do Hospital Brasília/Dasa
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