Você já deve ter ouvido que ter um pet demanda tanta atenção quanto um filho. Há até quem crie o animal como um. Mas e quando a família está prestes a receber um bebê humano?
Algumas pessoas creem ser impossível deixar o bicho de estimação perto da criança. Há quem ache que isso representaria até um risco à saúde. Não é bem verdade e, pior, esse pensamento tende a levar ao abandono animal. As mil e uma tarefas envolvidas nessa nova rotina são certas, mas os problemas entre os dois não precisam ser.
O pet já sente que algo está diferente durante a gestação, com as mudanças dentro do lar. Montar o quartinho e mudar a decoração sugerem novidade. O ideal é que o animal participe desses arranjos. Médica veterinária da DogHero, maior empresa de serviços para animais de estimação da América Latina, Thaís Matos recomenda que, enquanto se planeja o quarto, o pet fique liberado para dar uma volta pelo espaço.
Deixe ele se familiarizar com o cheiro do amaciante, que costuma ser específico para bebê. Dá até para colocar um paninho com o aroma próximo à caminha do pet. Ele também pode ter contato com um ou outro brinquedo da criança, desde que o objeto seja muito bem higienizado depois de o animal tocar. Nessa fase, é normal que alguns passem a dormir mais perto dos tutores ou queiram ficar sempre próximos à barriga da mãe.
E saiba que, depois, com a chegada do bebê, a maioria dos animais aceita bem as mudanças que vêm com o pequeno. Claro, tudo, no ritmo deles. O tempo para associar que a criança não está invadindo o espaço varia conforme a personalidade do bicho e com a forma com a qual os próprios tutores lidam com a situação.
O que pode dificultar a adaptação é, justamente, se o animal percebe que está sendo deixado de lado e recebendo menos atenção. Isolado, fica inseguro e expressa isso mudando de comportamento. Faz xixi onde não "devia" ou deixa de comer, por exemplo. Cabe aos tutores cuidarem e agirem.
"Com o bebê em casa, os cheiros diferentes e o som do choro acionam a curiosidade. No meio disso tudo, o importante é manter a rotina do bichinho a mais normal possível e ir acostumando aos elementos mais diferentes", aconselha. Antes e depois do nascimento, o parceiro ou alguém que tenha o hábito de cuidar do pet deve tentar manter a frequência de passeios e atividades.
Segundo a veterinária Camila Garcia, da Meu Pet Natural, isso ajuda o bebê a assimilar que o pet faz parte da família. Da mesma forma, o animal entende que o bebê não é uma ameaça e, assim, dá para suavizar um possível medo dos dois lados. "Claro que não sabemos como é a estrutura da família. Se tem os dois pais, se tem avô ou avó ajudando. É muita coisa pra dar conta, mas é bom tentar adaptar e manter o possível. Quando der, as saídas podem acontecer com a criança junto", pontua.
Conhecendo o amigo
As interações entre bebê e animal devem ser mediadas, mas leves. Vale tomar alguns cuidados, como não colocar o bebê em cima do pet de primeira, porque pode acabar assustando os dois. E quando já estiverem mais próximos, cuide para que o bichinho não lamba as mãos nem os pés da criança, que costumam ir direto para a boca dela — mais uma questão de higiene mesmo.
Há até quem prefira deixar o pet na casa de outra pessoa ou em um hotelzinho, pelo menos nos primeiros dias da chegada do bebê, para organizar a vida. "É possível. De preferência, para um lugar que ele já conheça. Aí, pode ir retornando aos poucos para casa, para ir notando as mudanças com calma", sugere Thaís.
Um treinamento preventivo pode beneficiar casos em que os animais sejam muito ciumentos. É interessante que o processo tenha início antes da chegada do bebê, com adestramento ou trabalho com especialista em comportamento animal, que consegue fazer alguns manejos dentro do lar, o que funciona bem para gatos.
Para a yorkshire Ceci, de 8 anos, da empresária Lívia Almeida, de 37, foi uma longa jornada de adaptação. A gravidez, um pouco antes da pandemia, aconteceu em meio a mudanças na rotina em casa, trabalho e compromissos médicos. Resultado disso foi que a preparação de Ceci acabou ficando para quando Lívia já estava no último trimestre de gestação. A família contratou uma consultora em comportamento animal de Belo Horizonte e o principal desafio foi trabalhar a ansiedade de separação da cachorrinha, já que o bebê demandaria muita atenção.
Ceci deixou de dormir na cama dos tutores. Teve a rotina incrementada com longos passeios matinais, para cavar e rolar na terra, e com atividades de enriquecimento ambiental, principalmente na hora das refeições, com o apoio de comedouros interativos, chifres e cascos naturais, para que ela se desafiasse a comer. Tudo pensado para afastar estresse, tédio, angústia e inquietação.
Mas quando o pequeno Arthur chegou em casa com os pais, depois de passar quase duas semanas numa Unidade de Terapia Intensiva (UTI) pré-natal, Ceci não entendeu. "Para ela, Arthur era uma espécie de extraterrestre, porque ela nunca tinha tido contato com um recém-nascido. Nos dias que se passaram, notamos que estava muito triste, apática", lembra.
Eles tinham mesmo razão para ficarem surpresos com Ceci daquele jeito. A yorkshire estava entrando em depressão. Com um trabalho de zoopsiquiatria, medicação e a continuidade das estratégias de treinamento — cujo resultado aparece mesmo no longo prazo e Ceci havia feito somente dois meses —, conformou-se que Arthur fazia parte da família e que a presença dele não significava que ela iria embora.
"Sabíamos, desde o início, que o contato entre os dois não seria fácil, porque Ceci sempre teve medo de criança. Sem contar que a reação de um animal com um bebê é imprevisível, por mais que ela nunca tenha mordido ninguém", conta Lívia. Por isso, os pais ficam sempre em cima, para que a relação seja a melhor possível.
E tem dado certo. A família mudou-se de um apartamento para uma casa, pensando em dar a Arthur e a Ceci mais qualidade de vida. Hoje, o animal não toma mais o remédio controlado e vê Arthur como parte da família, alguém que ela protege.
Checape necessário
Vale lembrar que checar a saúde do animal também faz parte do pré-natal. Não que os animais sejam um perigo constante na transmissão de doenças para o bebê — Thaís Matos diz que esse risco é baixíssimo —, é só que o acompanhamento é importante em qualquer fase e garante a saúde da família toda, além, claro, da do bicho.
Com uma ida ao veterinário, é possível atualizar possíveis tratamentos, ver se o controle de pulgas, carrapatos e a vermifugação está em dia e, mais importante, dar uma olhadinha no cartão de vacina. Em geral, são os animais em situação de rua, sem esse acompanhamento, que podem representar algum risco.
Para quem tem gato, no entanto, há uma ressalva. Mulheres grávidas ou que estão amamentando devem evitar higienizar a caixinha do felino. Se o fizerem, precisam usar luvas. Há risco de contaminação por protozoário ou infecção, que saem pelas fezes do animal. Com o contato, sem lavar as mãos depois, a mulher pode pegar algo para comer, ingerir o alimento e se contaminar. Isso não quer dizer que precisa se livrar do gato, mas orientar que outra pessoa faça a limpeza.
Ver pelos espalhados por todos os cômodos é uma realidade para vários tutores. Com um bebê, eles passam a ser ainda mais incômodos. Animais que soltam muito pelo, então, devem ser escovados com mais frequência e os tutores precisam caprichar na rotina de banho e tosa. Isso vale, principalmente, para a época em que o pet mais solta pelo, comum nas mudanças de estação ou no calor.
Camila se diz suspeita para falar, por ser veterinária, mas afirma que crianças que convivem com pets têm a imunidade reforçada: “Pela minha vivência em consultório, já vi crianças com alergia dessensibilizar a partir desse contato”. Com os responsáveis bem orientados, ela destaca que essa é também uma oportunidade para a criança aprender a trocar carinho, ganhar noção do respeito do espaço alheio e de responsabilidade.