Especial

Um corpo para chamar de seu

A cobrança para seguir padrões disseminados a todo momento nas redes sociais pode provocar problemas sérios de saúde, física e emocionalmente

"Cheguei a usar esses mesmos medicamentos", admite José Francisco de Sousa, 56 anos, ao ler os noticiários sobre a morte da catora Paulinha Abelha. Ele sempre teve uma relação complicada com a balança. Aos sete anos, não conseguia ganhar peso e tinha o corpo correspondente a uma criança de três. Foi somente na adolescência que ele chegou ao peso ideal para a idade.

Na vida adulta, o professor começou a ganhar mais peso e a fazer musculação, tendo um corpo dentro dos padrões considerados ideais na sociedade. Porém, após os 30 anos, a depressão, a ansiedade e o hipotereoidismo fizeram com que Francisco ganhasse alguns quilos a mais.

A comida se tornou um conforto e, em momentos difíceis, Francisco comia muito além do que precisava. O sobrepeso e a relação de dependência emocional com os alimentos fizeram com que o professor buscasse métodos radicais para emagrecer.

Há cerca de 15 anos, Francisco fazia todo tipo de dieta que prometia resultados rápidos e começou a se automedicar. Nesse período, passava por momentos de mais tranquilidade e tentava abrir mão desses métodos para ter uma vida mais saudável.

Ainda fragilizado emocionalmente e sofrendo com a pressão estética, acabava voltando aos chás e medicamentos. Cinco anos atrás, no entanto, Francisco passou pelo grande susto que mudou sua vida. Após ter convulsões e crises de tremedeira, o professor leu a bula do medicamento que tomava e se assustou.

No hospital, descobriu que chegou perto de ter um ataque cardíaco e teve danos renais em função de tudo que ingeria. "Ali eu vi que a estética não podia custar a minha vida e parei de tomar tudo isso imediatamente. Comecei a me exercitar pensando na saúde e a comer de maneira mais equilibrada", conta.

Francisco recebeu uma segunda chance, mas lamenta que, mesmo após tudo o que passou, ainda tenha medo de sofrer recaídas. Ele não se considera completamente fora de perigo. "Entro nas redes sociais e só vejo as pessoas vendendo essa magreza, esse culto ao corpo magro", lamenta.

Além da pressão social pela padronização dos corpos, o professor comenta que a publicidade de chás, dietas e tratamentos para emagrecimento são uma grande armadilha e que, mesmo fazendo terapia e se cuidando, é fácil se deixar enganar.

Ele chama a atenção para o fato de que se, mesmo adulto e com acompanhamento, ele sofre com esse tipo de cobrança, imagina o impacto negativo dessas mídias em crianças e jovens. Francisco ainda acredita que para as mulheres a pressão é ainda maior. "Tem alguns anúncios que vejo de coisas que não podem ser anunciadas assim, como esses remédios tarja preta, e denuncio nas redes, mas na semana que vem, aparece de novo. Isso tem um impacto muito grande e perigoso na sociedade como um todo", completa.

Nem tão
natural assim

A professora e endocrinologista do Hospital Universitário de Brasília (HUB) Monalisa Azevedo alerta para os perigos de tomar compostos psiquiátricos: "Já presenciei situações como essas no meu consultório: pacientes que chegaram contando que fizeram uso desse tipo de medicamento por conta própria, antes de me procurar. Eles podem causar depressão, insônia, sonolência, tonturas, diarreia e dores musculares".

E engana-se quem pensa que os ditos "remédios naturais" — chás e cápsulas — não oferecem riscos. Embora suas substâncias sejam extraídas de plantas, algumas delas podem ser hepatotóxicas, sobrecarregando o fígado e induzindo efeitos indesejáveis no organismo, como aumento da pressão e doenças cardiovasculares.

"Nenhum medicamento, sozinho, é capaz de solucionar a obesidade. O controle do excesso de peso requer medidas de mudança no estilo de vida, entre elas a reeducação alimentar e a prática de exercícios físicos. As medicações são utilizadas em conjunto com as alterações de estilo de vida", avalia Monalisa.